O violão soberbo de Bonfá

Um estupendo relançamento da gravadora MCD, o “Luiz Bonfá Solo in Rio”, com gravações de 1959 da da Emory Cook Collection, é a comprovação definitiva porque Bonfá é considerado dos maiores violonistas da história.

O CD traz 31 gravações doadas pelo engenheiro de som americano Emory Cook para o Smithsonian Institution. Constam dele as 17 faixas gravadas no LP “O Violão de Luiz Bonfá” mais meia hora de material inédito, com algumas composições jamais gravadas antes. E é a comprovação definitiva do gênio de Bonfá.

Acompanha uma introdução impecável de Anthony Welles sobre Bonfá. É nela que me baseio nessa crônica.

Assim como outros grandes violonistas que revolucionam o instrumento no Brasil e na América do Sul, Bonfá vem da formação erudita para a popular. Nasceu em 17 de janeiro de 1922, filho de brasileira com italiano imigrante. Começou a aprender violão aos onze anos de idade. Em uma festa no Rio de Janeiro conheceu o grande mestre do violão brasileiro erudito do século, o uruguaio Isaías Sávio (1902-1977) que freqüentava nossa casa em Poços de Caldas. Assim que ouviu Bonfá tocar, Sávio ofereceu-se para ser seu professor.

Sávio fora aluno do catalão Miguel Llobert, o mais destacado aluno de Tarrega. Por ele passaram grandes nomes do violão clássico, como Carlos Barbosa-Lima (apresentado por Bonfá), Paulo Bellinatti e Marcus Pereira, além de meu primo Oscar que, não fosse a Física, teria sido um dos grandes. Sávio permitia flexibilidade no aprendizado, não amarrava o aluno em métodos inibidores da criatividade.

Bonfá começou a ter aulas com Sávio aos 18 anos de idade. O mestre previa que Bonfá se tornaria um dos maiores violonistas clássicos do mundo, mas o apoiou quando decidiu se enveredar pelo violão popular.

Aí, Bonfá foi beber nas águas dos Cassinos e da evolução de música instrumental brasileira no pós-guerra, um período de extraordinária fertilidade, que forneceria as bases harmônicas para a futura revolução do samba-canção e da bossa nova. Foi violonista e cantor do Quitandinha Serenaders, sendo substituído depois por João Gilberto. Nesse período compôs “Ranchinho de Palha”, “Sem esse Céu”, “Canção do Vaqueiro” e “De Cigarro em Cigarro”.

Também caiu de cabeça nas composições para violão, com o “Sambolero” – uma homenagem a um ritmo que larga influência no que de melhor a música brasileira produziu no período, mas relegado a segundo plano por acadêmicos preconceituosos que tentaram se apossar das avaliações sobre a bossa nova–, “Uma Prece”, “Batucada” e “Dança Índia”.

Em 1946 Bonfá conheceu o pai de todos, o homem que reinventou o violão, o bandolim e o cavaquinho brasileiro, Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, sete anos mais velho do que ele. Foi Garoto que, além de influenciar no estilo de Bonfá, proporcionou-lhe o primeiro emprego na Rádio Nacional.

A primeira gravação-solo de Bonfá foi em 1945. Depois, mais 19 compactos até chegar ao LP de 1959.

Nas canções, Bonfá foi filho direto do samba-canção. Junto com João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra, Laurindo de Almeida e, logo depois, Baden Powell, integrou o primeiro time realmente internacional de instrumentistas e compositores brasileiros.

Em 1956, uma de suas músicas integrou a trilha sonora de “Orfeu da Conceição”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, que depois tornou-se filmes de Marcel Camus, vencendo a Palma de Ouro em Cannes, em 1959. Era “Manhã de Carnaval”, que depois se tornaria uma das músicas brasileiras mais gravadas de todos os tempos.

Em 1957 seguiu para Nova York, antes da bossa nova se firmar. Um encontro casual com Mary Martin, estrela e cantora da peça “Peter Pan”, na Broadway, abriu-lhe caminho para uma excursão por sessenta cidades norte-americanas. Nos EUA, sua composição “The Gentle Rain”, para o filme do mesmo nome, segundo Weller, tornou-se um marco na história do jazz.

Em 1971, Bonfá retornou ao Rio para ficar. Sua última grande gravação foi o LP “Introspection”, de 1972. Voltou em 1980 para os Estados, tocando em vários clubes.

Suas melhores gravações não foram lançadas em CD. Agora, graças a Emory Cook, falecido em 2002, parte da legenda de Bonfá vem à tona.

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