Justiça e Congresso enfrentam as fake news, mas críticos temem restrições à liberdade de expressão

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Por Ramiro Silva
 
No blog Jornalismo nas Américas
 
O ano de 2018 verá eleições presidenciais em vários países da América Latina, e com elas o risco de desinformação generalizada causada pelas notícias fraudulentas, as chamadas “fake news”. No Brasil, a preocupação com o problema tem movido o poder público, e a quatro meses do pleito o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tomou sua primeira decisão relacionada ao combate às notícias fraudulentas no contexto das eleições.
 
No dia 7 de junho, o ministro substituto Sérgio Banhos determinou que sejam apagados da internet cinco textos sobre a pré-candidata presidencial Marina Silva, do partido Rede Sustentabilidade. Segundo nota no site do TSE, ele se baseou em uma resolução aprovada em dezembro de 2017 que regulamenta a propaganda eleitoral no pleito de 2018.
 
De acordo com a sentença, o partido denunciou ao tribunal que uma página no Facebook denominada Partido Anti­PT “estaria publicando, reiteradamente, informações inverídicas que ofendem a imagem política” de Silva.  Os links foram publicados no Facebook em 2017 pela página, que tem mais de 1,7 milhão de seguidores. Segundo o jornal Valor Econômico, os posts remetem para o site Imprensa Viva, vinculado ao perfil anti-PT na rede social.
 
Banhos também deu 48 horas para que o Facebook removesse os posts com o conteúdo e 10 dias para que a empresa forneça os registros de acessos a um dos posts, dados sobre a origem do cadastro da página responsável pelas publicações e os dados pessoais de seu criador e administradores.
 
O ministro observou que a liberdade de expressão está garantida na Constituição brasileira, mas que “sua proteção não se estende à manifestação anônima” e que a ausência de identificação de autoria das notícias “indica a necessidade de remoção das publicações do perfil público”. “Ainda que assim não fosse, observo que as informações não têm comprovação e se limitam a afirmar fatos desprovidos de fonte ou referência, com o único objetivo de criar comoção a respeito da pessoa da pré­-candidata”, escreveu Banhos.
 
Movimentação no Congresso
De olho nas eleições, congressistas brasileiros também estão tomando iniciativas contra as notícias fraudulentas. Uma Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Fake News foi criada em 23 de maio, formada por 11 senadores e 218 deputados.
 
Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a frente tem o objetivo de pressionar o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, do partido Democratas (DEM) do Rio de Janeiro, a pôr em votação projetos de lei que prevejam punição a difusores de notícias fraudulentas antes das eleições, marcadas para 7 de outubro.
 
Segundo levantamento da Agência Pública, 20 projetos de lei tramitam no Legislativo brasileiro com o objetivo de criminalizar desde a criação de boatos na internet até a publicação de notícias inverídicas na imprensa, passando pela divulgação de notícias falsas. As penas vão de multas de R$ 1.500 a até 8 anos de reclusão.
 
Em entrevista à Folha, o coordenador da frente parlamentar, deputado Márcio Marinho, do Partido Republicano Brasileiro (PRB) da Bahia, disse que a frente não pretende coibir a liberdade de expressão dos jornalistas. “Não queremos censurar nada, pelo contrário”, afirmou.
 
No entanto, associações de jornalistas e especialistas no tema já expressaram preocupação com iniciativas do Legislativo. O diretor-executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, é um deles. “O debate sobre ‘fake news’ exige cuidado, para que esse fenômeno não seja uma cortina de fumaça a prejudicar o jornalismo sério, a impedir a plena liberdade de expressão” disse Pedreira à Folha.
 
Contradições no combate às notícias fraudulentas
A jornalista Natalia Viana, diretora da Agência Pública, publicou na edição do dia 25 de maio da newsletter semanal da publicação seu relato do debate sobre “fake news” que aconteceu na Câmara dos Deputados em 22 de maio, um dia antes do lançamento da frente parlamentar. Segundo ela, o evento se tornou “uma arena de ataque a jornalistas”.
 
Viana contou que um dos convidados do evento era Carlos Augusto de Morais Afonso, que veio a público, após reportagem do jornal O Globo, como criador do site Ceticismo Político. Em março, o site ajudou a amplificar notícias fraudulentas sobre a vereadora Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), no dia seguinte ao seu assassinato no centro do Rio de Janeiro. No ataque também foi morto Anderson Gomes, motorista do carro em que ela estava.
 
Segundo a diretora da Pública, Afonso usou seu tempo no debate na Câmara dos Deputados “para atacar as organizações de fact-checking Agência Lupa e Aos Fatos”. As duas agências foram alvos de ataques online devido a uma parceria com o Facebook, lançada em 10 de maio, contra a disseminação de notícias falsas na rede social.
 
No debate, Afonso apresentou os resultados de um “dossiê” com posts dos jornalistas de Lupa, Aos Fatos e da Pública em seus perfis nas redes sociais. No documento, os jornalistas são classificados ideologicamente entre “esquerda”, “extrema esquerda” ou “indefinido”, e essa classificação é usada para questionar a idoneidade das agências. “Ou seja, expondo e atacando jornalistas por fazer jornalismo”, escreveu Viana.
 
O caso Marielle Franco
Em março, antes mesmo da parceria com o Facebook, a agência Aos Fatos realizou uma checagem que ajudou a desbancar as notícias fraudulentas que estavam circulando nas redes sociais sobre a vereadora Marielle Franco após seu assassinato.
 
As informações falsas sobre Franco fizeram parte das intensas troca de mensagens e postagens nas redes sociais brasileiras nos dias seguintes a seu assassinato, que naquele momento se tornou o assunto de maior engajamento no Twitter nesta década no Brasil, conforme afirmou Fábio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), à Rádio Guaíba.
 
Os boatos começaram a ser espalhados por Whatsapp, Twitter e Facebook no dia seguinte à morte da vereadora afirmando que Franco havia sido casada com Marcinho VP, conhecido traficante do Rio de Janeiro que desde 1997 cumpre pena de 48 anos de prisão. Outro boato afirmava que a vereadora havia sido financiada e morta pela facção criminosa Comando Vermelho.
 
Em reportagem publicada no jornal O Globo em 23 de março, os repórteres Marco Grillo e Gabriel Cariello, com ajuda de pesquisadores do Labic, identificaram que um link do site Ceticismo Político com os boatos sobre Franco havia sido o mais compartilhado no Facebook sobre o tema. De acordo com a reportagem, entre os personagens públicos que ajudaram a difundir a notícia fraudulenta estavam o Movimento Brasil Livre (MBL), que tem 2,7 milhões de seguidores no Facebook, o deputado federal Alberto Fraga, do DEM do Distrito Federal, e a desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
 
No dia 28 de março, duas semanas após o assassinato da vereadora, o juiz Jorge Jansen Counago Novelle, do TJRJ, determinou que o Facebook apagasse os posts com notícias fraudulentas sobre Franco em sua plataforma. No fim de abril, o desembargador Luiz Fernando Pinto, também do TJRJ, alterou a decisão para estabelecer que a rede social só terá que excluir páginas cujos links tenham sido apontados pela irmã e pela namorada de Franco, autoras do processo que pedia a exclusão de todo conteúdo ofensivo sobre ela no Facebook, conforme reportou a Folha.
 
Iniciativas acadêmicas e corporativas contra o problema
Algumas pesquisas acadêmicas vêm sendo produzidas com o objetivo de identificar a autoria de notícias fraudulentas e os meios pelos quais elas são disseminadas. Além da já citada pesquisa do Labic, o Monitor do Debate Político Digital, da Universidade de São Paulo (USP), identificou que mais da metade das notícias fraudulentas difundidas sobre a vereadora Marielle Franco foram compartilhadas em grupos de família no Whatsapp, como noticiou a BBC Brasil.
 
Já o projeto “Eleições Sem Fake”, coordenado pelo professor Fabrício Benevenuto, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), visa trazer transparência ao espaço midiático. Uma de suas ferramentas é o sistema “Bot ou Humano?”, que permite identificar se usuários que promovem hashtags nos trending topics do Twitter no Brasil são humanos ou robôs e perfis falsos.
 
Facebook e Whatsapp, as duas redes sociais mais utilizadas no Brasil, também anunciaram medidas para coibir a disseminação de notícias fraudulentas. Conforme reportou a Folha de S. Paulo, o Whatsapp criou uma estratégia de três frentes contra o problema. O primeiro grupo de ações será voltada aos usuários, que poderão reportar e bloquear conteúdo indesejado, e também inclui identificar as mensagens que são retransmitidas de um usuário para outro. A segunda medida consiste em mecanismos para detectar spam, ou mensagens enviadas em alta quantidade, via metadados. A terceira frente é uma busca por aproximação com a Justiça Eleitoral brasileira e outros órgãos públicos, no sentido de responder prontamente as ordens judiciais que apontam manipulação eleitoral e disseminação de notícias falsas.
 
Mark Zuckerberg, cofundador do Facebook e proprietário do Whatsapp, incluiu os esforços contra notícias falsas nas resoluções da rede social para 2018. “Não evitaremos todos os erros e abusos, mas atualmente cometemos erros demais ao aplicar nossas políticas para evitar o uso indevido de nossas ferramentas”, reconheceu ele, segundo reportagem da BBC. 
 
Em parceria com as agências Lupa e Aos Fatos, a rede social estreou em maio no Brasil seu programa de verificação de notícias. A iniciativa surgiu em dezembro de 2016 nos Estados Unidos e desde então tem sido implementada em vários países, como México, Colômbia e Índia, sempre em parceria com organizações de checagem integrantes da International Fact-Checking Network (IFCN).
 
As agências têm verificado os posts que usuários da rede sinalizam como falsos. Caso o conteúdo seja de fato considerado falso pelas checadoras, eles terão sua distribuição orgânica reduzida e não poderão ser impulsionados. Páginas que repetidamente compartilharem conteúdos considerados falsos terão seu alcance diminuído e não poderão fazer anúncios para ampliar seu número de seguidores.
 
Pessoas e administradores de páginas também serão notificados, ao tentarem compartilhar conteúdo considerado falso, de que sua veracidade foi questionada pelas agências. O texto com a checagem também poderá ser associado ao conteúdo questionado, de modo que ele chegue na timeline dos usuários acompanhado da verificação que o sinalizou como falso. O Facebook afirma que, nos EUA, esse método diminuiu em até 80% a distribuição orgânica de notícias consideradas falsas por agências de verificação.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador