Na música, mudança é a única característica estável

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Por Rogério Cerqueira Leite

de seu blog “Cultura e Sociedade”

PONTOS DE INFLEXÃO NA HISTÓRIA DA MÚSICA OCIDENTAL

Por mais primitiva que seja uma sociedade, a música será parte integrante de suas manifestações religiosas ou meramente ocasionais. Muito cedo o Cristianismo adotou a música como parte integrante de suas reuniões e de suas manifestações religiosas. Com isso nasceram os cantos litúrgicos que inicialmente se diversificavam com a região. Carlos Magnus (768 – 814) percebeu o poder de agregação da música para a formação e estabilidade de seu império. Com isso o canto gregoriano é universalmente adotado, o que permitiu a elaboração da Missa em uma estrutura estável e homogênea, como a conhecemos hoje. Foi, portanto, uma decisão política que instituiu o primeiro gênero musical de sucesso universal no Ocidente.

O segundo ponto de inflexão na História da Música decorre também de uma decisão pragmática da Igreja Católica: a invenção do Purgatório (séc. XI). A dicotomia estrita céu – inferno impedia negociações da Igreja com pecadores. A introdução de um ente intermediário facilitou entendimentos tais como perdão de pecados e venda de indulgências. Com isso as igrejas enriqueceram, o que teve como consequência a possibilidade tanto de contratos com compositores leigos, como também a realização de Missas e outras festividades. Com novos compositores e a oportunidade de “espetáculos” mais imponentes o progresso musical foi significativo.

O terceiro momento de transição na evolução da Música Clássica ocorreu como consequência da revolução ideológica denominada Renascimento (séc. XIV), que liberou as artes e pensamento do império da Igreja Católica e que subsequentemente foi por ela incorporada. Com isso incorporaram-se à Música Sacra conceitos e meios próprios da música profana, o que resultou em maior liberdade de expressão e maior oportunidade de inovação, culminando com a exuberância do barroco e seus deliciosos excessos virtuosísticos.

Até então a Música, embora praticada tanto fora quanto dentro da Igreja, ainda era marcada pelo sentimento religioso, senão católico, com frequência, luterano, calvinista ou anglicano.

O próximo ponto de inflexão da História da Música vem do iluminismo (meados do séc. XVIII) e seu distanciamento das Igrejas. O modelo será o da literatura, a narrativa. O interesse na execução da Música deixa de ser localizado, mas se estende no tempo. No desenvolvimento do tema musical. Com isso nasce e passa a imperar a forma-sonata. A revolta contra os cânones do classicismo, a estrutura rígida da forma-sonata, a harmonia clássica não tardou e, já no Romantismo (séc. XIX), novas e importantes mudanças aparecem.

Todavia, somente se consolida uma verdadeira revolução conceitual em 1895 com a edição de “L’aprés midi d’un faune” de Debussy. Dai em diante até nossos dias mudanças sucessivas parecem ter estabelecido uma era de experimentações com progressos e reações, sem que um estilo característico pudesse se estabelecer, a não ser de que mudança é a única característica estável.

Rogério Cerqueira Leite

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Etudes

    Ondas criam logo de saída essa ideia de mudança. Assim como olhar para lua conduz a conclusões de que a terra é no mínimo circular. A questão central está nos motivos de Postergação da realidade. Estilísticas à parte das tendências de época. O entretenimento sempre esteve a frente da ” evolução musical”. A linha histórica do contexto da música ocidental – enquanto cultura de dominação – orientou-se com os interesses de controle da monarquia européia – é fato – A valoração de obras é meramente textual em sua maioria, mas essa grandiosidade narrativa das estruturações acústicas, e o esforço técnico empreendido para justificar os meios são as únicas propagações destes eventos descritos pelos escribas vencedores? Nos dias atuais a “música clássica”, entre outras artes antes restritas a pequenos grupos, são disseminadas para “todas” as populações. Seria apenas uma consequência das democracias modernas ou as chamadas elites não reconhecem mais nestas artes o diferencial ao mantenimento do poder? Ou não são mais elites intelectuais? Ou haveria nas consciências envolvidas com o conhecimento musical secular alguma incompatibilidade com as demandas contemporâneas de longo prazo? Digo de longo prazo, pois nossa amostragem dessa influência nas massas populares é recente. Sendo imprevisível o que seria de um Liszt se exposto ao lepo-lepo.

  2. João Gilberto, que não é de

    João Gilberto, que não é de falar, como todos sabem, outro dia disse que Debussy revolucionou a melodia com seus acordes. Fiquei achando aquilo meio estranho dito por João; agora vem o nosso físico, Rogério, que não sei se toca algum instrumento e/ou se lê partitura, e diz mais ou menos a mesma coisa. Faltou, ao meu ver, uma pequena parada na África, que não tem pontos em comuns com as fontes citadas acima, é que é ritmo puro. Bom, então eu cito Gilberto Gil para completar o artigo. Letra de gênio.

     

    Chuck Berry fields forever

    Gilberto Gil

    From Africa to both the Americas, North and Latin
    A jungle drum was brought and got the white God to get in
    A pagan dance until he had no other chance unless the sin
    Of black-white day and night, soul and mind magic

    The European Goddess fainted under jungle drum’s sound
    She was fertilized by some afro God while on the ground
    So the begotten sons as samba, mambo, rumba, rhythm’n’blues
    Became the ancestrals of what today we call rock and roll

    Rock and roll is magic
    Rock and roll is mixture
    Chuck Berry fields forever
    The joyful English four knights of the post-calypso
    In the post-calypso age

    Rock and roll
    The opening page
    What is to come next
    We don’t know the text
    No one knows precisely
    It’s on to progress
    Into its funky fullness
    Next century

  3. Eu, que não sou expert, ainda
    Eu, que não sou expert, ainda me impressionou com as harmonias que Beethoven inventou nos últimos quartetos. A primeira vez que ouvi me forçou a ouvir a segunda tão surpreso que fiquei.

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