O Maestro Azevedo

Um dos personagens mais constantes de minha infância tinha nome de gente, mas era banda: a “Banda Municipal Maestro Azevedo”, de Poços de Caldas, que tocava e ainda toca todo domingo de manhã no coreto do jardim do Pálace.

Algumas vezes, adolescente, eu ficava planejando com Wilson Danza, meu colega de pífaros na fanfarra dos Marista, o que iríamos fazer depois de aposentados. Voltaríamos para Poços e comporíamos dobrados para a banda. Wilson morreu cedo, em 1974, de morte besta quando cursava medicina em Belo Horizonte. Nos vinte anos de sua morte foi homenageado pela faculdade e, só então, soube que ele tinha deixado vários dobrados compostos, que nem sei se foram incorporados ou não ao repertório da nossa “furiosa”.

O Brasil tem uma legado rico de dobrados e marchas militares. Anos atrás a coleção “Revivendo” reeditou alguns desses clássicos. Mas a história dessa música ficou restrita às corporações de bombeiros e das Forças Armadas, ou às bandinhas municipais. E, no entanto, muitas delas têm o vigor das composições clássicas do luso-americano John Phillip de Souza, o mais conhecido dos autores de dobrados do mundo.

Outro dia mencionei aqui a banda e recebi uma carta de Joaquim Edmar Azevedo Zagatti, neto do maestro Joaquim Lourenço de Azevedo Filho, o “maestro Azevedo”, com vários recortes de jornais da região sobre sua morte, em 1952. Por elas, fico sabendo que o maestro foi autor de uma canção de ninar fulminante -“Dorme, dorme filhinho / meu anjunho inocente / dorme, queridinho / que a mamãe fica contente”. Havia uma segunda parte tristíssima: “O mundo é mesmo triste / eu bem sei, posso afirmar / Ainda há quem resiste / dores de não suportar”.

Lembrei-me de imediato dos meus 5 anos, resistindo ao sono, minha vó Martina me pegando no colo e cantando essa canção. Eu só balbuciava “essa não, vó, que eu durmo”, e cataplum! -dormia na hora.

Maestro Azevedo era de Santo Antônio do Pinhal, vizinha de Poços. Nasceu em 1872, filho de um comerciante português. Aos 16 anos entrou para o exército e teria feito carreira, não tivesse aderido à revolta federalista e monarquista do primeiro tenente Isidoro Dias Lopes, em 1893. Os federalistas foram esmagados pelos florianistas, o maestro Azevedo ficou alguns meses prisioneiros da fortaleza de Santa Cruz, no Rio, e desistiu da carreira. No curto período em que permaneceu no Exército, o maestro dirigiu a famosa Banda do Corpo de Bombeiros do Rio, substituindo o maestro Anacleto Freire.

Deixou um repertório apreciável de composições, incluindo polcas, tangos, e uma opereta – a “Sabiá do Sertão”—espalhada por todo o estado pela Companhia Sebastião Arruda. A canção de ninar de minha avó fazia parte dessa opereta.

Mas o forte eram mesmo as marchas e dobrados. Em 1920 compôs a marcha “Rei Soldado” , em homenagem ao rei Alberto Primeiro, da Bélgica, que visitava o Brasil.

O maestro também venceu concursos na Espanha, na Grande Exposição de Sevilha, que prendeu a atenção do mundo inteiro. A delegação brasileira compareceu com composições da nata dos músicos eruditos brasileiros, de Carlos Gomes, Leopoldo Miguez, Alexandre Levy, Lorenzo Fernandes a Alberto Nepomuceno, entre outros. E com duas obras do maestro Azevedo, entre as quais o “Sabiá do Sertão” e o “Dobrado à moda paulista”. Foi o vencedor da competição.

Lá pelos anos 20, o maestro entrou em um concurso de piano no Rio de Janeiro, que provocou o maior rolo na época, pela desclassificação de inúmeros candidatos regionais. Seu Aguirre, meu ex-sogro, já tinha me contado essa história, mas eu não havia ligado ao maestro. Era voz corrente que o vencedor havia sido o maestro Azevedo. Mas o prêmio havia sido feito de encomenda para o pianista Arnaldo Estrela, o mais famoso da época. Daí a grande polêmica que se seguiu.

O maestro morou também muitos anos em Mogi Mirim, em São João da Boa Vista, Santos, e, finalmente, em Poços, onde se tornou regente oficial da Banda Municipal, funcionário do governo do estado, aposentando-se no posto.

Que tal as três cidades se reunirem, recuperarem a história, e juntarem as obras do maestro?

Luis Nassif

7 Comentários

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  1. Gostaria que lembrassem de um
    Gostaria que lembrassem de um compositor da década de 60 o esquecido Cesar Roldão Vieira que tem uma valsa maravilhosa (Pranto), se alguem tiver a gravação eu agradeceria se desponibilizassem neste blog espetacular.

  2. Deparei com este seu texto e
    Deparei com este seu texto e a determinada altura li: “Mas o prêmio havia sido feito de encomenda para o pianista Arnaldo Estrela, o mais famoso da época.” . Como em 1920, o Arnaldo Estrela tinha 12 anos de idade, gostaria que me informasse a partir de que idade é que este se começou a apresentar em público e se tornou famoso.
    O meu interesse, tem apenas a ver com o querer saber o máximo que conseguir sobre Arnaldo Estrela, primo direito da minha avó, filho de pai portugês (meu trisavô).
    Obrigada
    Maria de Lourdes

  3. Nossa!
    Você me fez voltar a
    Nossa!
    Você me fez voltar a minha infância em frações de segundos.
    Estou passando por uma fase complicada da minha vida… e sempre que passo por problemas tento me refugiar nos momentos bons da minha infância (parta da minha vida que julgo “perfeita”). Fazendo assim me emocionar e viver como era bom durmir no colo da minha avó tão segura e sem ter medo de nada, pois nada poderia me machucar, pois nada podia de fazer mal agum.
    Engraçado que sempre lembro dessa música e nunca tinha encontrado antes ela na internet. Gostaria de fazer um pedido apenas.
    Se caso você tiver a letra compleda da musica, por favor mandar pra o meu e-mail.
    Obrigada por me trazer lembranças tão boas.
    [email protected]

    Ass. Ilze Gomes

  4. Minha finada mãe cantava a
    Minha finada mãe cantava a música que você ciotou (“O mundo é mesmo triste etc”), e sua matéria me trouxe saudade e boas lembranças da infância. Venho procurando na Internet a íntegra da letra (porque me lembro bem da melodia), mas não consegui até hoje encontrar. Você ou alguém poderia me ajudar?
    Grato. Um abraço.

    1. Dorme, dorme filhinho

      O mundo é mesmo triste

      Eu bem sei posso afirmar

      Mesmo quando existe

      Dores de não suportar

      A vida misteriosa

      (faze qual não lembro)

      REFRÃO:

      Ainda me resta espeçança de um dia no céu encontrar

      A mais bela e doce lembrança e minha mamae cantar:

      – Dorme, dorme filhinho, meu anjinho inocente, dorme meu queridinho que sua mamãe está contente

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