A América de Bolsonaro, por Rogério Mattos

Um legítimo levante popular surge no horizonte. Dessa vez e ao contrário dos EUA, com um "salvador da pátria" caído em desgraça

 

Os problemas com a General Motors e com a Ford no Brasil apontam para uma americanização de nossa economia, ou seja, a uma perspectiva fora das alternativas construídas ao redor dos BRICS e das parcerias com a proposta da Nova Rota da Seda chinesa. Nossa economia passou a emular meticulosamente o que ocorre atualmente nos EUA, como demonstra o caso da indústria automobilística americana. Investimento de longo prazo em infraestrutura, tecnologia e a criação de milhões de novos empregos estão bem longe da agenda brasileira e, há décadas, da agenda americana. A seguir assim, não veremos mais o embate contra Bolsonaro atualmente protagonizado pelas elites, STF e mídia na dianteira. Um levante popular surge no horizonte.

Num recente artigo para a Executive Intelligence Review, Bill Roberts analisa a situação atual da indústria norte-americana, em especial o seu setor automotivo. Em 1953, 53% dos empregos nos EUA eram no setor industrial. Hoje, não passa de 8%. A participação da indústria na economia americana em 1955 era de 28%. Hoje não passa de 12%, além do país ter perdido mais de 5 milhões de trabalhadores industriais e o salário real no setor não sofrer aumento real desde 1999.

O caso atual do anúncio da General Motors de fechar boa parte de suas plantas industriais em Ohio, reeditando o que ocorreu tempos atrás com a antiga cidade industrial de Detroit, faz parte do contexto geral da crise de 2008. As empresas não criaram planos para sua viabilização na economia real. Depois da crise e com o apoio dos empréstimos a juros negativos feitos pelos governos do EUA e da União Europeia (e depois os vira-latas querem falar do nosso BNDES), tornaram-se de fato empresas virtuais, mais preocupadas com seus ganhos nas bolsas de valores do que em ganhos reais. Todos saem perdendo.

É tudo tão inacreditável que o valor da estrutura física da Ford, por exemplo, que ganha muito na especulação a cada ano, é inferior ao valor da estrutura física da companhia de carros elétricos Tesla. Os americanos esqueceram que boa parcela da superioridade que alcançaram em relação a União Soviética durante a corrida espacial se deveu a contratos feitos com a Chrysler em parceria com a NASA, num trabalho conjunto com as forças aéreas do país.

Hoje é uma vergonha se dizer um operário nos EUA. Logo ali que ser um trabalhador industrial qualificado representava a maior parte da boa qualidade de vida do americano. Hoje um trabalhador industrial ganha de 16 a 20 dólares por hora nas fábricas. Não haveria “lunático que se arrisque a sonhar com algo do gênero”.

Ainda no artigo mencionado, Bill Roberts narra um caso do cotidiano estadunidense: logo após as eleições para o Congresso americano, Tucker Carlson, comentarista da Fox News, criticava o Partido Republicano nos seguintes termos: os republicanos esquecem que a maior parte dos americanos não pagam os impostos federais. Na maioria dos casos eles não se importam com a pauta de “corte de impostos”, tampouco avaliam a economia em termos de valor de mercado ou PIB. O que importa a eles é quanto vai custar a gasolina ou o que será da vida deles se ficarem doentes. Segundo Carlson, essas seriam as razões pelas quais os republicanos perderam as eleições.

Com a recente americanização do Brasil iniciada com o lançamento da Ponte para o Futuro e que agora ganha contornos nitidamente teratológicos, os trabalhadores daqui tendem a pensar exatamente como os de lá: se ficarem doentes, com a Nova Previdência sua vida acabará; não só o custo dos preços do combustível – que já causou a greve que colocou uma pá de cal no governo Temer e que pode voltar – mas o aumento do custo de vida de um modo geral devido ao desemprego, à informalidade e a queda generalizada da renda das famílias, podem levar, à americana, a não mais uma luta entre as elites como vemos agora contra Bolsonaro (STF e mídia na dianteira). Um legítimo levante popular surge no horizonte. Dessa vez e ao contrário dos EUA, com um “salvador da pátria” caído em desgraça.

Redação

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