O gênio internacional de Sivuca

Depois de uma longa luta contra o câncer, na quinta-feira faleceu, na sua Paraíba, João Pessoa, um dos mais internacionais músicos brasileiros de todos os tempos, Sivuca, o sanfoneiro albino, o gênio da Paraíba.

Só um país como o Brasil para dar dois gênios albinos, vindos da mesma região, tendo a mesma base musical, começando com o mesmo instrumento, o acordeon, e conseguindo dar uma visão internacional à sua música: Hermeto e Sivuca. Sua definição das diferenças entre ele e Hermeto, a quem considera o Beethoven do século 20, é um clássico: “Em mim, música é o ingrediente, em Hermeto é patologia”.

A escola de acordeom brasileira é única no mundo, conseguindo desbravar recursos e sons inimagináveis para os acordeonistas italianos e alemães – duas outras escolas portentosas. Em uma belíssima entrevista para o site “Gafieira” (www.gafieiras.com.br) Sivuca descreveu as características da sanfona brasileira, a de saber fazer o ritmo, a pulsação no próprio instrumento, seja tocando o choro ou o forró. O “pai” dessa escola é Luiz Gonzaga, que explorou não só o baião como o choro. A linha do choro teve outros dois instrumentistas clássicos, Chiquinho do Acordeon e Orlando Silveira. Sivuca andou pelos dois trilhos do acordeon.

Sivuca nasceu em Itabaiana, a 80 quilômetros de João Pessoa, em 26 de maio de 1930, filho de pequeno agricultor e fazia selas de couro. Os irmãos eram sapateiros. Aos nove anos conheceu a sanfona. Aos 15 anos assistiu pela primeira vez um concerto sinfônico com a Orquestra Sinfônica de Recife e teve as primeiras aulas de teoria musical com o clarinetista da orquestra, Lourival de Oliveira, estreou em um programa de calouros da Rádio Clube de Pernambuco, cujo responsável era o grande maestro Nelson Ferreira.

No ano seguinte, ainda em Recife conheceu Luiz Gonzaga. Uma semana depois recebeu convite de Gonzaga com um contrato para tocar na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

Permaneceu em Recife, em 1948 teve aulas com Guerra Peixe que o iniciou na arte da orquestração. Dois anos depois decidiu descer para o sul, convidado por Camélia Alves para tocar na Rádio Record com a grande Orquestra Record, dirigida por Gabriel Migliori.

Naquele ano, já plenamente enturmado com o grupo nordestino que criara o movimento da música nordestina ancorado no baião, gravou seu primeiro disco com Humberto Teixeira. Nele, estava o clássico “Adeus, Maria Fulô”, dele e Humberto.

Em 1957 participou da famosa caravana de Humberto Teixeira que foi tocar na Europa. Entre outros, integravam a caravana o clarinetista Abel Ferreira, o Trio Irakitã, o maestro Guio de Moraes, o trombonista Antonio José da Silva Norato, o baterista Edson Machado, Waldir Azevedo. Quando o ouviu, na excursão, o maior clarinetista da história, Benny Goodman, quis levá-lo para os Estados Unidos.

Na Europa, assinou contrato com a Barclay, do famoso produtor francês Eddy Barclay, apresentou-se na Bélgica, Suíça, Sul da França, com um grupo chamado “Os Brasileiros” e gravou seus primeiros CDs europeus.

Em 1964 foi convidado a tocar nos Estados Unidos, acompanhando a grande Carmen Costa em excursão. Acabou ficando 13 anos por lá descoberto pela cantora sul-africana Mirian Makeba, que fez enorme sucesso na segunda metade dos anos 60. Conquistou Mirian ao acompanhar de cara o ritmo em que ela cantava. Era o mesmo balaio, que tocava no nordeste. Seu arranjo de “Pata Pata”, um dos hits dos anos 60, projetou-o internacionalmente. Com Mirian, gravou três discos e ganhou fama internacional como arranjador. Mais tarde, trabalhou com Betty Middler e Paul Simon, da dupla Simon e Garfunkel.

Em 1969, a convite de Oscar Brown Jr., assumiu a direção do musical “Joy”, para o qual compôs “Mãe áfrica”, e se apresentou em San Francisco, Chicago e Nova York. Em 1973 fez temporada de dois meses no Village Gate, resultando no LPO “Life from the Gate”, pela gravadora Vanguard.

Em sua temporada americana, limitou-se à guitarra. Uma vez, resolveu tocar acordeon em um show e recebeu a seguinte carta de um músico americano: “Finalmente encontrei alguém que me fizesse fazer as pazes com esse maldito instrumento que se chama acordeão”. O músico era simplesmente Miles Davis.

Em 1975 voltou para o Brasil, gravou um disco estupendo com a violonista Rosinha de Valença e casou-se com Glorinha Gadelha, cantora e compositora. Com ela compôs um clássico definitivo do forró, “Feira de Mangaio”. O disco com Rosinha entrou em uma dessas relações americanas dos cem melhores álbuns do século 20.

Em 1975, começou a ser conhecido pela rapaziada, depois que Chico Buarque colocou uma letra inesquecível na valsa “João e Maria”, que Sivuca havia composto em 1947. A partir dali os letristas o redescobriram definitivamente. Compôs “No Tempo dos Pardais” com Paulinho Tapajós, “Homenagem à Velha Guarda”, um dos clássicos do choro, gravado originalmente em 1956, que recebeu letras de Paulo Sérgio Pinheiro, e “Mãe África”, também parceria com Paulinho Pinheiros

Definitivamente, está na galeria dos grandes músicos brasileiros do século 20.

Dominguinho e Ricardo Herz interpretando “Feita de Mangaio”, um dos clássicos de Sivuca.

Os três reis absolutos da sanfona, Gonzaga, Sivuca e Dominguinho. Imperdível!

Sivuca e Urf Wakenius no “Chorinho pra ele”.

Chico Buarque cantando e contando como compôs “João e Maria” com Sivuca.

Um coral da Paraiba numa homenagem linda, linda, embora num vídeo muito curto, interpretando “No Tempo dos Quintais”.

Sivuca num vídeo sueco.

Luis Nassif

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