Trivial do rei do sincopado

Para Roberto Martins, que faria cem anos nesta quinta-feira.

O rei desconhecido do sincopado

Publicado em 06/04/2003

06-beija-me

08-favela

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No panorama musical carioca, dos anos 30 e 40, há dois grupos de músicas, irmãs de sangue, englobadas em dois gêneros pouco estudados como tal, mas fundamentais na formação da música brasileira do período: o samba sincopado e o samba choro.

Um de nossos sambas sincopados favoritos é “Beija-me” (“beija-me / quero seu rosto coladinho ao meu”). É talvez o maior clássico do gênero samba sincopado, que teve em Ciro Monteiro, Dilermando Pinheiro, Vassourinha e Joel e Gaúcho seus intérpretes mais expressivos.

O sincopado foi construído por autores extraordinários, como Geraldo Pereira, Wilson Batista, Janet de Almeida. Um dos autores centrais, mais conhecido pelas composições do que pelo nome, foi Roberto Martins, autor de “Beija-me”. E quem me faz relembrar desse clássico é meu conhecido Eduardo Martins, de Ribeirão Preto.

Roberto Martins nasceu no Rio no dia 29 de janeiro de 1909. Morreu em 14 de março de 1992. Morou na Tijuca e em São Cristóvão. Cedo ficou órfão de pai, o português José Francisco Martins. A mãe Isaura Maria Machado Martins o educou para a vida e para a música. É de 1929 seu primeiro samba, “Justiça”. E de 1933 suas primeiras gravações –”Regenerado” e “Segredo”, gravados por um certo Leonel Faria.

É curioso o pouco conhecimento sobre a dimensão de Roberto Martins na música brasileira. No sincopado, suas composições estão à altura dos maiores. O sucesso começou em 1936 quando, com Valdemar Silva, compôs, “Favela” –um clássico interpretado por Francisco Alves. E não parou mais. Como me lembro, na infância, ouvindo aquela música, que me foi ensinado pelo meu tio Leo, um carioca da gema. Eu andava pelos cantos cantando, repetindo obsessivamente –”favela, oi, favela / favela que trago no meu coração”– como a Beatriz, com seus quatro anos, faz com seus CDs de estimação. “Favela” foi das primeiras músicas brasileiras gravadas internacionalmente.

No carnaval de 1939, em parceria com Nássara, compôs “Meu Consolo é Você”, gravado por Orlando Silva. No ano seguinte, “Cai Cai” (“cai, cai, cai, cai / eu não vou te segurar”), gravada pelos embaladíssimos Joel e Gaúcho.

A esta altura, consagrado como compositor, Roberto Martins largou sua carreira na polícia e virou ritmista da orquestra de Simon Boutman, uma das mais famosas dos anos 30. Em 1943, compôs o “Beija-me”, em parceria com Mário Rossi. A música foi gravada por Ciro Monteiro e se tornou um dos clássicos do samba sincopado. Junto com Rossi, Martins comporia outro clássico do samba-choro, o “212″ (“lá na rua onde eu moro / no 212 / mora a mulher que eu adoro / que quando eu passo faz pose”).

Foi um tremendo autor de marchas carnavalescas, à altura de um Braguinha ou um Lamartine Babo. Além do “Cai Cai”, em 1945 compôs o “Cordão dos Puxa Sacos”, em parceria com Eratóstenes Frazão, gravada pelos Anjos do Inferno. Ainda com Frazão, em 1947 compôs “A Marcha do Gafanhoto” (“gafanhoto deu na minha horta / comeu, comeu, toda a minha plantação”) gravado por Albertinho Fortuna e, nos anos 80, por Nara Leão. Com Ari Monteiro compôs o “Cadê Zazá?”, de 1948, gravado por Carlos Galhardo.

Foi também autor de valsas célebres, como “Dá-me tuas mãos”, em parceria com Mário Lago, gravada por Orlando Silva.

Em 1949 lançou o “Pedreiro Valdemar” (“que não tem onde morar”), em parceria com Wilson Batista, outro clássico, gravado por Blecaute, nascido ali em Santo Antonio de Pinhal, que se tornou uma das figuras clássicas do carnaval carioca, e que faleceu há exatos vinte anos. No samba de carnaval também foi autor de composições brilhantes como “Meu Consolo é Você” (“meu consolo é você / meu grande amor / eu explico porque”), em parceria com Nássara.

Quando leio essa produção acadêmica sobre a bossa nova, sustentando que a música brasileira anterior era composta só de dramalhões, coloco no aparelho as músicas de Roberto Martins e me dá uma pena desses pesquisadores…

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Hahahaha
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Mike Davis Lino Wiehen Lucas Gonze
William Khoe Douglas Kim Dave Warmerdam
Amit Behere Suman Nichani

Luis Nassif

21 Comentários

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  1. Nassif, dá pra explicar um
    Nassif, dá pra explicar um pouquinho o que é “samba sincopado”?

    PS – gostei do “coloco no aparelho” – gíria de malandro ?

    Samba quebradinho, balançadinho.

  2. “Um de nossos sambas
    “Um de nossos sambas sincopados favoritos é “Beija-me””: maravilhosa. Cantada por uma voz excepcional.

    Volte com o link pro post original qeu incluia essa gravacao, foi postada aqui num “radinho” virtual no mez passado, e me chamou a atencao. Eu a baixei.

  3. Grande Roberto
    Grande Roberto Martins!!
    Relata a história que na década de 30 quem fosse ao famoso Café Nice, com certeza, encontraria três figuras inseparáveis: Roberto Martins, Alcebíades Barcelos e Ataulfo Alves, conhecidos como “Os Três Mosqueteiros”.
    Parabéns pelo texto. Vou anexar aos meus arquivos.

  4. Nassif, quem era o cantor que
    Nassif, quem era o cantor que ao se apresentar no palco dizia “Alô, navegantes do Brasil”. Ou era “Alô, aviadores do Brasil” ?

    Nao me lembro.

  5. Essa é uma frase do Jorge
    Essa é uma frase do Jorge Veiga da Rádio Nacional do RJ.
    O sambista tinha o hábito de antes de cantar a sua música, dirigir-se aos aviadores:
    – Alô, alô, aviadores do Brasil. Aqui fala Jorge Veiga, da Rádio Nacional. Queiram dar os seus prefixos para guia das nossas aeronaves.
    Uma fortaleza voadora da Força Aérea Brasileira, com catorze pessoas a bordo, depois de atravessar a selva amazônica, tentava pousar no aeroporto de Campo Grande (Mato Grosso*), que estava inteiramente às escuras. Eram 11p5 da noite, quando seu comandante conseguiu comunicar-se com a Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, à qual transmitiu o drama que estava vivendo. Um dos oficiais da Base, que recebeu a comunicação, telefonou imediatamente para a Rádio Nacional e, minutos depois, um locutor transmitia uma mensagem para Campo Grande, uma cidade distante 2000 quilômetros do Rio de Janeiro: “Atenção, Campo Grande; atenção, Campo Grande, em Mato Grosso. Uma fortaleza voadora da FAB precisa aterrar. O campo de pouso está às escuras. Atenção, Campo Grande, Mato Grosso”. Às 23p5, o avião pousava no aeroporto iluminado pelos faróis de dezenas de automóveis que ouviram o apelo da Rádio Nacional.
    Estas e outras péroloas estão no site da Rádio Nacional.
    Um abraço.
    Falcão Londres.

  6. Nassif,

    Alguma nova sobre
    Nassif,

    Alguma nova sobre o processo de “desmurdoquizacao da Veja”???

    Ou não é processo?

    Lentamente. Mas não é desmurdoquização. É apenas conferir um mínimo de refinamento às críticas.

  7. Mario Siqueira..

    A síncope é
    Mario Siqueira..

    A síncope é a quebra numa sequencia rítmica do compasso, que no samba é binário.

    É o “prugurundum”, conforme a explicacao classica de Ismael Silva. (lembra do samba do Império?)

    Em “Samba, o Dono do Corpo”, Muniz Sodré conta que o samba, com a síncope, conseguiu incorporar outros públicos, que não se identificavam com o batuque contínuo de antes – muito próximo dos toques religiosos.

    Ele vê nisso o espaco dialógico entre os diferentes – morro e asfalto – naquele início do seculo que testemunhou o surgimento do samba moderno.

    Além do que, a síncope também permite aquele requebro mais lentos, típicos de nossas beldades que encantam a avenida.

    Ou seja: O Rio poderia não ser uma cidade partida. Mas sincopada.

  8. Prezado Nassif,

    Poderia
    Prezado Nassif,

    Poderia indicar onde se encontram as músicas no blog? “Beija-me” e Favela. Abraços e PAZ.

    Lúcio

    É só clicar em cima do nome.

  9. Weden,
    Você é muito
    Weden,
    Você é muito científico.
    Pensei que síncope era o que acontecia quando recebiamos uma notícia ruim e caíamos duros no chão.

  10. Nassif, tres obs.

    1)Com Noel
    Nassif, tres obs.

    1)Com Noel Rosa e tudo mais não acredito nessa de pesquisador menosprezar o de antes;
    2)Como és eclético e gostas dum violão (e similares, já vistes ou ouvistes Jake Shimabukuro?;
    3) Aproveitando que és eclético, tirei a noite para ouvir Beatles. Será que sou muito antigo e saudosista ou eles realmente eram muito melhores do que rolou e ainda rola (é bom lembrar que Abbey Road – o último- é de 68/9)? Issto sem falar nos arranjos.

    2. Não.

  11. Só pra constar:Em relação ao
    Só pra constar:Em relação ao comentário que as composições antes da bossa nova eram só dramalhões.Bossa nova só teve Tom e o João Donato como compositores de fato.O resto era bico.Concedo algo pro Marcos Valle.Mas de 1900 a 1950 a qualidade dos compositores brasileiros em relação ao fim do século era tão enorme, que basta citar 10: Chiquinha Gonzaga, Nazareth, Ari Barroso, Lupicinio Rodrigues, Noel e Vadico, André Filho, Ribamar com Dolores e A.Maria, Geraldo Pereira, Lamartine, Braguinha e vai por aí meu irmão.E vamos lembrar que o Tom já era autor de samba canção bem antes da bossa nueva.

  12. Caro Luis

    Qual a influencia
    Caro Luis

    Qual a influencia do “nostro governadô José Pedágio”, exerce sobre as eleições para Câmara e o Senado, Sabemos que o Serra, Sarney é inimigo. E o amigos, será que são amigos ???

  13. Na ausencia do Fora de Pauta
    Na ausencia do Fora de Pauta de hoje,peço permissão ao Nassif,para responder por aqui mesmo,ao leitor(e provocador)Mclane,as suas estocadas contra o governo venezuelano: A dita derrota num dos plebiscitos patrocinados pelo Chaves,foi em apenas alguns distritos eleitorais,e sem muita importancia política,que desmerecesse o processo como um todo,e na grande maioria dos distritos,o voto de confiança no governo Chavez,dispensa qualquer dúvida do processo de consulta popular.
    Outra coisa,meu caro defensor da direita venezuelana, Não tem porque citar os problemas internos da adm.brasileira,e compara-la com a adm.venezuelana,pois cada país tem as suas particularidades,e lá como cá a elite está “em baixa”e tmbem sente que o governo democrático vigente em nossos países,veio pra ficar.

  14. Caro Luis

    Gozado né, com o
    Caro Luis

    Gozado né, com o caso Batisti, o foco foi totalmente mudado.

    Só se fala nisso. Esqueceram dos outro problemas. Este é o “brazil varoniu”

    Fui.

  15. Nassif: desde àquela época já
    Nassif: desde àquela época já existiam os puxa-sacos. E O Roberto Roberto Martins já sabia. Veja a letra toda: “lá vem o cordão dos puxa-sacos/dando vivas aos seus maiorais/quem está na frente é passado para trás/e o cordão dos puxa-sacos/cada vez aumenta mais/Vossa Excelência/Vossa Eminência/quanta referência/nos cordões eleitorais/mas se o doutor cai do galho e vai pro chão/a turma logo evolui de opinião/e o cordão dos puxa-sacos/cada vez aumenta mais”. Atualissimo. A frase “a turma logo evolui de opinião” pode referendar políticos que mudam de ideais, de partidos, ao sabor das conveniências. Basta o doutor cair do galho (por exemplo, perder uma eleição), que esse tipo de político cai bajular outras excelências. Um abraço.

  16. (O “Yahoo Player” do post nao
    (O “Yahoo Player” do post nao esta nem perto de funcionar no meu computador, e nem sequer aparece exceto como um monte de palavras soltas.)

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