Pátria Minha, de Vinícius de Moraes por Odete Lara

Por Gilberto Cruvinel

 

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para 
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra 
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha 
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”

Texto extraído do livro “Vinicius de Moraes – Poesia Completa e Prosa”, Editora Nova Aguilar – Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.

Redação

3 Comentários

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  1. patrióticas

    Não obstante a beleza do poema de Vinícius, o espírito não condiz com a Pindorama sob administração do PT e associados. Bem mais apropriada é A CANÇÃO DO TRABALHADOR – aquela mesma que durante os anos iniciais da ditadura de 64 tocava na VOZ DO BRASIL.

    “Somos a voz do progresso

    E do Brasil a esperança

    Os nossos braços de ferro

    Dão-lhe grandeza e pujança

    Seja na terra fecunda

    Seja no céu ou no mar

    Sempre estaremos presentes

    Tendo na Pátria o olhar.

    Trabalhador

    Incansável, febril

    Esse fervor

    Exalta o Brasil

    Trabalhador

    Expressão verdadeira

    Do lema altivo

    Da nossa bandeira.”       

  2.  
    Um comentário lúcido sobre

     

    Um comentário lúcido sobre a pátria.

      Eu li e rele várias vezes esta columa pta comprende_la

      No principio fiquei espantado e revoltado.

              Na terceira leitura(porque não acreditava no que lia) entendi e aplaudi.

                           Torcer por quê?

    Vocês não torciam pela seleção do país? Claro que não. Amo pessoas, línguas, culturas, não países

    Começa a Copa. Vamos torcer? Tudo bem, mas para o que serve?

    1) Dizem que a torcida sustenta o esforço dos atletas. Por isso, jogar em casa é uma vantagem: o público estimula o time de casa. Nos meus dias de esporte competitivo, lutei numa final nacional contra um suíço-alemão, de Berna. A luta era em St. Gallen, também suíça-alemã, e eu representava Genebra, suíça-francesa. A cada vez que o bernês me acertava, o público inteiro gritava “Schön”¦” (bonito). Eu não gostava, embora essas manifestações hostis não tenham me desmotivado (talvez elas tenham até funcionado como um incentivo).

    Seja como for, o efeito da torcida na atuação dos atletas só vale ao vivo.

    2) Para o que serve, então, torcer diante da televisão? O primeiro jogo ao qual eu assisti foi em Milão, San Siro; era o Milan contra o Benfica. Não era a final da Copa Europa de 1963, que o Milan ganhou e que foi jogada em Londres, estádio de Wembley. O jogo em San Siro começou com um gol de Altafini; eu e meu irmão estávamos atrasados, ainda subindo pelo caracol das tribunas: não vimos nada, só ouvimos o grito da torcida. Problema: meu time marcou porque eu estava chegando ou porque eu ainda não tinha chegado?

    Assim que me instalei no meu assento, o Milan começou a apanhar. Deduzi que o time ganharia se eu reproduzisse a situação do primeiro gol, ou seja, se eu ouvisse sem olhar. Passei o jogo de olhos fechados.

    O Milan ganhou, e, para mim, ficou difícil ir ao estádio. Podia escutar o jogo no rádio, mas assistir ao jogo na televisão, que efeito isso teria?

    Era impossível dizer, porque as variáveis são infinitas. Por exemplo, eu assisti ao jogo e o time ganhou, mas é porque a tia Maria também estava lá ou por causa da comida que encomendamos. Quero ver o time ganhar se a tia não estiver lá e se a gente pedir pizza de frango”¦

    A torcida à distância sempre tenta descobrir as condições de seu poder mágico. De fato, torcer à distância só tem um efeito: o de alimentar a fé do torcedor na sua possibilidade de influenciar o mundo.

    3) Em geral, torcer é mais importante para o torcedor do que para o resultado do jogo. Na minha infância, em Milão, ser Milan ou ser Inter era uma identidade social quase indispensável. Tinha que ser alguma coisa, e fui Milan porque meu irmão era Milan.

    Essa identidade, que parecia útil na infância, foi atropelada na adolescência. A partir dos meus 12 anos (anos 1960), ler Camus era uma identidade social básica muito mais necessária e poderosa do que torcer por um time. A cultura, a singularidade do pensamento, uma certa densidade interna, isso tudo era sexy. Usar uma camiseta de futebol, ao contrário, era o jeito certo de se condenar à irrisão pelas meninas, à solidão e à abstinência (cá entre nós, as mulheres sempre subestimam sua capacidade de civilizar os homens).

    Era uma bola de neve: talvez você começasse a ler e a pensar seriamente para merecer um olhar que revelasse interesse e desejo, mas, uma vez que você tivesse se “alfabetizado”, torcer se tornava impossível. O que a torcida, com sua adesão cega, tinha a ver com o trágico, o espírito crítico, o risco de viver –essas coisas que faziam o charme da nossa vida?

    4) Alguém perguntará: vocês não torciam nem pela seleção de seu país? Não; pela seleção, torcíamos menos ainda. A ideia de nação, naquele começo dos anos 1960, era francamente suspeita. Como assim, você não amava seu país? Claro que não. Mesmo hoje, amo pessoas específicas, línguas, culturas –não países. O país inclui corruptos, idiotas, fascistas, caretas –o que eu tenho a ver com isso? Eventualmente, tenho carinho por nações que representaram (e, às vezes, ainda representam) ideias que defendo, e é só.

    Uma citação famosa de Samuel Johnson diz que “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”; o ministro Aldo Rebelo (Folha de 14/5) quis mostrar que Johnson criticava o falso patriotismo e, por isso, lembrou que ele, em seu dicionário, define o patriota como “aquele que privilegia o amor ao seu país”. Eu não vejo contradição alguma: o que significa “privilegiar o amor a seu país”? Colocá-lo acima de quê? De critérios morais? De valores universais? Da liberdade dos cidadãos de outros países? E alguém faria isso para o quê, se não para justificar uma patifaria?

    Nota: esta coluna é dedicada aos amigos que me perguntam por que país eu vou torcer na Copa.

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