O último CD de Guinga, “Avenida Atlântica”, com Quarteto Carlos Gomes, é uma obra prima.
Lançado pelo selo SESC, de São Paulo, consiste em 13 peças de Guinga, sozinho ou com parceiros, e com arranjos, quase coautoria, de Paulo Aragão, um craque, profundo conhecedor dos embricamentos entre a música instrumental brasileira e os clássicos.
A música de Guinga não se explica pelos cânones normais da música popular, na qual harmonia e melodia criam pontos de tensão, que se resolvem voltando para o acorde inicial. Melodia e harmonia voam, às vezes dão a impressão de caminhar por uma estrada reta e, de repente, na melodia surgem pontos de tensão sutis, que transbordam os limites da harmonia e saem voando, conduzindo a harmonia atrás de si, como os tapetes mágicos dos contos ancestrais.
O CD abre com o emocionante “Meu Pai”, que fica ainda mais emocionante quando acompanhado das lembranças de infância de Guinga, que ele narrou em uma apresentação intimista no Bar do Alemão, semanas atrás.
Completando a obra, um cantor personalíssimo, que usa a voz como gemidos arrancados do fundo da alma.
A ligação de Guinga com a música vai além dos acordes. Quem acompanhou seu início de carreira, a timidez que o fazia tremer sempre que enfrentava um palco e, agora, fica sabendo detalhes das relações familiares, entende que a música, na sua vida, é mais do que combinações harmônicas. Há uma relação visceral entre Guinga e a música, como se através dos acordes, intrincados, tensos, ele conseguisse decifrar, entender caminhos e descaminhos que enchem a cabeça de encruzilhadas e de mistérios indecifráveis. E, no caso dos gênios, só se resolvem no exercício da arte que dominam.
Quem ainda não tinha ideia da dimensão de Guinga, terá no CD “Avenida Atlântica” a resposta definitiva.