Instrumentista e circense, Lívia Mattos inova uso da sanfona

Parceira de Chico César, jovem baiana vem se destacando como artista completa no circuíto musical brasileiro, tirando ritmos da sanfona muito além do convencional 
 
Lívia Mattos Foto de Tiago Lima
 
Jornal GGN – Instrumentista, compositora, circense e bacharel em sociologia pela Universidade Federal da Bahia. A baiana Lívia Mattos vem se destacando como uma artista completa no circuíto musical brasileiro integrando o som da sua sanfona com performances do circo. Na abertura da Virada Cultural de São Paulo de 2010,  Lívia atravessou dois prédios nas alturas, tocando. Em 2017, a artista lançou seu primeiro álbum autoral, o ‘Vinha da Ida’.  
 
Em entrevista ao programa GGN, apresentado por Luis Nassif, a compositora conta que começou a carreira como trapezista e acrobata no circo Picolino, em Salvador. “Essa vontade de tocar um instrumento não era uma coisa assim ‘eu quero ser sanfoneira’, ‘quero ser instrumentista’. Era: ‘eu quero usar a sanfona na cena do circo, antes de usar o trapézio e tal’. Só que aí eu peguei amor, né?”.

 
A primeira sanfona que arranjou foi de uma tia, largada no canto da casa e que ninguém mais tocava. “Eu falando com ela disse: ‘pô tia, quando você morrer já sabe o que eu quero de herança, né?’. Ela disse: ‘O que é, menina?!. ‘É a sanfona’, eu respondi. Ela: ‘Não! não espera eu morrer, não! Não fique me agourando, é sua!'”
 
Hoje Lívia faz história com seu acordeon. Nos últimos três anos realizou turnês pela França, Alemanha, Rússia, Estônia, Irlanda, Reino Unido, Grécia, Bélgica, Espanha, Áustria e Dinamarca. Ufa! E hoje acompanha o trabalho de Chico César na turnê Estado de Poesia.
 
A forma como conheceu o músico e compositor foi um pouco inesperada. Era meados de 2009 quando assistiu ao show de um dos discos preferidos por ela, De uns Tempos pra Cá. “E aí eu fiquei muito impactada com as composições, com a disposição dele. Você vê que é um artista sem preguiça, se entrega totalmente no que está fazendo. Eu chorava no show, eu ria, era tudo ao mesmo tempo”, relembra.
 
Livia conta que o show durou cerca de três horas. “Ele [Chico] fala que não durou, mas eu [lembro], ia voltar de ônibus para casa e era um domingo, e eu fique preocupada com as horas”. Quando chegou em casa, ainda estasiada, decidiu mandar uma mensagem via MySpace.
 
“Eu disse apenas: ‘porra, parabéns! Show sem preguiça. Pirei’, uma coisa assim, fui curta e grossa, eu achava que a produção dele ia me responder”, completa. Mas foi o próprio cantor, Chico Cesar, que aproveitou a rede social para conhecer o trabalho da Mattos. 
 
https://www.youtube.com/watch?v=tjUVkKnDpH0 width:700]
 
“Eu tinha vindo para São Paulo em 2008 e nessa época o Oswaldinho [do Acordeon] tinha gravado um demo pra mim”. O material que a artista colocou no MySpace.
 
Os laços com Chico se estreitaram depois que Lívia veio morar em São Paulo. Os dois se tornaram amigos e ela começou a fazer “sub” (substituição no jargão dos músicos) do sanfoneiro oficial da banda que o acompanhava. “Daí a gente começou a fazer muito show em duo e o outro [sanfoneiro] acabou tocando com muita gente, então de ‘oficiosa’ acabei virando oficial”, brinca. 
 
A parceria durou até 2011, quando Chico se tornou secretário da Cultura na Paraíba e Lívia voltou para a Bahia. 
 
“Eu achei que nunca mais fosse tocar com o Chico. Já estava [pensando]: ‘pô que ótimo e maravilhoso pra mim o tempo que toquei’. E daí ele me chamou para fazer os show do Estado de Poesia, que é um disco maravilhoso”, comemora.
 
Sobre suas influências no estilo de composição Lívia responde sem pestanejar que se inspira “muito” na forma de Chico produzir.
 
“Por tocar com ele, também, tenho a obrigação de escutar muito os discos para poder estar pronta para o que vier. Mas também aprendi muito com Chico uma coisa que acho que é fundamental na música que é a liberdade, essa liberdade de, tipo, como a música vem, respeite! Você não precisa enquadrar a música”.
 
Residência e trio com egípcia e colombiana
 
Lívia Mattos voltou recentemente de uma residência nos Estados Unidos, promovida pelo governo daquele país através da Sound Foundations com o propósito de reunir, a cada novo edital, 25 músicos de 17 países diferentes fora do círculo das nações desenvolvidas, apenas incluindo estadunidenses.
 
Lívia conta que a experiência foi “incrível” para a carreira e que teve contato com “musicalidades, histórias, afetos e narrativas” de artistas de países como Marrocos, Palestina, Egito, Cazaquistão, Africa do Sul, Zimbabwe e Colômbia. 
 
Quando perguntada sobre a possível estratégia dos EUA de dominar a arte como forma de “soft power”, jargão da ciência política para indicar quando um país dominante impõe sua influência de maneira branda, exemplo do que realizam com a cultura através de Hollywood, Lívia ponderou que os organizadores do projeto acreditam na música “como ferramenta de diplomacia” e diálogo. 
 
“No meu feedback de reflexão no último dia falei da teoria da micropolítica, mesmo. Você acredita em uma pessoa, e não em 17 países diferentes, que vai voltar para o seu país com toda essa bagagem e vai fazer reverberar e eles dão apoio para você continuar propondo coisas em projetos de diversas linhas”, explica.
 
Na residência Lívia formou um trio com Yasmin El Baramaue, do Egito e que toca alaude, e com a percursionista da Colômbia Yohana: “ela é mais minimalista, como se fosse um Sergio Reze, só que mulher. Ela é dos detalhes, improvisa nas nuances, vai colorindo o som”. O grupo gravou três músicas nos Estados Unidos e pretende ampliar o repertório fazendo mais composições.
 
“Para mim o grande legado artístico da residência foi esse trio. Foi impressionante: a figura do Egito, da Colômbia e do Brasil. A gente respira junto, a gente pensa junto. Eu fazia uma melodia, e uma fazia, e outra também [completando-se de forma harmônica]”.  
 
Voz e sanfona
 
Quando perguntava se sua sanfona tem “sotaque”, Lívia respondeu que não se define. “Eu gosto de caminhar, e gosto de inventar também”. Sozinha ela desenvolveu um ritmo que, mais tarde, quando apresentou a um colega franco-português descobriu ser semelhante a músicas do Haiti. 
 
O objetivo da artista é estabelecer a sanfona como instrumento de acompanhamento, como fazem músicos do violão e da guitarra.  “Nossa tradição cultural brasileira é voz e violão. Eu tenho inveja [desses instrumentos] e fico pensando de como usar a sanfona, coisa que não é só floreio, mas como uma ferramenta de acompanhamento mesmo”, avalia.  
 
Por outro lado, arrematou o entrevistador Nassif: “É engraçado, que os grandes violonistas que eu conheço, muitas vezes, querem emular a sanfona na mão direita”. Ao que Lívia respondeu:
 
“Acho que a paixão é recíproca. Um quer ser sanfoneiro, e outro que ser violonista [risos. Mas tenho essa coisa de pensar a sanfona como um acompanhamento, não como solista, o que foi uma briga minha para o disco”.
 
 
Redação

1 Comentário

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  1. A sanfona pede licença
     

    mas não entra.

    Temos potencial para os melhores sanfoneiros do mundo, mas não temos ouvido para eles.

    São acompanhantes, animadores de festas, nunca solistas, compositores ou executantes de clássicos nesse instrumento rico e completo, com todos os acordes.

    Só os teimosos apaixonados insistem em tocar e ouvir, às vezes para si mesmos.

    Até de Luiz Gonzaga que de tudo sabia tocar, só se exigiu o baião para que o sucesso lhe sorrise.

    Na Coréia do Norte o acordeon tem essa cara:

    [video:https://youtu.be/XaBF6VNWMo8%5D

    Na Rússia tem essa:

    [video:https://youtu.be/EFNNPZsO7-Q%5D

    E no Brasil, para quem tem sorte de assistir:

    [video:https://youtu.be/GlhtYSpbtyc%5D

     

     

     

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