Inovação tecnológica e democracia: o papel da Inteligência Artificial, por Tulio Chiarini e Paulo Savaget

Fenômenos políticos recentes, como a eleição de Trump, tornaram evidentes a difusão deliberada de desinformação pelas redes sociais. Além de notícias falsas, Bots – contas autônomas programadas para espalhar mensagens – são usados para manipular a opinião pública

do Brasil Debate

Inovação tecnológica e democracia: o papel da Inteligência Artificial

por Tulio Chiarini e Paulo Savaget

Existem muitas controvérsias a respeito do impacto da democracia no desenvolvimento socioeconômico. Costuma-se argumentar que Estados tolerantes à diversidade e abertos às novas ideias possuem uma população mais criativa[1]. Em outras palavras, os sistemas democráticos afetam a disseminação de ideias e tecnologias, influenciando instituições que estabelecem o ambiente para que novos negócios floresçam e inovações surjam[2].

Deixando de lado a relação entre democracia e desenvolvimento tecnológico e olhando para a relação causal oposta – isto é, tecnologias afetando a democracia –, algumas questões saltam aos olhos, especialmente com o rápido desenvolvimento de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e, mais especificamente, tecnologias baseadas em Inteligência Artificial (IA).

Há cerca de 20 anos, Benjamin Barber – Professor de Ciências Políticas da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos – levantou a seguinte questão: “a tecnologia moderna corrompeu ou melhorou nossa política?”[3].

Se sua questão era relevante na década de 1990, hoje em dia ganhou diferentes tons. A facilidade de comunicação, o compartilhamento de dados e as redes sociais aumentaram exponencialmente o acesso a informações de diversos tipos. Incentivaram, ainda, a criação de algoritmos ‘inteligentes’. Com machine learning deep learning, tornou-se possível processar grande volume de dados de forma rápida e eficiente. Existem muitas expectativas sobre a influência das tecnologias alimentadas pela IA sobre o aprimoramento da democracia. No entanto, também existem riscos alarmantes.

Fenômenos políticos recentes, como a eleição de Donald Trump e o plebiscito do Brexit, tornaram evidentes a difusão deliberada de desinformação, em dimensões assustadoras, por meio de redes sociais. Além de notícias falsas, Bots – contas autônomas programadas para espalhar mensagens – têm sido extensivamente utilizados para criar a ilusão de apoio político e, dessa forma, manipular a opinião pública. Tropas cibernéticas usam tecnologias alimentadas por IA durante campanhas eleitorais, com o objetivo de moldar o discurso público, muitas vezes suscitando sentimento de ódio [4],[5],[6].  Além disso, podem causar o chamado ‘efeito de ressonância’, isto é, as sugestões personalizadas para cada indivíduo levam a ‘bolhas’. Isso pode resultar em uma crescente polarização e brutalização do comportamento social em círculos virtuais e físicos5.

Existem evidências de que Bots são utilizados intensamente em todo o mundo. Além de Trump e Brexit, ambos em 2016[7],[8], foram observados a utilização desses instrumentos nas eleições presidenciais francesas e nas eleições parlamentares alemãs de 2017[9],[10], assim como no Brasil tanto durante a corrida presidencial em 2015[11] como no processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016[12]. Para o caso brasileiro, por exemplo, estudos mostram que Bots ainda são um fator relevante para a polarização política agressiva desde 201311.

Por outro lado, durante as campanhas eleitorais, as tecnologias baseadas em IA podem envolver os eleitores e ajudá-los a ter mais informações sobre questões políticas fundamentais. Podem amplificar a voz das pessoas e garantir que suas reivindicações sejam ouvidas por representantes eleitos6. A Operação Serenata de Amor[13], por exemplo, é uma iniciativa brasileira de um grupo da sociedade civil que desenvolveu IA para auditoria de dados públicos abertos desde a Lei de Acesso à Informação[14]. O projeto é aberto, qualquer cidadão pode participar. Por meio de IA, conseguiram identificar gastos suspeitos de deputados federais em escalas muito superiores àquelas que seriam identificadas com olhos humanos. As suspeitas são reportadas para as agências responsáveis e para a sociedade civil, que dessa forma se aproxima da administração pública.

Em grande parte das democracias representativas atuais, participação política ainda é restrita a votações eleitorais esporádicas. Embora a participação direta dos cidadãos nos processos políticos seja desejável, desde o fim da democracia clássica ateniense se tornou clara a sua inviabilidade.  Afinal, como seria possível engajar tantos cidadãos em processos decisórios rotineiros, quando precisam ser fisicamente circunscritos? Com TICs e, mais especificamente, com o rápido desenvolvimento de IA, aumentam-se as esperanças de que os cidadãos possam se engajar mais rotineiramente com política, seja monitorando seus representantes ou, até mesmo, participando ativamente da formulação de políticas públicas e de seus processos decisórios.

Tulio Chiarini – É analista em Ciência e Tecnologia lotado na Divisão de Estratégia do Instituto Nacional de Tecnologia do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Economista pela UFMG, mestre em economia pela UFRGS, mestre em administração da inovação pela Scuola Superiore Sant’Anna e doutor em teoria econômica pela Unicamp. Pesquisador visitante no Istituto di Ricerca sulla Popolazione e le Politiche Sociali (IRPPS) do Consiglio Nazionale delle Ricerche (CNR) em Roma

Paulo Savaget – É doutorando em Engenharia pela Universidade de Cambridge, mestre em Política Científica e Tecnológica pelo SPRU (Universidade de Sussex), mestre em Políticas Públicas pela UFRJ e economista pela UFMG. Atuou como professor e consultor em temas relacionados a sustentabilidade e inovação

Notas

[1]     Florida, Richard. (2002). The Rise of the Creative Class: And How It’s Transforming Work, Leisure, Community, and Everyday Life. New York: Basic Books.

[2]     Nelson, Richard R. (1993). National Innovation Systems: a comparative analysis. New York: Oxford University Press

[3]     Barber, Benjamin R. (1998). Three Scenarios for the Future of Technology and Strong Democracy. Political Science Quarterly, 113(4), 573-589.

[4]     Bradshaw, Samantha, & Howard, Philip N. (2017). Troops, Trolls and Troublemakers: A Global Inventory of Organized Social Media Manipulation. Computational Propaganda Research Project Working Paper,  (2017.12). Oxford: University of Oxford

[5]     www.scientificamerican.com/article/will-democracy-survive-big-data-and-artificial-intelligence

[6]     www.cfr.org/blog/artificial-intelligence-has-power-destroy-or-save-democracy

[7]     Woolley, Samuel C. (2016). Automating power: Social bot interference in global politics. First Monday, 21(4).

[8]     www.theguardian.com/technology/2017/may/07/the-great-british-brexit-robbery-hijacked-democracy

[9]     https://arxiv.org/ftp/arxiv/papers/1707/1707.00086.pdf

[10]    Neudert, Lisa-Maria, Kollanyi, Bence, & Howard, Philip N. (2017). Junk News and Bots during the German Parliamentary Election: What are German Voters Sharing over Twitter? Computational Propaganda Research Project Working Paper,  (2017.7). Oxford: University of Oxford.

[11]    Ruediger, Marco Aurélio. (2017). Bots, social networks and politics in Brazil. a study on illegitimate interferences with the public debate on the web, risks to the democracy and the 2018 elections. Rio de Janeiro: Department of Public Policy Analysis (DAPP), Fundação Getúlio Vargas (FGV).

[12] Arnaudo, Dan. (2017). Computational Propaganda in Brazil: Social Bots during Elections Computational Propaganda Research Project Working Paper,  (2017.8). Oxford: Oxford University.

[13]    https://serenatadeamor.org/

[14]    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

 

Redação

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