Como uma mentira ganha força na internet, por Leonardo Sakamoto

Jornal GGN – Em artigo publicado na seção Opinião da Folha de S. Paulo, o professor e conselheiro da ONU para trabalho escravo, Leonardo Sakamoto, fala sobre a falsa entrevista atribuída a ele pelo jornal Edição do Brasil, de Minas Gerais. A publicação colocou uma entrevista em que ele criticava os benefícios contra idosos. Ele crê que alguém reproduziu o conteúdo de seu blog, inverteu o sentido e transformou em uma entrevista.

Sakamoto descreve os efeitos da entrevista falsa, dizendo que ela desencadeou um “show de horrores”, incluindo ameças de morte e de agressão. Mesmo após o jornal reconhecer o erro, o linchamento continuou. “A essa altura, o conteúdo original não mais importava, nem o desmentido. Era apenas raiva”, afirma. Por último, conclui que a divulgação de uma informação errada causa um “impacto negativo que nunca poderá ser corrigido.” Leia mais abaixo:

Da Folha

Como uma mentira ganha asas na internet

Leonardo Sakamoto

Para muitas pessoas, não há diferença entre um meme de origem duvidosa, uma denúncia anônima no WhatsApp e um esforço hercúleo de reportagem. Quando um conteúdo vai ao encontro do que elas acreditam, não se importam se é mentira ou não. Abraçam o argumento e compartilham-no.

Uma parte desse conteúdo serve como munição para uma guerra suja virtual por corações e mentes –você pode não ver, mas ela está aí e, por vezes, já é mais forte que o jornalismo de qualidade. Monstro que foi estupidamente alimentado por PSDB e PT durante as últimas eleições presidenciais, mas que está presente em todo o mundo.

O jornal “Edição do Brasil”, de Minas Gerais, estampou em sua manchete do dia 30 de janeiro uma declaração atribuída a mim, mas que nunca dei –a de que aposentados são inúteis.

 

Nas páginas internas, uma entrevista, que também nunca concedi, trazia barbaridades contra os idosos. Ao que tudo indica, alguém pegou o conteúdo de meu blog no UOL, inverteu o sentido e o transformou em entrevista.

Isso desencadeou um show de horrores. Aposentados desejaram-me dor e sofrimento. Redes de ódio na internet apropriaram-se do material e afirmaram que eu havia sido pago para declarar aquilo. Ameaças de morte e agressão foram veiculadas, dizendo que eu deveria “ser caçado e morto por faca” ou que balas deveriam ser disparadas em minha testa.

Mesmo após o próprio jornal reconhecer e informar que a suposta entrevista nunca existira, o linchamento manteve-se. A essa altura, o conteúdo original não mais importava, nem o desmentido. Era apenas raiva, que fluía.

Estou tomando medidas judiciais cabíveis, o que inclui as páginas que incitaram o ódio, e o Ministério Público Federal foi informado. Todavia, esses casos têm cauda longa, duram anos, arrastando-se pela internet e sobrevivendo por meio de incautos que, no limite, resolvem fazer justiça com as próprias mãos.

Sei disso por experiência própria, pois esta não é a primeira onda de difamação que enfrento.

Vi muita gente que cotidianamente discorda de meu ponto de vista sair em minha defesa, alertando para o perigo de utilizar informação falsa nas disputas de ideias. Um exemplo de que não importa a nossa matriz de interpretação do mundo, precisamos respeitar limites éticos, sob o risco de perdermos todos.

Talvez seja este um dos maiores desafios que teremos nos próximos anos: fomentar o sentimento de responsabilidade em um mundo no qual todos possuem acesso a ferramentas de comunicação em massa, mas nunca refletem se o conteúdo que curtem e compartilham foi coletado e produzido com um mínimo de cuidado.

Se o debate público fosse mais qualificado, quem usa material falso como subsídio de argumentação nem seria ouvido. Contudo, hoje esse tipo de conteúdo faz sucesso.

Portanto, quem não gosta de manter-se informado para poder filtrar conteúdo e acha que senso crítico é uma bobagem, mas adora repassar tudo o que vê pela frente, deveria dedicar-se apenas a gifs com gatos, por favor. A divulgação de uma informação errada causa um impacto negativo que nunca poderá ser corrigido.

LEONARDO SAKAMOTO é pesquisador visitante da New School for Social Research, conselheiro da ONU para trabalho escravo e blogueiro do UOL

 

Redação

13 Comentários

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    1. Ameaça de morte não é brincadeira

      Será assim até ocorrer alguma tragédia? As redes podem ampliar colossalmente as mentiras e calúnias a pessoas que pouco se importam em verificar a veracidade dos fatos. Há de se pensar se queremos ou não evitar futuras tragédias anunciadas por elas. Ameaça de morte não é brincadeira.

  1. É comum ver os comentaristas

    É comum ver os comentaristas deste blog dizerem que FHC chamou os aposentados de vagabundos.

    E FHC não falou isso.

     

    1. Como não?
      Ipsis litteris, não. Mas é apenas o equivalente formal de: “Fiz a reforma da Previdência para que aqueles que se locupletam da Previdência não se locupletem mais, não se aposentem com menos de 50 anos, não sejam vagabundos em um país de pobres e miseráveis” (FHC, 1998).

      1. Pois é. Ele se referiu a quem

        Pois é. Ele se referiu a quem se aposenta com menos de 50 anos.

        Mas a frase que foi perpetuada é que ele chamou os aposentados de vagabundos.

        Parece um detalhe, mas não é. E a deturpação da frase original foi feita de propósito.

  2. Comentário.

    Ingênuos ou imbecis? O jornalismo de última categoria parece alimentar aquilo que parece não haver dúvidas. O problema é a quantidade e a frequência.

  3. Comunicação nas escolas

    Sei que a grade curricular é exígua – e não por acaso sou defensor do ensino integral – mas caso houvesse essa reforma necessária ampliando as horas de aula, sou defensor que incluam a matéria de “Comunicação Social” ainda que por um único ano, no segundo grau.

    Num mundo onde todos agora são geradores de informação, é essencial que os jovens tenham alguma orientação mínima sobre como identificar notícias falsas de verdadeiras, e também das responsabilidades éticas e morais sobre eles mesmos como “produtores” de informação. Seria uma ótima disciplina também para ensinar a criar um senso crítico mínimo diante da mídia, seja ela qual for – rádio, televisão, imprensa, internet – de forma a evitar sua alienação pelos meios de comunicação.

  4. Mas, porém, contudo, todavia…

    Concordo que é revoltante o que aconteceu com o Sakamoto, ainda mais sabendo que o jornal muito provavelmente fez o que fez de caso pensado, com a tranquilidade, a segurança e a impunidade dos que podem contar com a certeza da omissão criminosa de um judiciário conservador e partidarizado.

    Infelizmente, ele poderia ter aproveitado o fato de ter espaço nesse folhetim golpista (a FSP), para denunciar que esse veículo onde escreveu sua denúncia é useiro e vezeiro desse mesmo tipo de estratégia caluniosa que o prejudicou. O jornaleco que o atacou simplesmente o fez porque tem como modelo a certeza da impunidade de empresas “jornalísticas”, como a própria FSP, que, não é de hoje, sempre está pronta a publicar qualquer denúncia sem fundamentação – desde que seja contra o PT ou qualquer um que se interponha entre essa empresa e seus interesses – e a repercuti-la meses a fio – quando não anos a fio -, sem dar a menor chance para que “o outro lado” possa se defender com a mínima igualdade de condições.

    Tentei ler o artigo, mas confesso que parei no seguinte parágrafo: “Monstro que foi estupidamente alimentado por PSDB e PT durante as últimas eleições presidenciais, mas que está presente em todo o mundo.”

    Ora, o Sakamoto pode ter todas as críticas do mundo ao PT (sou petista e não me canso de criticar o partido), mas usar um espaço no jornal dos Frias, para falar que o PT alimentou esse tipo de golpe sujo é risível. Acusar o PT de um crime do qual o partido é a maior vítima? Qualquer pessoa com um pingo de bom senso e um mínimo de honestidade intelectual sabe que o PT e seus apoiadores são as maiores vítimas desse tipo de ataque sórdido (repetições ad infinitum de denúncias sem provas, calúnias, injúrias e difamações), que começa na imprensa tradicional – sempre ela – e que tem como um de seus principais expoentes esse folhetim golpista de quinta (haja vista a ditabranda, a ficha falsa, os inúmeros “artigos de opinião”, etc.), onde Sakamoto publicou sua mais do que justificada reclamação.

    Será que o Sakamoto não percebe o quanto soa ridículo ele vir reclamar na FSP (e não desta) – conferindo a esse folhetim um desmerecido ar de respeitabilidade – contra algo que esse próprio veículo não se cansa de fazer sem titubear um mísero segundo?

     

  5. Apoiado Sakamoto
    Sakamoto, tenho a certeza que tem o nosso apoio.
    E vá em frente sem medo!

    Quanto aos (V)idiotas é uma provação que teremos que passar!!!

    Quem falou que seria fácil!

  6. O jornal edição do Brasil é
    O jornal edição do Brasil é uma publicação do PSDB MG e circula há muitos anos. Todos os domingos, a rádio Itatiaia, na pessoa do radialista Acir Antão faz propaganda do mesmo. Antes era colocado na portaria dos clubes de BH. Agora desse ser virtual
    Portanto, por trás desse Jornaleco há todo o poderio de Aécio e sua trupe. Sakamoto tem que abrir processo e ir até as últimas consequências. Tem peixe grande por trás disso.

  7. O jornal edição do Brasil é
    O jornal edição do Brasil é uma publicação do PSDB MG e circula há muitos anos. Todos os domingos, a rádio Itatiaia, na pessoa do radialista Acir Antão faz propaganda do mesmo. Antes era colocado na portaria dos clubes de BH. Agora desse ser virtual
    Portanto, por trás desse Jornaleco há todo o poderio de Aécio e sua trupe. Sakamoto tem que abrir processo e ir até as últimas consequências. Tem peixe grande por trás disso.

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