O patrocínio da segregação de direitos para ódios raciais

Do Portal Luis Nassif

Comentário ao post “Subsídios ao debate sobre questão racial no Brasil

Prezados,

Com a palavra ´uns e outros´ defensores da doutrina da FORD FOUDACION: direitos raciais ou direitos sociais?”

O comentário do LAIR AMARO (03/02/2013 – 13:03), nos traz um depoimento que é uma denúncia da qual já participei em debates com jovens estudantes do ensino médio e de universidades. Diz o LAIR: “Ao apresentar esse documentário em sala de aula produz duas reações: A recepção dos alunos a ele varia conforme as seguintes condições:

(a) Turma com maioria negra: indignação, revolta. Debates acalorados na sequência;

(b) Turma com negros em minoria: descaso, desinteresse, não há debates.”

Esse depoimento aponta exatamente para as reações esperadas pela doutrina da financiadora do documentário e patrocinadora de ódios raciais na cabeça dos afro-brasileiros revelados na alternativa ´a´: a onisciente, onipresente e onipotente empreendedora – FORD FOUDACION – e seus milhões de dólares investidos para destruir a nossa relativa tolerância e a ausência de ódios raciais, uma vantagem competitiva de nosso contexto social nas sábias palavras do saudoso professor MILTON SANTOS, conforme atestam os créditos finais do clássico documentário de Joelzito. Alunos de uma mesma classe de aulas, do mesmo ambiente social, do mesmo bairro e cidade, jovens criados juntos, às vezes do mesmo círculo familiar, indignados e revoltados.

Vejam: durante todo o documentário os comentários críticos não são de lamento pela existência do preconceito que faz patrocinadores, autores e diretores de novelas e seriados deixarem de escalar protagonistas pretos e pardos. Nem se lamenta a prática de racismo no Brasil que produz a baixa estima de empregadas que mudavam de canal. Não faz a denúncia da extrema pobreza dos afro-brasileiros que se reflete na ausência da formação educacional e cultural de grandes atores afro-brasileiros.

O que o documentário financiado pela Fundação Ford faz é a pregação de sua doutrina de ´raças´ com direitos segregados. Faz a apologia de pertencimentos raciais e da presença compulsória de ´representantes´ raciais. O narrador lamenta a “ausência de atores e protagonistas de minha raça”. A crítica exposta não se dirige de forma enfática para a omissão da historiografia de uma cultura que está tão presente no dia a dia dos brasileiros. Lamenta-se a ausência de enredo entre personagens de cor que tivessem “relações familiares dos personagens e com outras pessoas da sua raça”. O ator NELSON XAVIER, um típico miscigenado brasileiro, reconhece e lamenta não ter sido ´tão discriminado´ por não ser tão preto. Ora, ele não foi tão discriminado em razão de não ser considerado no Brasil um legítimo representante da ´raça´ a ser excluída como far-se-ia a doutrina da Kukluskan nos EUA. E, por fim, o narrador faz a constatação de que ´talento e beleza são atributos ´de todas as raças´. 

Talento e beleza são atributos de todos os seres humanos bem educados, bem tratados desde que assegurada a igualdade de tratamento e de oportunidades para serem bem preparados para se expressarem.

Entretanto, há que se contestar essa lógica com base em FLORESTAN FERNANDES, o nosso maior intérprete da exclusão social dos afro-brasileiros, reiterando o que os neo-racialistas consideram um argumento velho e batido: nos EUA a ´raça´ foi o signo da segregação, da exclusão e da negação da inteira humanidade. No Brasil, foi a cor do ´ex-escravo´, que nos condicionou a exclusão, a miséria e a margem social. O que ensinava FLORESTAN, repetindo o que disse ORACY NOGUEIRA (1953, USP, origem/marca) nos EUA as discriminações são raciais (pela origem de pertencimento sanguíneo) e aqui as discriminações são sociais (a marca) expressa na ´cor do ex-escravo´.

FLORESTAN, na condição de constituinte em 1988 e com a paciência dos mestres, que tive a felicidade de ouvi-lo na USP, nos debates pré-constituintes na condição de ativista contra o racismo, desnudava a exclusão de pretos e pardos com o marco conceitual: “Raça & Classe” e elencava as razões sociais para as discriminações conhecidas ainda hoje, em pleno século 21. O conceito do mestre ainda não foi bem compreendido: ele visava advertir as esquerdas contra o mito da democracia racial não para pregar um neo-racismo nem o pertencimento racial, mas para explicitar a estratégia da elite capitalista com a formação de um exército de reserva de mão-de-obra barata auxiliando na exploração de todos os trabalhadores. As discriminações e a luta de classe mereciam igual atenção, conjunta.

As discriminações no Brasil não se dão pelo ódio da ´origem´ racial dos norte-americanos, mas pela ´marca´ da classe social reservada aos libertos e que atendia aos interesses capitalistas. Dizia: “ A “Lei Áurea” foi um dissabor, que deu alento ao gigantismo de uma política que já vinha sendo posta em prática e acabou sendo levada às últimas conseqüências. Os escravos é que foram expulsos do sistema de trabalho e, onde houve abundância de mão de obra livre, nacional ou estrangeira, viram-se diante de uma tragédia. Despreparados para competir com os imigrantes ou para se deslocarem para outras ocupações, foram condenados ao ostracismo e à exclusão.

E prossegue a constatação de Florestan: “O negro se defrontou com condições de trabalho tão duras e impiedosas como antes. Os que não recorreram à migração para as regiões de origem, repudiavam o trabalho “livre”, que lhes era oferecido, porque enxergavam nele a continuidade da escravidão sob outras formas. Para serem livres, eles tiveram de arcar com a opção de se tornarem “vagabundos”, “boêmios”, “parasitas de suas companheiras”, “bêbados”, “desordeiros”, “ladrões” etc. A estigmatização, associada à condição escrava, ganhou nova densidade negativa. A abolição pela via oficial não abria nenhuma porta — fechava todas elas.”

E concluía o íntegro sociólogo pesquisador realidade dos afro-brasileiros, atestando que foram a questão de ´classe´ e não exclusivamente a condição de ´raça´ que excluíram e continuam excluindo os afro-brasileiros. E reafirmava as bases históricas da construção do preconceito e das discriminações de pretos e pardos. A sua origem foi social (a cor do ex-escravo) e não a condição racial: “Não tinha como lutar e como romper socialmente com a “herança da escravidão”. O pior é que essa exclusão o marginalizava: o preconceito e a discriminação fechavam as oportunidades de integração ao sistema ocupacional ou as restringiam ao mínimo.”  (Florestan Fernandes, Luta de Raças & de Classe, Teoria & Debates, 01/03/1988)  http://www.teoriaedebate.org.br/materias/sociedade/luta-de-racas-e-de-classes?page=full

Bem posterior à constatação de FLORESTAN, desde os anos 1990 a filósofa feminista NANCY FRASER, tem apontado os vícios da tendência de políticas públicas diferencialistas, como uma opção reacionária de direita visando minar os ideais iluministas da igualdade e unicidade da espécie humana e, ao mesmo tempo, solapando os sonhos socialistas de distribuição da riqueza para a mais proveitosa e substancial igualdade material para todos, o que tem humanizado o capitalismo nos últimos 150 anos.

Segundo FRASER, as demandas por reconhecimento com direitos segregados e exclusivos, conforme a doutrina FORD adquire maior relevância na arena política, reduzindo a solidariedade de classe e a contestação à exploração perversa, fragmentando a luta dos trabalhadores em geral.

Ela afirma que a luta por direitos a diferença se tomaram a forma paradigmática de conflito político:“as demandas por ‘reconhecimento das diferenças’ alimentam a luta de grupos mobilizados sob as bandeiras da nacionalidade, etnicidade, raça, gênero e sexualidade.”

Nesses conflitos pós-socialistas decorrente da derrocada do mundo comunista e tem feito identidades grupais substituírem os interesses de classe” como principal incentivador para mobilização política. Dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural desloca a redistribuição socioeconômica como remédio para injustiças e objetivo da luta política.

De fato, devemos reconhecer a existência de diferenças biológicas que merecem atenção e atribuição de direitos garantidos pelo estado: pela idade de uma criança ou de um ancião; pelo gênero e condições da maternidade feminina; pela mobilidade e acessibilidade dos portadores de necessidades especiais.

Porém, a grande questão da doutrina FORD é se, por um fato irrelevante como a cor da pele, numa população não crê em pertencimento raciais poderia ser considerada uma ´diferença´ sob o rótulo de se configurar uma diferença´racial´ portadora de direito?

FRASER, afirma com acerto: “De algum tempo tempos para cá, as forças da política progressista dividiram-se em dois campos. De um lado encontram-se os proponentes de ´redistribuição´. Apoiando-se em antigas tradições de organizações igualitárias, trabalhistas e socialistas, atores políticos alinhados a essa orientação buscam uma alocação mais justa de recursos e bens. No outro lado, estão os proponentes do ´reconhecimento´. Apoiando-se em novas visões de uma sociedade ´amigável às diferenças´, eles procuram um mundo em que a assimilação às normas da maioria ou da cultura dominante não é mais o preço do respeito igualitário.”

O diagnóstico da autora é preciso: “ Membros do primeiro grupo esperam redistribuir a riqueza dos ricos para os pobres, do Norte para o Sul, e dos proprietários para os trabalhadores. Membros do segundo grupo, ao contrário, buscam o reconhecimento das distintas perspectivas das minorias étnicas, ´raciais´ e sexuais, bem como a diferença de gênero. A orientação distributiva tem uma linhagem filosófica distinta, já que as reivindicações re-distributivas igualitárias forneceram o caso paradigmático para a maior parte da teorização sobre justiça social dos últimos 150 anos.

E ela nos obriga a enfrentar o dilema da doutrina racial da FORD FOUDACION mais uma vez expressa neste post a respeito de políticas públicas em bases raiais: “A orientação do reconhecimento recentemente atraiu a atenção dos filósofos políticos e, alguns entre eles, têm buscado desenvolver um novo paradigma normativo que coloca o reconhecimento em seu centro. … Em muitos casos, as lutas por reconhecimento estão dissociadas da luta por redistribuição… Essa situação exemplifica um fenômeno mais amplo: a difundida separação entre a política cultural e a política social, a política da diferença e a política da igualdade.

Em alguns casos a dissociação tornou uma polarização… Nesses casos, realmente estamos diante de uma escolha: redistribuição ou reconhecimento? Política de classe ou política de identidade? Multiculturalismo ou igualdade social?” 
(Fraser, Nancy, 2007, “Reconhecimento Sem Ética”, Lua Nova, 070, pp. 101-138 ) http:// www.scielo.br/pdf/ln/n70/a06n70.pdf

A conceituada autora, em sua reflexão nos coloca um desafio:“Realmente estamos diante de uma escolha: redistribuição ou reconhecimento? Política de classe ou política de identidade? Multiculturalismo ou igualdade social?

Com a palavra ´uns e outros´ defensores da doutrina da FORD FOUDACION: direitos raciais ou direitos sociais?

Luis Nassif

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