A ameaça negligenciada da poluição, por Philip J. Landrigan e Richard Fuller

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no Project Syndicate

A ameaça negligenciada da poluição

por Philip J. Landrigan e Richard Fuller

Tradução de Caiubi Miranda

NOVA IORQUE – A poluição é um dos grandes desafios existenciais do século XXI. Ameaça a estabilidade dos ecossistemas, prejudica o desenvolvimento econômico, e compromete a saúde de milhares de milhões de pessoas. Porém, é frequentemente esquecida, quer nas estratégias de crescimento dos países, quer nos orçamentos de apoio ao desenvolvimento, como os da Comissão Europeia ou da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional. Como consequência, a ameaça continua a crescer.

O primeiro passo para a mobilização de recursos, da liderança e do envolvimento cívico necessários para minimizar a ameaça da poluição é a sensibilização para a sua verdadeira escala. Foi por esse motivo que criamos a Comissão Lancet para a poluição e saúde: para disponibilizar informações completas sobre os efeitos da poluição sobre a saúde, estimar os seus custos econômicos, identificar as suas ligações à pobreza, e propor abordagens concretas para a sua resolução.

No passado mês de Outubro, publicamos um relatório que faz precisamente isso. Concluímos que a poluição é responsável por nove milhões de mortes por ano, ou 16% de todas as mortes registradas globalmente. Este valor é três vezes superior ao das mortes por SIDA, tuberculose e malária no seu conjunto, e 15 vezes superior às mortes provocadas por todas as guerras, pelo terrorismo, e por outras formas de violência. Nos países mais afetados, a poluição é responsável por mais do que uma em cada quatro mortes.

As causas específicas destas mortes variam, refletindo a composição variável da poluição. À medida que os países se desenvolvem, a poluição local atmosférica e da água – formas antigas de poluição relacionadas com a pobreza extrema – diminuem. Mas os fenômenos associados ao desenvolvimento econômico – nomeadamente, a urbanização, a globalização, e os veículos movidos a petróleo – provocam o aumento da poluição atmosférica ambiente, da poluição química, da poluição ocupacional e da poluição dos solos, sendo especialmente atingidas as cidades dos países em desenvolvimento.

Não surpreende, pois, que os mais pobres sofram as maiores consequências. Quase 92% das mortes provocadas pela poluição ocorrem em países de baixo ou médio rendimento. Em países de todos os níveis de rendimento, as doenças causadas pela poluição são mais comuns entre as minorias, os membros de grupos marginalizados, e todos os que de alguma forma estejam vulneráveis. Trata-se de injustiça ambiental à escala global.

Para além dos custos humanos, as doenças relacionadas com a poluição provocam perdas de produtividade que reduzem o PIB dos países em desenvolvimento em até 2% ao ano. São responsáveis por 1,7% dos gastos com a saúde nos países de elevado rendimento, valor que sobe para 7% nos países de baixo ou médio rendimento. As perdas de bem-estar devidas à poluição ascendem a 4,6 bilhões de dólares por ano, ou 6,2% da produção econômica global. E este valor não contabiliza os enormes custos das alterações climáticas, cujo principal fator contribuinte é a combustão de combustíveis fósseis altamente poluentes.

Apesar destas perdas, o problema deverá piorar. Sem uma intervenção ativa, só o número de mortes provocadas pela poluição atmosférica ambiente poderá aumentar 50% até 2050. A poluição química é outro desafio crescente, já que foram inventados cerca de 140 000 novos compostos deste 1950, e pouquíssimos foram testados quanto à segurança ou à toxicidade. Os bebês e as crianças pequenas são especialmente vulneráveis.

A poluição não é um “mal necessário” que acompanhe inevitavelmente o desenvolvimento econômico. Com liderança, recursos, e uma abordagem bem formulada e apoiada em dados, a poluição pode ser minimizada, e existem estratégias viáveis que já foram desenvolvidas, testadas e comprovadas em países de médio e elevado rendimento.

Estas estratégias consideram soluções jurídicas, políticas e tecnológicas. Por exemplo, segundo o princípio do “poluidor-pagador”, incluem a eliminação de isenções fiscais e de subsídios para indústrias poluentes. Além disso, estas estratégias incluem metas e calendários definidos, relativamente aos quais são continuamente avaliadas, e estão sujeitas a medidas rigorosas de controle. E podem ser exportadas para cidades e países de todos os níveis de rendimento e em todo o mundo.

A planificação cuidadosa e a aplicação adequadamente apetrechada de estratégias de controlo da poluição podem ajudar os países em desenvolvimento a evitar os piores tipos de desastres humanos e ecológicos que acompanharam o crescimento econômico no passado. O anterior pressuposto de que os países pobres devem suportar uma fase de poluição e doença no seu caminho para a prosperidade pode finalmente ser abandonado.

Tanto para os países ricos como para os países pobres, estas estratégias originariam um crescimento mais sustentável do PIB. A remoção do chumbo da gasolina devolveu milhares de milhões de dólares às economias mundiais, já que uma menor exposição implica menores dificuldades cognitivas e maior produtividade. Nos Estados Unidos, as melhorias na qualidade do ar renderam 30 dólares por cada dólar investido, um rendimento agregado de 1,5 bilhões de dólares, conseguido por um investimento de 65 mil milhões de dólares desde 1970.

Por conseguinte, a redução da poluição cria enormes oportunidades para impulsionar o crescimento econômico, ao mesmo tempo – e acima de tudo – que protege as vidas e a saúde das pessoas em todo o mundo. A Comissão Lancet apela aos governos nacionais e municipais, a doadores internacionais, às principais fundações, grupos da sociedade civil e profissionais de saúde para tornarem o controle da poluição muito mais prioritário do que é atualmente.

Isto obriga a uma alteração substancial do financiamento distribuído para a prevenção da população em países de baixo e médio rendimento, tanto a nível dos orçamentos nacionais como do auxílio internacional. Isto pode conseguir-se ao nível internacional, expandindo os programas existentes ou criando novos fundos autônomos, análogos ao Fundo Mundial de luta contra a Sida, Tuberculose e Malária. Estes programas deverão desbloquear e complementar as contribuições nacionais, ao mesmo tempo que proporcionam assistência técnica e que apoiam a investigação. O financiamento internacional também pode ser usado para apoiar a criação de um “observatório global da poluição”.

O controlo eficaz da poluição também significa a incorporação de estratégias de prevenção em todas as estratégias futuras de crescimento e de desenvolvimento, reconhecendo que o êxito só será possível se as sociedades alterarem os seus padrões de produção, consumo e transporte. As ações principais neste campo incluem: criar incentivos para uma transição generalizada para fontes de energia não-poluentes; eliminar subsídios e isenções fiscais para os poluidores; recompensar a reciclagem, a reutilização e a reparação; substituir os materiais perigosos por substitutos mais seguros; e encorajar o uso de transportes públicos e ativos.

A transição para sistemas menos poluentes não será simples, e enfrentará a oposição firme dos interesses instalados em todo o mundo. Mas, como demonstra o relatório da Comissão Lancet, a transição para um modelo de baixa poluição é essencial à saúde, bem-estar, e prosperidade das nossas sociedades. Não podemos dar-nos ao luxo de continuar a negligenciar esta ameaça global.

Redação

2 Comentários

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  1. Prezados camaradas
    Não basta

    Prezados camaradas

    Não basta apenas a transição para modelos de produção menos poluentes e agressivos, são necessários:

    1 – Mudança comportamental: a minimização da geração de lixo, com reaproveitamento de materiais e o cuidado com o que é descartado e como isso é descartado

    2 – Uma alteração de nosso modelo econômico, baseado no consumo desenfreado (a lógica empresarial é  o crescimento contínuo, baseado no consumo). Estudiosos falam da “Pegada Ecológica”, que é a espacialização do consumo consciente e menos agressivo ao Planeta e à sua Natureza. Pela pegada ecológica, se não me engano (tenho dados de 2010), precisamos de 4,5 Terras para sustentar a oatual padrão de consumo. É uma conta que não fecha

    Estes problemas são abordados em um grande livro (A Era do Capital Improdutivo – Ladislau Dowbor) em que há o sequestro da atividade produtiva e a perversão do sistema financeiro (que vira um fim em si mesmo), com a consumo de recursos naturais (“commoditizados”) apenas para produzir especulaçaõ financeira e não bens e recursos

    E também um articuslista aqui do GGN (Pedro Augusto Pinho) que expõe muito bem que a Banca ( o Grande Leviatã, que está nos conduzindo para o fim de nossa existência como civilização humana) percebeu (como percebeu em 1914 e em 1939) que os recursos são escassos, então vamos garantir o nosso e acabar com o excesso de gente que há no planeta

    Cara, estou preocupado 

  2. Só a emancipação do capitalismo resolveria o problema

    A dominação do capital é cega e expansiva. Seu único objetivo é se expandir como mais valor, às custas das pessoas e da natureza.

    Esta é a tese de Marx e até agora, a realidade lhe dá razão. Com todas as pesquisas científicas e evidências empíricas mostrando que o planeta está se degradando rapidamente, ameaçando a vida em geral, o capitalismo não para de degradá-lo, não importa as políticas públicas que sejam propostas, planejadas ou “postas em prática”.

    Não há como frear o capital, sua expanção é cega (incosnciente) e voraz. Como o lucro cai a cada avanço tecnológico, é preciso compensar com mais produção de mercadorias. E a superprodução degrada o paneta. É como se fosse um vírus se expandindo no corpo do hospedeiro: ele o consome até a morte.

    Saídas “racionais”, via mercado, regulações e bom senso não vão parar a degradação capitalista. A única saída é a emancipação do capital. E é urgente.

    Mas as pessoas estão tão absortas no capitalismo, estruturadas por ele (na verdade o verdadeiro sujeito é o capital, sujeito automático que maneja as pessoas), que esta emancipação não é desejada, em lugar algum do planeta. Na verdade, as pessoas se recusam até mesmo entender que é o capital o responsável pela degradação ambiental, apesar da realidade confirmar o marxismo.

    É como se estivéssemos nos aproximando do abismo e, quanto mais perto, mais aceleramos o passo rumo a ele. O futuro me parece muito sobrio.

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