A anomia dos conselhos superiores é a parte mais vulnerável do Ministério Público

Nicolao Dino é um procurador exemplar. Subprocurador do Ministério Público Federal, membro do Conselho Superior do Ministério Público, já foi subprocurador eleitoral, pontuou na lista tríplice e teve a grandeza de retirar sua candidatura em eleição recente, para não contribuir para a polarização da categoria. É um quadro por excelência do Ministério Público Federal.

Por isso mesmo, foi significativa a entrevista que me concedeu ontem, na TV GGN 20 horas. Por ela, fica claro a absoluta impossibilidade do MPF exercer qualquer forma de auto-regulação. O corporativismo é muito entranhado na corporação para se acreditar na capacidade do órgão de coibir os abusos dos seus.

Os abusos da Lava Jato são evidentes. Pode-se desconsiderar o conteúdo da Vazajato para fins penais, mas jamais ignorar seu impacto. Ora, se aparece uma conversa do responsável pela cooperação internacional alertando Deltan Dallagnol que determinado procedimento é ilegal, e não é ouvido, qual seria o comportamento óbvio de uma corporação saudável? Investigar.

Mas como explicar que o julgamento de um episódio relativamente simples – a história do Power Point de Deltan Dallagnol – tenha sido postergado quarenta vezes? A visão dominante nos Conselhos Superiores é que qualquer decisão contrária à Lava Jato significaria enfraquecimento da corporação. É o primado básico do sentimento corporativista, que compromete profundamente qualquer ideia de auto-regulação.

Mais que isso, uma das atribuições do Ministério Publico é o controle externo da atividade policial. Está em andamento uma ofensiva do governo federal, do Ministro da Justiça André Mendonça, transformando a Polícia Federal em uma polícia politica, com ofensiva sobre governadores, invasão de residências, show midiático. Como se comporta o MPF? Não se trata mais de intervenções pontuais de delegados, mas de uma ofensiva institucional. Institucionalmente, como se comportará o MPF através de seus conselhos e câmaras?

Há dois casos emblemáticos dessa anomia dos Conselhos Superiores em relação à sua responsabilidade de auto-regulação. O primeiro, o caso do Power Point, de Deltan Dallagnol. O segundo, o caso Diogo Castor, o procurador que pagou um outdoor em defesa da Lava Jato.

O artigo 244 da Lei complementar 75, a chamada Lei Orgânica do Ministério Público, estipula um prazo de prescrição de um ano para falta punível com advertência ou censura; em dois anos a falta punível com suspensão; e em quatro anos a falta punível com demissão e cassação de aposentadoria,

A denúncia sobre o episódio do Power Point foi apresentado ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em 15 de setembro de 2016. O julgamento foi adiado por quarenta vezes, prazo suficiente até para prescrição de crimes mais graves. O CNMP é formado por representantes de vários poderes, com a incumbência expressa de ser o órgão de controle do MP.

O caso Diogo Castor é pior. Castor bancou o pagamento de um outdoor em defesa da Lava Jato usando o CPF de terceiros, um crime claro de estelionato, requerendo, no mínimo, uma denúncia por improbidade. Vai prescrever sem a manifestação sequer dos conselhos superiores do Ministério Público Federal.

O ex-PGR Rodrigo Janot embarcou de cabeça na Lava Jato e nas demonstrações de poder e expôs o Ministério Público, abrindo espaço para futuras leis contra abuso de poder. Ao não punir seus faltosos, a pretexto de defender a corporação, os conselhos superiores estão enfraquecendo a instituição, expondo-a ainda mais não aos críticos, que procuram seu aprimoramento, mas aos adversários, que buscam a extinção de suas prerrogativas.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Por que a organização criminosa lavajateira de Curitiba, mafiosa e não apenas corporativa, deixaria a cargo de 1 único membro - Diogo Castor - o custo do outdoor? Não seria quase obrigatório supor que foi feita uma vaquinha entre bandidos e o Diogo foi apenas o otário que deixou pegadas no crime? E que o pateta Diogo, já mentalmente desequilibrado, pediu ou "foi pedido" pra sair e foi "inocentado" pela corporação para não abrir o bico, mexer na merda seca (como disse um infame lavajateiro) e entregar a quadrilha toda? Por que o "laranja" que "pagou" o outdoor foi escolhido na igreja evangélica do Deltan Dallagnol? Mera coincidência?

  • Ditadura de Federações. 90 anos de NecroPolítica. Alguns ainda tentam tratar isto como novidade. Pobre país rico. Como sera que chegamos até aqui? Mas de muito fácil explicação.

  • Tem alguma instituição do estado que não seja podre no reino da Dinamarca?
    Este reino que não tem solidariedade e piedade para as milhares de almas desaparecidas quotidianamente, não foi não é e nunca será uma nação, somente uma pátria armada.
    Não falhamos como Nação, nunca fomos Nação até agora, mas como a esperança é a ultima que morre...

  • Extinção desses conselhos e controle popular...... idiotice foi dar status de membro de poder, deveriam ser enquadrados como funcionários públicos, que são.... membro de poder só os ministros do stf, que já seria muito....

  • Pergunte para qualquer pessoa que ganha um salário mínimo se ele confia na polícia e no judiciário? Na imensa maioria dos casos vão ouvir um ruidoso ou até um discreto NÃO.
    Agora o que tem isso com o artigo? Tudo, pois todos os órgãos vinculados ao executivo, ao judiciário e esse bicho de várias cabeças, que se chama Ministério Público, tem um problema de origem, eles investigam, fiscalizam, julgam todos, inclusive membros do executivo de baixa patente e membros do judiciário e não são investigados, fiscalizados e muito menos julgados por um poder que venha do POVO.
    Eu insisto sempre, jamais pouvoir and puissance, propôs o judiciário como um poder autônomo, mas sim com algo com o capacidade de julgar delegado por outro poder.
    O grande erro de todos é devido a um problema da tradução/interpretação, em Francês (como em português) a uma diferença entre potencia (puissance) e poder (pouvoir), ou seja, em inglês quando se traduz geralmente se traduz ambas as expressões no contexto de organização política como - power - que traduzido corretamente para o português ficaria "poder de" e não "poder". Montesquieu deixa claro que as leis deverão ser fixas, sem alteração ao longo de um julgamento e que esse poder de julgar deve ser conferido ou pelo executivo ou pelo legislativo, os dois poderes que existem na realidade, que em sistemas republicanos provém do POVO.
    Como o judiciário não é eleito (nos USA é) ele deve necessariamente ser tutelado pelo poder popular e nunca como um poder independente. (vide http://dictionnaire-montesquieu.ens-lyon.fr/en/article/1376427308/fr/)

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