Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Jones Johnson, o inglês do frevo; por Urariano Mota

Por Urariano Mota

Foi o médico Beilton Freire da Rocha quem, por email, me deu a notícia:

“Só vi/ouvi uma pessoa falar em Jones Johnson como compositor de frevos: o Gordo, Antonio Luís. Isto serve de mote para um texto seu?”.

E anexou à mensagem esta carta publicada no Jornal do Commercio do Recife:

“Sempre que falam da Orquestra Sinfônica do Recife colocam como fundador apenas Vicente Fittipaldi. Porém a orquestra, na verdade, foi fundada por quatro músicos, entre eles meu pai, Jones Johnson. Tenho fotos que provam isso. Meu pai foi um músico reconhecido por pessoas que entendem do assunto, como o maestro Cussy de Almeida, que sempre elogiava os frevos de Jones Johnson”. E ao fim da carta vinha o autor: Geraldo José Monteiro, por telefone.   

Diante disso, respondi:

“Muito obrigado, Beilton. Você é um recifense digno do nome. Sim, serve de mote, e já comecei a pesquisa para localizar o filho. Descobri o telefone, que ninguém atende.

Se eu conseguir entrevistá-lo, a sua mensagem encabeçará o texto da entrevista.

Além do Gordo, quem falou em Johnson foi Hugo Martins, no programa de rádio O Tema é Frevo.”.

Não sou bom pagador, mas a promessa que fiz pago nestas linhas.

Primeiro, observo que a maioria esmagadora, quase a unanimidade dos pernambucanos, não sabe que no Recife houve um inglês que era compositor de frevos, e dos melhores de Pernambuco. Segundo, só os mais velhos dos recifenses, e de boa memória, sabem que houve um compositor chamado Jones Johnson. Mas essa é uma lembrança meio sem nexo, daquelas que temos e expurgamos dos recônditos do cérebro, em nome do equilíbrio mental que devemos ter para não cair no abismo. Jones? Johnson? Jones Johnson do frevo?! E recuamos.

Mas para felicidade do nosso equilíbrio, houve um excepcional músico chamado Jones Philips Johnson. Inglês da Inglaterra e compositor de frevo. As duas informações, inglês e do frevo, são tão antagônicas, que o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira registra o nome Jones Philips Johnson, mas o deixa nascido no Cabo, em Pernambuco. 

Já no livro “Compositores pernambucanos”, de Renato Phaelante, a cidade onde o estrangeiro de Pernambuco nasceu é retomada:

“John Philips Johnson

24/6/1898 (Newcastle – Inglaterra) – 15/4/1972 (Recife)

Filho de um inglês, com uma brasileira, por pouco não nasceu em Pernambuco, para onde veio bem pequeno, segundo o depoimento de uma das filhas, a violoncelista Mariza Johnson…”.

Mas já nessa altura devemos suspender a transcrição, porque uma nota se impõe: o  nome mudou de Jones para John, uma informação diferente das que existem sobre o compositor. Qual dos nomes é verdadeiro? O filho Geraldo José Monteiro Johnson, em entrevista concedida a mim, ponderou: o nome de nascimento era John, mas os pernambucanos alteraram para Jones, e foi assim que ele ficou conhecido.    

Então continuemos. Em seu necessário registro, Renato Phaelante nos fala que “Se, por um lado, John Philips Johnson, que mais tarde adotou o apelido de Jones Johnson, era inglês de nascimento, sua cidadania não poderia ser outra senão a brasileira (pernambucana), pela sua importância na Música Popular Brasileira, particularmente na história do frevo”.

E aqui, mais uma breve parada, de apoio. Renato Phaelante está certo. Jones Johnson é pernambucano, recifense, apesar de vindo à luz em Newcastle. Mais de uma vez já observamos que a cidadania, a cidade natal de uma pessoa é a sua formação. Se o autor destas linhas, por exemplo, em um acidente absurdo, indesejado e inexplicável houvesse nascido em Londres, em lugar do Recife, no bairro de Água Fria, seria ainda recifense, porque foi no Recife que mamou a sua identidade, gosto e natureza. Quero dizer: somos sempre as pessoas que nos formaram, nos cercaram e nos deixaram com o peito marcado, muito mais que a geografia da terra do nascimento. Na verdade, nascemos para o mundo dos objetos e pessoas que imprimiram suas presenças em nosso espírito, sempre.

A seguir, Renato Phaelante nos fala onde reside a natureza recifense de Jones Johnson:

“Johnson pertenceu aos Blocos das Flores, Apois Fum e Lira da Noite, ao lado de nomes famosos como Felinho e João Santiago. Tocava também na Orquestra Gente Nossa e seguiu as companhias líricas que pelo Recife passaram nas décadas de 1920, 1930 e 1940. Foi ainda regente da Banda de Música de Nazaré da Mata e era filiado à União Brasileira de Compositores. Mesmo criando maxixes, valsas, sambas e outros ritmos, destacou-se ao compor frevos de rua, que eram sempre muito bem-vindos no período carnavalesco. Desse seu importante trabalho, Jones Johnson recebeu o troféu do Clube do Compositor do Recife, em 1961, por haver sido o melhor do seu gênero naquele ano”.

Assim informados, vamos agora conhecer o compositor de frevo Jones Johnson, nas palavras do filho Geraldo José Monteiro Johnson:     

Geraldo  – Estou com 69 anos. Sou filho de Jones Philip Johnson e de Maria Carmelita Monteiro Johnson. O meu pai morreu com 74 anos. Ele veio da Inglaterra com o meu avô. Eu sou músico da Orquestra Sinfônica do Recife. Me aposentei agora. Toco violoncelo. E ensino inglês e alemão. A minha avó era descendente de alemã, e aprendi desde pequeno.

Entrevistador – Como foi que um cidadão nascido na Inglaterra, filho de inglês e descendente de alemã, virou compositor de frevo?

Geraldo  – É isso que dá… todo o mundo pergunta isso, Cussy de Almeida também era intrigado com isso. Porque meu pai era inglês, veio pequeno da Inglaterra, e chegando aqui começou a fazer frevo. (Ri.). No Recife, ele morou nesta casa em que moro, no bairro de São José, e começaram vários clubes a aparecer por aqui, aí ele tocava clarinete, porque era um exímio clarinetista. Inclusive ele foi chamado para a Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio, que era a capital federal. E não aceitou. Ele era o único músico aqui em Pernambuco que executava o seu instrumento de modo raro, porque fazia o clarinete Si Bemol e o clarinete em Lá. Ele fazia as duas coisas no mesmo instrumento.  Meu pai em um só clarinete fazia os dois clarinetes.

Entrevistador  – Então ele foi chamado por Nelson Ferreira pra tocar. Nelson Ferreira foi um grande incentivador de talentos aqui no Recife…

Geraldo – Mas isso foi antes de ele trabalhar na Orquestra da Rádio Jornal do Commercio.

Entrevistador – Seu pai teve quantos filhos?

Geraldo – Meu pai teve 12 filhos. Sete mulheres e cinco homens, agora dois, porque três homens faleceram. Todas as mulheres estão vivas. Mas a minha família é toda de músicos. Eu tenho uma declaração aí de Valdemar de Oliveira, “família musical”, saiu no jornal.

Entrevistador- No ambiente de carnaval, de frevo que havia aqui, quem eram os grandes compositores?

Geraldo – Vou falar dos que passavam aqui em casa: Levino Ferreira, João Santiago, que pedia pra meu pai escrever as músicas que ele compunha. Meu pai fazia arranjos pra ele. A canção era de João Santiago, mas os arranjos eram do meu pai.  (Agora, meu pai teve um problema com Nelson Ferreira, porque o  meu pai ganhou o primeiro lugar em um concurso de frevo, aí Nelson ficou magoado. Foi a única briga que houve, em questão de frevo. Que não precisava, porque Nelson tinha mais composições do que ele.) Pois bem. Cussy de Almeida, antes de falecer,  disse: “Jones Johnson é o único compositor que os frevos dele são clássicos”. Nem toda orquestra toca. Tem que ser orquestra boa, orquestra de Duda, de Guedes Peixoto, do próprio Levino Ferreira.  O meu pai adorava o concerto de Mozart  para clarinete e orquestra. Quando ficou doente, ele ainda ficava exercitando o concerto de Mozart para clarinete e orquestra.

Entrevistador – Quais são os grandes sucessos de carnaval de Jones Johnson?

Geraldo – O frevo dele que ganhou o primeiro lugar no concurso, “A mamata é boa”. Nelson Ferreira ficou em segundo lugar, ou terceiro.  Outro frevo: “Dinheiro resolve tudo”.  Mais estes: Pergunte a Toscano, Tudo pode acontecer, Só é rei quem quer.  Homenagem a Levino Ferreira, que não foi gravado.

Entrevistador – Então ele tem frevos inéditos?

Geraldo – Tem. Aquela caixa (aponta) ali está cheia de frevos que não foram gravados. São quase quarenta. Tem até frevo de bloco.  Eu tenho as partituras. Inclusive foi por isso que eu  deixei tudo com Hugo Martins pra fazer um projeto.

Entrevistador – A que se deve esse esquecimento da obra de Jones Johnson?

Geraldo  – Primeiro porque as pessoas, os recifenses pensavam que ele era estrangeiro. (Ri.) A outra razão é que ele era o maior clarinetista do Brasil na época. Tanto que foi chamado para a Orquestra Sinfônica Brasileira. A terceira razão é que os frevos dele são difíceis. A execução é difícil. Os frevos dele são clássicos.   

E assim acabaria a nossa entrevista. Mas nesta altura, devo apresentar a pessoa de Hugo Martins. Ele é radialista,  compositor, sonoplasta,  pesquisador, radioator,   produtor musical. Mas acima de tudo um amante apaixonado do frevo. O seu bordão em seus programas na Rádio Universtária FM é “Em todas as épocas do ano se ouve música popular brasileira. E frevo é música popular brasileira!… ”. Sobre a pergunta da razão do esquecimento dos frevos de Jones Johnson, Hugo Martins me faz os seguintes esclarecimentos:

“Olhe, a música de Jones Johnson não é divulgada porque ninguém é divulgado. A obra dos compositores de frevo de Pernambuco não é divulgada no rádio, na televisão. Só em meu programa na Rádio Universitária FM. Os programadores não dão valor, e o povo fica sem conhecer”.

Essa é a ocasião em que Hugo Martins fala com o peito aberto (de peito aberto pelas ruas do Recife ele vai) sobre o lugar da música de Pernambuco:

 “O frevo é música única no mundo. Na Unesco, na frente de 36 países concorrentes, o frevo foi declarado patrimônio cultural imaterial da humanidade.  Mas parece que entre nós não se deu o devido destaque. Se fosse na Bahia, o carnaval começava no mesmo dia da proclamação na Unesco.  Pra você ter uma ideia, em 1989 eu, músicos  e dançarinos do frevo em Pernambuco,  recebemos um convite para representar o Brasil em Bonn, na Alemanha. Era um grande festival de música e cultura. Os alemães nos davam hospedagem e diárias. Mas a passagem deveria ser paga pelas autoridades pernambucanas. Pois nem o Prefeito do Recife nem o Governador de Pernambuco nos deram esse mínimo. Então telegrafamos dizendo que não podíamos ir representar o Brasil porque não tínhamos a passagem. Os alemães nos deram! Viajamos e foi um sucesso. O maestro Ademir Araújo e sua orquestra se apresentaram,  o público  não deixou os músicos se retirarem do palco. Queriam mais e mais. No dia de abertura do Festival das Nações, fomos nós os escolhidos para representar a América Latina, por causa do meu frevo, “Do Recife a Bonn”, com acordes da 5ª. Sinfonia de Beethoven. Fomos para o ensaio. Já no ensaio, os músicos alemães, da Orquestra Sinfônica de Berlim, ficaram admirados. E com uma intérprete vieram até nós para falar o seguinte: – “Como é que vocês tocam uma música difícil e ainda dançam?”.    Nascimento do Passo estava lá”.

Então eu insisto sobre a complexidade do frevo de Jones Jonhson, que afastaria os músicos da terra dos seus frevos. E Hugo Martins repõe do modo mais simples a verdade:

“O frevo de Jones Johnson pode até ser difícil de ser tocado, mas não é difícil de ouvir”.

E completa: “É um frevo agradável, muito bom. Já recuperei várias composições de Johnson, que tenho em vinil, e regravei . Um deles é ‘O Caldeirão está fervendo’.”                   

E para que não se repita o ditado “em casa de ferreiro, espeto de pau”, divulgo ao fim um dos raros frevos de Jones Johnson disponíveis no YouTube. O nome é irônico, Você Sabe. Aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=DYwlbJWaM88 width:700 height:394     

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

5 Comentários

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  1. O “inglês no frevo”

    Se o nosso povo soubesse o que está por trás da história do frevo!  O “preto no branco”, a fusão da música europeia com o jingado africano da capoeira. A criatividade de nossos maestros, arranjadores e compositores. Sem falar nos nossos intérpretes de todos os tempos. Foi pouco o que a Unesco fez. E é pífio o reconhecmento nacional. E local: vide Batutas minguando (recuso-me a admitir a morte).  Obrigado, Uraniano Mota.

  2. O frevo no Recife

    Você tem razão, Marcos Holanda. Da mistura da nossa riquíssima história, rebelde, amante dos valores da terra, vem o frevo.

    Mas o desejo de “matar” Batutas você entendeu. É uma violência também contra o coração da gente. 
    Quem sabe se abalos fortíssimos possam reerguer Batutas, assim como o mendigo no poema de Baudelaire.

  3. Sou Mestre de Banda e atuo na

    Sou Mestre de Banda e atuo na Sociedade Philarmônica XV de Novembro Cabense (Cabo de Santo Agostinho), tenho especial interesse pela biografia e obra de Jones Johnson.

    Fiquei entusiasmado nesta manhã de domingo ao encontrar mais um registro acerca da relevante, porém injustiçada como outras tantas, contribuição do Mestre Jones para a música de Pernambuco.

    O mesmo foi integrante dessa filarmônica onde ocorreu sua iniciação musical, antes de se mudar para a cidade do Recife, aos dezessete anos.

    Gostaria de conversar com o Sr. Urariano Mota e parabenizá-lo pelo atitude de trazer à luz a memória desse clarinetista e compositor. 

    Abraço fraterno.

     

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