Meses atrás tive o supino presente de me encontrar com Sérgio Ricardo e família em São Paulo. Ele tinha vindo para lançar um novo livro. Anos atrás, a filha Adriana Lufti o levou a um dos saraus em casa, e pude conferir o enorme domínio que tinha do piano, um pianista de mão cheia com um senso de harmonização dos maiores.
Lembrei-me dos anos 60, em que, adolescente, apreciava o grupo de bossa nova dos amigos de minha prima Rosa Maria, onde o hino era um samba canção de Sérgio Ricardo, “Folha de Papel”.
Em seu CD, a grande Leila Pinheiro conferiu uma batida de bossa nova, mas era um samba-canção autêntico.
No célebre evento do Carnegie Hall, que lançou a bossa-nova nos Estados Unidos, tornou-se um dos maiores sucessos, pela voz meio ríspida, o piano impecável e as composições clássicas.
Sérgio Ricardo nunca foi de panelas ou movimentos. Tinha luz própria. Transitou pela TV, pelo cinema, pelas artes plásticas. Em determinado momento mergulhou firme na cultura popular. Sempre se sensibilizou pela pobreza, a ponto de ir morar na Vidigal, para entender de perto a alma do povo.
Esse sentimento vinha desde a fase de samba canção, com o clássico “Enquanto a tristeza não vem”.
Ou de seu grande sucesso, “Zelão”:
No final dos anos 60, deixou de lado o samba canção e a bossa nova e enveredou pela canção de protesto, com os motivos nordestinos e uma tentativa mal-sucedida de samba enredo – “Beto Bom de Bola”, alvo de uma vaia no festival da Record que o levou a quebrar o violão no palco.
Com a ditadura caminhando, campos alguns clássicos da música de protesto da época, como “Calabouço”, uma referência à morte do estudante Edson Luiz no restaurante Calabouço, inspirador de passeatas de protesto:
Ou “Esse mundo é meu”, que se tornou um sucesso enorme na voz de Elis Regina:
Enveredou pela música de cinema e compôs uma das mais belas peças da música brasileira, “Bichos da noite”, de “O coronel de Macambira”
Meses atrás, fizemos uma live com a família de Sérgio Ricardo. Eu tinha a impressão de que, ao enveredar pelo violão, Sérgio Ricardo tivesse optado por um tipo menos elaborado de harmonia. Seu filho João executou, então, uma peça do pai, para violão, com um apuro dos grandes compositores.
Era um talento múltiplo e inquieto, que brilhou em todos os ramos da arte.
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Lá se vai um brasileiro de alma cheia...
alma que tudo alcança, afeta, que a todos chama, sem precisar partir
Que artigo magnífico e JUSTO, Nassif! Fico pensando nesse momento trágico e "das trevas" que vivemos em nosso país, onde o presidente-ser-bestial nem deve saber quem foi Sérgio Ricardo, onde sua memória não será cultuada pelas novas gerações, nesse processo vil de emburrecimento da sociedade, de negação da cultura, da ciência, da Educação...... Mais do que nunca, o Brasil civilizado, sensível ao belo, às artes, à nossa criatividade, nossos talentos, tantos e tão geniais, são postos de lado pelo obscurantismo..... Todo respeito ao nome, à arte, ao ser humano Sérgio Ricardo!!!!!