Em defesa da Educação pública gratuita e democrática, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em defesa da Educação pública gratuita e democrática

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Ontem, 16 de outubro de 2018, tive o imenso prazer de comparecer ao lançamento do novo livro de Marilena Chaui na Livraria Martins Fontes (Av. Paulista, 509, Paraíso, São Paulo, SP).

A obra “Em defesa da Educação pública gratuita e democrática”, editora autêntica, é muito oportuna. Desde o golpe de 2016 o sistema público de educação lentamente ampliado e otimizado pelos governos Lula e Dilma Rousseff tem sofrido ataques permanentes (aprovação do teto de gastos, extinção do programa Ciência sem Fronteiras, redução do financiamento estudantil, etc…).

Se for eleito, Jair Bolsonaro pretende privatizar as universidades federais, desmantelar as instituições federais de ensino profissionalizante e incentivar o ensino a distância. Na rápida entrevista que deu pouco antes de iniciar a sessão de autógrafos do livro, Marilena Chaui lembrou que a educação pública não é apenas um direito, mas o instrumento pelo qual a sociedade prepara as novas gerações para governar o país. Se ela for abandonada o próprio futuro do país será comprometido.

O livro é composto por textos que foram sendo produzidos e divulgados pela autora desde a década de 1980. Num deles, Marilena Chaui defende a aplicação do método Paulo Freire de maneira apaixonada e eloquente:

“Não só porque é um método internacionalmente reconhecido aplicado com enorme sucesso, mas porque é um método que foi pensado por Paulo Freire a partir da realidade brasileira. Então, a implantação da pedagogia do Paulo Freire na sociedade brasileira torna esse método mais do que viável. Eu acho que torna esse método necessário. Por outro lado, eu diria que, política e culturalmente, o método Paulo Freire deveria ser a aplicado no Brasil porque justamente a ideia fundamental do Paulo é a valorização dos conhecimentos, do pensamento, do saber e da cultura que cada pessoa, cada grupo e cada classe traz, os quais você apenas amplia. E nisso você faz cada um, cada grupo, cada classe, sozinhos, possam chegar ao seu próprio trabalho educacional. Então, como método Paulo Freire é um método de experiência e liberdade, acho que ele tem que ser aplicado no Brasil como uma pedagogia que não é política no sentido de passar conteúdos políticos para que as pessoas tenham práticas determinadas, ele é Político no sentido forte da palavra, com pê maiúsculo, no sentido de que ele é uma prática para a liberdade.” (Em defesa da Educação pública gratuita e democrática, Marilena Chaui, editora autêntica, São Paulo, 2018, p. 279 – entrevista publicada no Jornal Opinião de 11 de outubro de 1983)

Quando estava na Faculdade de Direito, tive o prazer de conhecer uma professora da Prefeitura de São Paulo que aplicou o método Paulo Freire. Ela participou de diversas reuniões de professores com o grande pedagogo nomeado Secretário de Educação por Luíza Erundina (1989 a 1993).

Os elogios que ela fazia à pessoa de Paulo Freire (em razão de se sentir valorizada profissionalmente) e à nova realidade educacional que foi sendo construída na cidade de São Paulo (que naquele período garantiu um maior reconhecimento da importância dos alunos da escola pública) eram imensos. O prazer que minha amiga dizia sentir em dar aula era contagiante. Foi através dela que vim a começar a conhecer o trabalho do pedagogo, sua obra e atividade profissional.

Aluna da Faculdade de Direito, minha amiga costumava dizer que adiaria ao máximo a decisão de trocar a pedagogia pela advocacia. Mesmo sabendo que poderia ganhar mais como advogada do que como professora ela dizia que se sentia feliz e realizada profissionalmente. A opção dela por ganhar menos e ser mais feliz sendo professora municipal sob o comando de Paulo Freire me pareceu perfeitamente racional. Agora que a ideologia neoliberal (que valoriza o dinheiro acima de qualquer outra coisa) conseguiu se infiltrar na realidade brasileira aquela decisão dela seria considerada irracional, estúpida, inadmissível e até mesmo insana. Somente quando Paulo Freire deixou a Prefeitura de São Paulo e o novo prefeito passou a desprestigiar a educação infantil minha amiga se sentiu forçada a mudar de profissão.

Fiz essa pequena digressão por duas razões. Em primeiro lugar, o episódio demonstra como o destino pessoal da minha amiga no início da década de 1990 foi profundamente marcado pelo sucesso da campanha que Marilena Chaui vinha fazendo da adoção da pedagogia de Paulo Freire desde o início da década anterior. Segundo, porque no momento em que defendia a pedagogia do grande pedagogo no Jornal Opinião a filósofa evidentemente não tinha como saber que estava ajudando a criar as condições para uma experiência fantástica (a nomeação de Paulo Freire para Secretário de Educação de São Paulo e a adoção de seu método pela maior e mais importante cidade brasileira) que, dentre outras coisas, afetaria de maneira extremamente positiva a vida de uma professora que a filósofa não conheceu.

Transcrevi e comentei a entrevista de Marilena Chaui sobre Paulo Freire por outra razão. O texto evidencia um paradoxo terrível. Em 1983 a Ditadura Militar ainda não havia terminado e já era possível discutir publicamente um autor que foi banido e exilado pelo regime tirânico. Desde 1988 nós vivemos numa democracia. Porém, a partir do golpe de 2016 a obra de Paulo Freire voltou a ser ferozmente atacada pelos defensores da “pedagogia do opressor”. A republicação daquela entrevista nesse momento é, portanto, uma forma de problematizar tanto o passado quanto o presente.

A dedicatória que a autora fez no meu exemplar do livro diz o seguinte “Para Fábio, com a esperança de dias melhores.” O fragmento transcrito demonstra que Marilena Chaui tinha esperança em 1983. Apesar dos tempos sombrios que vivemos, ela ainda tem esperança em 2018. A “pedagogia do opressor” que está tentando tomar de assalto o país inclusive e principalmente para proibir a obra de Paulo Freire não será capaz de derrotar nem a filósofa nem sua obra. A felicidade que se viveu não pode ser destruída. A que ainda será vivida pode sempre ser construída hoje, amanhã e… depois de amanhã será outro dia.

 

PS: A foto que ilustra o evento foi divulgada na página da livraria no Facebook.

 
Fábio de Oliveira Ribeiro

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