Keytar: a volta de um praga

De O globo.com

Sucesso na década de 80, o keytar está de volta à moda

‘Teclado-guitarra’ foi visto em shows de Ringo Starr, Stevie Wonder, Ke$ha e Goldfrapp no Brasil

Luciano Alves é um 'keytarrista' orgulhoso; já Luiz Schiavon, do RPM, nem tanto Foto: Arquivo pessoal / Odival Reis

Luciano Alves é um ‘keytarrista’ orgulhoso; já Luiz Schiavon, do RPM, nem tanto Arquivo pessoal / Odival Reis

RIO – Está no script: Na turnê brasileira de Ringo Starr, encerrada no último domingo com um show no Recife, o lendário Edgar Winter saca um teclado de sua estante, pendura uma correia no pescoço e diz, cheio de orgulho: “Fui o primeiro a fazer isso”. O “isso” a que ele se refere é o uso de um teclado colado ao corpo, como se fosse uma guitarra. Após o pioneirismo de Winter, o instrumento foi adaptado e criou-se o keytar, uma espécie de teclado com braço, que ganhou o mundo na década de 80. Apesar da imagem datada, associada aos tempos de mullets, ombreiras e calças de lycra, os keytars discretamente estão voltando à cena, seja nas mãos de medalhões ou nas de gente que mal tinha nascido quando eles reinavam absolutos: Stevie Wonder subiu ao palco do Rock in Rio tocando o seu; a banda que acompanhou Ke$ha também se exibiu com um keytar na mesma noite; o Goldfrapp lançou mão de dois destes instrumentos na última edição do Planeta Terra e, claro, Gary Right exumou outro destes para tocar ao lado do ex-beatle e sua All Starr Band.

Como todo revival de modismos, não se sabe exatamente quem desenterrou os keytars (ou controladores), mas uma coisa é certa: com eles, voltaram as acusações contra o aparelho. Há quem diga que não passa de um piano de pescoço, que ele parece um “ornitorrinco musical”, que “é coisa de quem quer aparecer”. Mas também há quem defenda seu uso em pleno século XXI. Caso do pianista Luciano Alves, que já tocou com Mutantes e Pepeu Gomes, entre outros tantos. Para ele, a grande vantagem do keytar é dar liberdade a quem o toca.

– Com os teclados convencionais, o tecladista sempre fica preso a uma única posição. Em alguns shows, eu até começava tocando keytar no meio da plateia – elogia Alves, proprietário de três controladores, entre eles um Moog Liberation, um dos pioneiros, lançado em 1980 e tão raro hoje em dia a ponto de se tornar objeto de colecionador.

Para o músico, que hoje leciona no Centro de Tecnologia Musical que leva o seu nome, no Rio de Janeiro, um dos momentos mais marcantes de sua carreira se deve ao keytar.

Com os teclados convencionais, o tecladista sempre fica preso a uma única posição. Em alguns shows, eu até começava tocando keytar no meio da plateia – Luciano Alves

– Há uns 30 anos, fiz uma apresentação com a Orquestra Sinfônica Brasileira e a Orquestra do Teatro Municipal na Praça da Apoteose tocando a “Nona sinfonia”, de Beethoven. Na hora do solo improvisado, saquei o Moog Liberation e o público delirou! – relembra.

Já Luiz Schiavon, o homem das teclas do RPM, diz não sentir a menor saudade de seus dias de “keytarrista” – apesar de ainda ter o seu exemplar guardado no fundo de um armário.

– Não acho o keytar nada bonito, ele não tem a elegência de uma guitarra. Aliás, odeio esse nome. Quando eu tinha 20 e poucos anos de idade, tinha mais vontade de correr pelo palco, mas após três décadas de profissão, fico feliz no meu chiqueirinho. É como a bateria… o batera vai querer pendurar um treco e sair andando? Não, né? Fica lá parado no canto dele. – desabafa.

 

Além de não apreciar a estética do instrumento, Schiavon critica as limitações musicais que ele representa.

– Você só consegue tocar o keytar com uma das mãos, o que requer mais desenvoltura e muda muito a posição do tecladista. E você ainda inutiliza a mão esquerda, que poderia fazer uma base, tocar outros sons…

Apesar de não querer reviver os velhos tempos, Schiavon, no entanto, não condena o uso do keytar.

Não acho o keytar bonito, ele não tem a elegência de uma guitarra. Quando eu tinha 20 e poucos anos de idade, tinha mais vontade de correr pelo palco, mas após três décadas de profissão, fico feliz no meu chiqueirinho – Luiz Schiavon

 

 

– É como casaco de oncinha, salto plataforma… eu acho feio, mas tem gente que usa e curte, depende dos gostos de cada um. – pondera o músico. Ele dá ao instrumento tem o mesmo valor retrô de peças do vestuário oitentista, que dominaram a moda nos últimos anos.

– A gente tem olhado para os anos 80 pelo retrovisor e o keytar foi muito característico daquela época, uma época muito criativa. Então é normal que ele tenha adeptos com esse olhar para o passado.

Seguindo as tendências de mercado, a volta do keytar aos palcos também deve-se ao relançamento do instrumento pela Roland, uma das principais fabricantes de teclados e sintetizadores do mundo. “Descontinuado” em 2004, o keytar só voltou a ser fabricado em 2009, na forma do AX-Synth (mesmo modelo usado por Stevie Wonder no Rock in Rio), com sons internos próprios e funcionamento à pilha. O “boom” de vendas, porém, veio no fim do ano passado, com o lançamento do AX-09, chamado de Lucina. Voltado para o público amador, o Lucina é menor, mais leve, tem menos teclas e funções e, por isso, é mais barato que seu irmão tocado por famosos. Cada exemplar custa, em média, R$ 2,1 mil, contra os R$ 3,7 mil do AX-Synth.

– O keytar é um instrumento muito interessante e nós queremos atrair novos consumidores, não só quem já toca piano e teclado. Lançamos esses modelos para oferecer uma alternativa competitiva à guitarra e ao baixo. – afirma Sérgio Paulo Terranova, gerente de produtos da Roland Brasil. – A intenção é provar que o keytar tem muitas possibilidades e não é só usado por bandas como o Polegar e grupos de pagode. Além de Stevie Wonder, músicos renomados como Chick Corea e Herbie Hancock são adeptos do keytar. – provoca.

Alves concorda:

– A imagem do keytar foi degradada pelo uso excessivo em playbacks nos programas de TV. Em alguns casos, o músico estava dublando algo de muito bom gosto que ele mesmo havia gravado. Em outros, o cara ficava fazendo apenas alguns acordes básicos de acompanhamento, mas com uma cara de quem estava arrasando. Por causa destes presepeiros, os brasileiros precisaram dar um tempo no keytar. – reclama. E constata que, quase 30 anos depois, pouco mudou.

– Atualmente, o keytar continua sendo utilizado pelos mesmos motivos de antigamente: há quem queira fazer um tremendo solo de cara para a plateia ou quem apenas quer aparecer mais que o cantor. Tudo Depende das intenções e do talento de cada músico. – finaliza.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador