Música na praça

Com essa loucura diária, o tempo que tenho para curtir música é nas caminhadas quase diárias em torno da Praça Buenos Aires.

Algumas impressões musicais, desse ouvindo-na-praça:

1. O alemão Kurt Weil é uma delícia. Mas achei o francês Erik Satie, consagrado pelos vanguardistas dos anos 70, um porre. Conhecia as composições curtas dele difundidas pelos vanguardistas. Algumas eram muito agradáveis. Mas, como eram selecionadas, impedia uma visão de conjunto da sua produção. Quando se ouve de batelada, a impressão sobre ele muda totalmente. Suas boas músicas são minoria em sua produção.

2. Vou cometer um sacrilégio com meus amigos do universo do violão, mas Andrés Segovia, considerado o mais importante violonista do século 20, na minha opinião (friso bem) é um intérprete datado. Nada tirará seu mérito de ter transformado o violão em instrumento de concerto. Mas suas interpretações são claudicantes. São limpas, mas há uma dificuldade, quase um soluço, quando tem que mudar de uma passagem para outra da música, especialmente nos trechos mais complexos. Ontem ouvi muitas gravações dele. Depois comparei com a fluidez e a pulsação dos irmãos Abreu. Ao contrário do piano (que já era uma escola de interpretação madura), de Segóvia aos Abreu ocorreu uma revolução na interpretação violonística, que deixou os pioneiros para trás.

3. Sou fã incondicional de todos os grandes violonistas que vieram depois, dos meus amigos irmãos Assad, Zanon e tantos outros. Mas, para mim (opinião pessoal) o nível alcançado pelos irmãos Abreu, cujo duo terminou precocemente nos anos 70, ainda não foi superado.

4. Martha Argerich é um gênio. Guiomar Novaes é um gênio do mesmo quilate. A semelhança de performance entre ambas mostra como a interpretação do piano estabilizou-se. Gênios dos anos 30 e 40 continuam à altura dos gênios do fim do século.

5. O americano de Nova Orleans, Scott Jopplin, é uma delícia de ouvir. Mas nosso Ernesto Nazarteh é superior.

Luis Nassif

5 Comentários

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  1. Nassif,

    Também acho Segovia
    Nassif,

    Também acho Segovia datado. Indo além, como violonista, detectei que o problema da interpretação do instrumento no Brasil passa pela cronologia no ensino musical, não apenas do violão. Estuda-se História da Música, Harmonia, Contraponto e quase todas as matérias a partir do “congelamento” do som ainda em pergaminho, mais ou menos no século XI, época em que Guido D’Arezzo inventou a grafia musical. Vai-se do canto gregoriano a Bach, segue-se Wagner e raramente se chega a Stravinsky, que já é datado também. Inexoravelmente, a técnica fica abalada. A partir da segunda metade do século passado, as escolas violonísticas passaram a sofrer a influência de Abel Carlevaro, com seus Cadernos de mão direita e esquerda educando o ouvido enquanto desenvolvem a técnica. Os ligados, por exemplo, começam por séries de segunda menor e evoluem sem o ranço do estudo antiquado dos intervalos. Seus frutos foram Leo Brower e seus contemporâneos, no Brasil os Abreu estavam no caminho. Acho também que o ensino do violão tem que ser de frente pra trás, ou seja, começando dos intépretes e compositores de hoje e voltando no tempo. Só assim se extrairá dos iniciantes suas principais potencialidades. No começo dos anos 70, compus a trilha de uma coreografia chamada Pulsações, que ganhou o prêmio APCA, e ao final do espetáculo de estréia, teatro Galpão, veio um senhor me parabenizar, e pediu pra ver as partituras da trilha. Analfabeto musical, lhe disse que não tinha. Ato contínuo, ele me intimou: “Então você vai ser meu aluno, terça-feira às 9 em casa…” Lá chegando, um grupo se debruçava no chão sobre uma obra de Webern, composta em terças e nonas. E lá foi o analfabeto aqui perguntando: “o que é terça?” Depois de gargalhadas gerais, o senhor me apresentou um método de solfejo atonal chamado Modus Novus (de Lars Edlund). Foi a minha salvação. Abri os ouvidos para o dodecafonismo, serialismo e começei a aplicar tudo no violão. Décadas depois coleciono alunos que também abriram os ouvidos e a técnica. A propósito, o senhor era Conrado Jorge Silva de Marco, compositor, engenheiro acústico, etc.. O problema é a velha separação entre erudito e popular, o não envolvimento dos violonistas com a Física Acústica e outros problemas que ainda persistem por aí.

  2. Apenas corrigindo-me a mim
    Apenas corrigindo-me a mim mesmo. Maurice Ravel, Claude Debussy e Eric Satie foram chamados os impressionistas da música, numa alusão ao movimento impressionista nas artes visuais que estava no auge naquela época, e não os expressionistas da música como mencionei inadvertidamente.

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