As bolhas enviesam nossa percepção da realidade, por Luís Felipe Miguel

As bolhas enviesam nossa percepção da realidade

por Luís Felipe Miguel

Ontem, graças ao gentil convite de Cayo Honorato e Marcelo Mari, participei de um debate no Departamento de Artes Visuais da UnB sobre o avanço da censura no Brasil. Um momento de produtiva e interessante troca de ideias.

Em certo momento, uma pessoa perguntou sobre o ativismo de internet. Respondi o que costumo responder. Cliques na internet não vão mudar o mundo (mas Lênin também não esperava que o Iskra fizesse a revolução, era um instrumento para a organização dos revolucionários). A internet não resolve o problema da concentração da mídia, que continua dominando o debate público. As bolhas enviesam nossa percepção da realidade. A preferência por textos muito curtos condena o debate a um nível superficial e favorece a reprodução do senso comum.

Ainda assim, pode ser um espaço de articulação horizontal, de compartilhamento de informações, de elaboração pública de argumentos – e uma ferramenta de organização. Cabe a nós saber aproveitar essas potencialidades.

Voltando para esta minha página, fico com a impressão de que fui muito otimista. Eu me envolvi tenuamente no debate sobre os limites éticos da ação política, suscitado pela divulgação de informações médicas do infame Alexandre Frota e pela adesão a um discurso falocêntrico para rir de sua impotência sexual. Vi pessoas que reputo inteligentes e até intelectualmente sofisticadas defendendo um maquiavelismo de botequim, que nada tem a ver com o próprio Maquiavel, na linha de “os fins justificam os meios”. Como o fim – zoar de Frota – não leva a nada além da satisfação de uma vontade infantil por vingança, da qual nenhum de nós está livre, mas que creio que devemos controlar, o pobre bufão fascistoide foi alçado à condição de um dos cérebros do golpe. A reprodução do sexismo aparece como um não problema, já que, como “nós” não somos sexistas, poderíamos usar o sexismo à vontade sem nos contaminar. Imagino que ofensas racistas ou homofóbicas também estarão liberadas, desde que pronunciadas pelos bons contra os maus. A manutenção de limites éticos para a ação política foi lida como “perdoar”, “amar”, “passar pano”, “servir café com biscoito”. As consequências possíveis da liberação do vale-tudo na política e do enfraquecimento da nossa capacidade de exigir limites éticos não foram jamais levadas em conta. Quem era contra a divulgação da ficha médica de Frota estava defendendo William Waack (?). Uma moça, a quem acabei por bloquear, disse que só homens “defendiam Frota”, por “broderagem”, assim como todos eram contra o direito ao aborto e a favor do estupro. Diante da evidência de que muitas mulheres também se posicionaram contra o uso do discurso machista, classificou-as como “biscoiteiras”. E assim por diante.

Eu gosto de debate político. Gosto, na verdade, do debate intenso, franco, sem meias-palavras, o que, aliás, às vezes me causa problemas. Mas não suporto a adesão obtusa a slogans simplificadores, a preguiça para o engajamento efetivo na discussão.

Tenho repensado minha presença nas redes. Não sei o quanto compensa o investimento de tempo e energia que faço aqui. Sim, nos dois anos e meio em que mexo com essa conta de Facebook conheci pessoas bacanas, com quem tive e tenho trocas produtivas, que acrescentam bastante à minha própria reflexão. Mas, embora eu não costume ter inclinações depressivas, está difícil aguentar o espetáculo diário de uma esquerda masturbatória, obsessivamente dedicada à contemplação do próprio umbigo e a práticas catárticas, cujo único impacto no mundo é aliviar a própria sensação de impotência. E essa crítica, que muitas vezes é dirigida a determinados setores da chamada “esquerda identitária”, vale igualmente bem para muitos setores da velha “esquerda classista”, tão enamorados do próprio revolucionarismo.

Será que isso aqui não é só uma grande armadilha? Como nos libertamos da Matrix zuckerbergiana?

Sei que, em breve, a seção de comentários estará cheia de observações de que Frota não merece perdão, que é olho por olho, que fascista tem que provar do próprio veneno. E assim passa a caravana. Por enquanto, tomei a atitude, antipática, de restringir os comentários aos “amigos”. É chato, porque há várias pessoas que agregam ao debate e que não estão registradas como “amigos”. Mas, para a proteção de meu próprio bem estar, a decisão foi tomada.

Luis Felipe Miguel

6 Comentários

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  1. Falta na internet o interesse
    Falta na internet o interesse efetivo pelo debate. O que se quer, à esquerda ou à direita, é estar certo, com baixíssimo interesse pela opinião do outro. Infelizmente.

  2. A questão não é o ódio ou a

    A questão não é o ódio ou a vingança. Talvez não tanto o último, mas o primeiro é um elemento essencial ao desenvolvimento da luta política. Não se pode ficar amando aquele que pisa na gente, certo? Então é preciso, primeiro, a compreensão clara de que somos pisados, e em segundo lugar, o desenvolvimento de uma reação onde o elemento de ódio entra. O problema é quando se fica só nele. Somente ódio leva a doenças cardíacas, stresse e confusão mental. Então é preciso entrar análises mais frias e racionais da situação política.

    Fatos recentes, como envolvendo o jornalista da emissora golpista Globo, William Waack, mostram a gravidade da situação. Pois de fato, muitos bons colunistas e comentadores demonstram já estarem afetados (ou irremediavelmente comprometidos) pelo elemento de cegueira que o ódio pode promover. Uma frase meio boba, mas que ilustra bem a situação, é a comparação do ódio com o fogo: o fogo é útil, mas com ele você pode se queimar. O ódio também requer os seus cuidados (mas não a sua dispensa). 

    A direita entende muito melhor isso, por estar acostumada com o poder. Sabe que o poder se mantém por ações efetivas e não por sentimentalismos. E assim age, com fluidez, unidade de ação, sem titubear. A maneira como se apropriaram rapidamente do junho de 2013 para seus objetivos mostra isso. Em questão de horas até, o jogo já tinha virado. E a esquerda discutindo o sexo dos anjos. Ou “odiando”, no sentido puro (e vazio) da palavra.

    Se o ódio não tivesse agindo de maneira a cegar e não a fomentar ações políticas (pois o próprio Maquiavel ensina, em determinado momento de “O Príncipe”, que a raiva e a vingança são sentimentos perigosos a serem fomentados contra os poderosos), se veria com clareza o movimento conservador de assassinato de reputações e de fatos mais pontuais (por exemplo, usar esse mesmo assassinato para realizar demissões e outras questões trabalhistas), apesar de o afetado da ocasião ser o jornalista de direita Waack. É uma análise bem simples, na verdade; e a sua não compreensão ou sua não visualização são indícios do grau já avançado do problema (da cegueira pelo ódio).

    Sobre a internet, concordo com o autor. Ela já está se esgotando na luta política. Cada ação real, vale 10 ou 100 ações virtuais. Então para que não realizar ações reais? Mesmo uma panfletagem já é mais efetiva, pois o corpo a corpo e o olho no olho mudam tudo. O que eu observo, no entanto, é que a ação na internet tende a ser mais efetiva (e aí já vou discordando do autor) quando se formam comunidades fortes, que repercutem a si mesmo (adicionando auto-confiança em seus participantes, além de acréscimo de conhecimento) e não se deixa penetrar trolls e outros elementos perturbadores, geralmente de direita. A parte de comentários do GGN é um ótimo exemplo disso.

    Vejo a questão de furar a bolha como dar palco para fascista, mas esse ainda é um ponto a ser discutido, pois também não estou inteiramente convencido disso.

    O fato é que, nos últimos três ou quatro anos, tem muita gente batendo palma pra louco dançar. A gente precisa parar urgentemente com isso. Às vezes debater com um fascista é estender longamente uma discussão sem pé nem cabeça. E por conta da estrutura da maioria das redes sociais, eles ganham destaque e espaço – pois essas estruturas privilegiam os debates com maior número de comentários. 

    Às vezes eu vejo trolls de direita atingindo os seus objetivos, que é o de desviar a questão, e quase nunca um moderador do site (que geralmente se trata de um site de esquerda) não simplesmente deleta o sujeito e elimina-o da discussão. Era algo muito simples, mas a esquerda se vê presa a princípios vazios (pois deslocados da prática, abstratos demais). Dou como exemplo o ótimo Fernando Britto, do Tijolaço, que apesar de ser um praticamente heróico blogueiro de esquerda (toca o seu blog sozinho já há uns bons anos, de maneira abnegada) e ter um excelente texto, não simplesmente bloqueia comentaristas no seu espaço de comentários. É triste ver lá gente há coisa de anos fazendo provocações e o moderador deixando. Isso desestabiliza e atrabalha. Era só dar um click. 

    A esquerda confunde democracia (que é um valor importante) com questões de internet. Uma página da internet não é, e não pode ser, uma democracia. Tem um dono e um encaminhamento. A casa de alguém é uma democracia? Nunca. É a sua casa, não vai entrar qualquer um e colocar o pé no sofá. É a mesma coisa. Não tem sentido direitistas provocadores em site de esquerda. Qual a dificuldade em entender isso e em bloquear os provocadores? 

    Os fascistas são poucos, muito poucos, mas conquistam todo o espaço do mundo. E quem dá esse espaço é a própria esquerda. A pessoa comum, despolitizada, não discute com fascista. Para falar a língua do cachorro (que rosna), é preciso dominar o cachorrês. Ninguém discute com cachorro bravo. O desejo intenso que a esquerda tem em discutir com fascista é, na verdade, um elemento inconsciente de desejo de aceitação pelo fascista. É preciso parar com isso. Os fascistas tem que ser isolados na internet, pois qualquer discussão inteligente e politizadora é impossível com a presença deles. Essa é, na minha opinião, a ação mais efetiva online.

  3. Há uma crítica ao capitalismo muito mais poderosa

    Mais poderosa que a esquerda classista (morta de velha) e a esquerda identitária (natimorta).

    É a crítica do valor, uma leitura de Marx que consegue realmente entender o capitalismo do seu início até a fase atual, inclusive o narcisismo que impregna as redes sociais.

    Mas nada de leituras de posts e coisas afins. Para começar leia “Tempo, trabalho e dominação social” de Moishe Postone.

  4. Se se mete no assunto Frota, tá reclamando do quê?

    O Luís Felipe Miguel cai em contradição.

    Critica (no uso da internet) “uma esquerda masturbatória, obsessivamente dedicada à contemplação do próprio umbigo e a práticas catárticas, cujo único impacto no mundo é aliviar a própria sensação de impotência”.

    Mas gasta um post fazendo exatamente o que critica se envolvendo “tenuamente no debate sobre … blá, blá, blá… Alexandre Frota” (nas palavras dele).

    Ora, ele próprio se comportou como esquerda masturbatória. Se comportou como o “intelectual sabido que tem que dar pitaco em tudo” ao dedicar-se a tema de “celebridades” (se não é relevante o pinto mole do Frota, também não é relevante quem fala sobre, e é mera masturbação intelectual ficar analisando a ética de tamanha bobagem, principalmente no caso de Frota que nunca zelou por sua privacidade íntima).

    Para a internet fazer a diferença é preciso mobilizar por causas políticas que gerem consequências, como o boicote geral aos bancos privados, conscientizando os trabalhadores a transferirem suas contas para bancos públicos. Se não temos a força para repetir uma greve geral, com tanta gente com medo de perder o emprego, pelo menos podemos nos mobilizar por boicotes, a começar pelo principal setor mais nefasto aos interesses do trabalhador. É a essas pautas mais nobres que Miguel deveria se dedicar em vez de bloquear comentários de ativistas que pensam diferente dele quando o assunto é pinto.

    1. Aê, Neotupi

      comentando pra” 5estrelar” seu “coment”, já que a avaliação está bloqueada.

      No mérito,

      boicotar sim, transferir as contas para banco públicos eu considero um perigo. Dinheiro é um assunto que merece uma discussão à parte.

      Abrs.

  5. Da matrix zuckerbergiana

    De que valeria a interação artificialmente incentivada  se ela não trouxesse a contenda?

    Não tem outro objetivo o investimento nessa plataforma de domínio que o de  estabelecer a inimizade, interferência e mal-entendidos entre as pessoas. Informação é poder.  Má informação é controle.

    Cansado, esgotado como qualquer pessoa normal dessas essas plataformas?

    Dê-se umas férias, se conseguir, porque essa droga vicia.

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