A autocrítica é valiosa para planejar o futuro, por Roberto Carvalho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Ilustração Portal Vermelho

A autocrítica é valiosa para planejar o futuro

por Roberto Carvalho

Tempo de guerra não é o melhor momento para fazer autocritica. Entretanto, a avaliação do passado sempre é útil, para planejar o futuro. E no calor dessa guerra hibrida, que plantou uma primavera colorida no Brasil, é fundamental debater a melhor estratégia para virar o jogo que o país está perdendo.

Quando eu digo que o Brasil é que está perdendo essa guerra, quero dizer que as vítimas da derrota não são somente os pobres, penalizados com o desemprego, a precarização do trabalho, o aumento da miséria e a fome.

A classe média, que apoiou alegremente as micaretas que antecederam o golpe do impeachment e bateu panelas, também está sendo penalizada. Pesquisa recente do IBOPE indicou que a tendência de elevação da renda foi revertida, inclusive nos estratos mais altos da sociedade, com a saída de milhões de famílias das classes A e B.

Qualquer pessoa que analise com um mínimo de isenção vai perceber que a vida piorou para os brasileiros – inclusive na sua própria família. Programas que atendiam a classe média estão sendo extintos ou são piorados.

Alguns exemplos são a redução do crédito; contratos mais perversos com os planos de saúde; dificuldade de obter o financiamento estudantil; aumento da gasolina; carga abusiva dos juros reais nos bancos e cartões de crédito; eliminação dos projetos que facilitavam a aquisição de casas próprias; fim do programa ciência sem fronteiras, que enviou milhões de jovens da graduação universitária, para cumprir um período de estudo em países avançados.

Isso significa que o golpe somente beneficia quem é muito rico, aos bancos, agiotas e rentistas associados ao sistema financeiro sediado em Wall Street e na City de Londres. Aqui no Brasil, menos de 1% da população é beneficiada – e muito com o golpe.

Não há mais a menor dúvida de que os botões que manejaram os comandos do golpe estão fora do pais e atuaram para estancar a fulminante ascensão do Brasil, que em 2010 foi o terceiro país que mais cresceu no mundo, registrando 7,5% de crescimento do PIB. A lista dos cinco PIB’s que mais cresceram é essa: China; Índia, Brasil, Argentina e Turquia. Coincidentemente todos esses cinco países enfrentam sérios problemas de naturezas distintas, todos provocados por movimentação estrangeira.

Mas esse não é o assunto desse texto, portanto vamos voltar ao tema em outro momento.

O assunto aqui é autocritica.

Estamos às vésperas de uma eleição que pode definir os rumos do Brasil e de Minas Gerais. As próximas eleições ocorrem em um ambiente dificílimo, com o país submetido a um golpe que instalou no poder um regime de exceção. O símbolo maior desse momento dramático é a prisão do presidente Lula, mesmo ele sendo comprovadamente inocente.

Em Minas Gerais parte da esquerda ataca o governador Fernando Pimentel injustamente. Os ataques reclamam das dificuldades do governo, sem aparentemente entender que o governador recebeu o estado pilhado pelo governo anterior – Aécio/Anastasia – e quebrado, com um rombo de impressionantes R$ 8 bilhões.

Se administrar nessas condições já seria difícil, o governador Fernando Pimentel ainda teve que enfrentar a perseguição jurídica-policial articulada pelo aecismo; a chantagem permanente dos “aliados” emedebistas na Assembleia Legislativa e o boicote de Brasília, controlada pelos golpistas.

Tendo que “pisar em ovos” durante todo o seu mandato, o governador conseguiu manter Minas relativamente afastada da crise nacional e distante da situação de desorganização a que chegaram todos os estados do Sudeste, como o Rio de Janeiro, o Espírito Santo, mas também São Paulo – a mídia esconde, mas os paulistas padecem profunda crise na saúde, têm escolas fechadas, assistem o declínio de sua economia produtiva, mergulham no desespero do desemprego e a população vive sob constante ameaça devido à perda do controle da criminalidade.

Então muitos de nossos companheiros da esquerda criticam o governador pela aliança com o PMDB, esquecendo-se de que essa aproximação foi uma determinação nacional do PT. O PMDB entrou para a aliança nacional desde a metade do primeiro mandato de Lula, sendo articulada pelo próprio presidente e as principais lideranças do PT.

Portanto, o problema não é a aliança em si. Quando ela foi estabelecida era uma decisão estratégica de deu aos governos Lula e Dilma condições de realizar uma série de benefícios para o povo brasileiro.

O problema é que o PMBD trai.

Vários fatores levaram à traição, principalmente a fome por dinheiro e poder. Porém, esse também não é o assunto desse texto, voltaremos ao tema em outro momento.

Aqui em Minas Gerais muitos companheiros da esquerda alegam que o inicio dessas alianças tortas aconteceu no acordo com o aecismo, para apoiar Márcio Lacerda.

Ai entra a questão da nossa autocritica, pois participei ativamente do processo e foi vice, na chapa para a prefeitura.

É importante frisar que a aliança com o aecismo não foi uma criação mineira, mas sim parte de uma estratégia nacional, definida pelo comando do PT e do governo Lula – que gerou os neologismos Lulécio e Dimasia. A ideia dos mentores dessa estratégia era neutralizar na prática a campanha Serra e Alkmin em Minas Gerais.

Hoje questiono se isso seria necessário – provavelmente Lula e Dilma venceriam aqui, mesmo sem essa aliança branca. Entretanto o aecismo enganou bem (e durante muito tempo) o comando do PT em Brasília e São Paulo.

Aqui já começamos a ver fissuras nessa aliança bem mais cedo. Tenho orgulho pessoal de ter sido a primeira pessoa do PT a perceber que Márcio Lacerda não caminhava com o campo popular e democrático, mesmo tendo uma história digna como militante da luta armada contra a ditadura. Como sabemos, ele foi preso pela ditadura com Dilma e Pimentel.

Essas referências do passado enganaram muita gente. Mas logo que sentou na cadeira de prefeito, o Márcio Lacerda de hoje começou a aparecer. É uma figura muito diferente daquele jovem militante que acreditava em um mundo melhor.

Como prefeito ele revelou que se afastaria da linha popular e desenvolvimentista, que vinha orientando a prefeitura de Belo Horizonte desde que Patrús Ananias venceu as eleições em 1992, para governar para os ricos controladores da especulação imobiliária e os barões dos transportes.

Percebi isso logo nos primeiros dias do governo e entrei em linha de colisão, mesmo contra a opinião de muitos companheiros da esquerda de Minas Gerais e do Brasil. O questionamento ao abandono da linha popular e desenvolvimentista da prefeitura, que fizemos ao prefeito, provocou o racha e a expulsão dos petistas do governo municipal.

O racha na prefeitura de Belo Horizonte foi provavelmente o primeiro sinal de que as alianças com os políticos conservadores eram um erro.

Porém, essas alianças formais (com o PMDB a nível nacional), ou informais, como a que gerou o conceito Dilmasia, continuaram existindo até a novela das traições em série que começaram a ocorrer. Primeiro com o aecismo revelando despudoradamente sua intimidade perversa e criminosa, depois quando o PMDB assumiu explicitamente o golpe e foi o seu principal instrumento institucional.

Até esses fatos se tornarem visíveis, as relações do presidente Lula com o criminoso Aécio eram cordiais e a impressão que Dilma tinha sobre ele é que era um menino bobo e despreparado. Mas ela não imaginava que o aecismo fosse uma máquina tão vigorosa e organizada para surrupiar o erário público.

Sobre o PMBD, mesmo quando o partido já estava profundamente envolvido com o golpe, Dilma e Lula não percebiam isso e a presidente chegou a indicar Michel Temer, para ser o seu coordenador do relacionamento com o Congresso Federal.

Hoje todos conhecemos essa história, mas durante muito tempo as lideranças da esquerda consideravam que o sistema político brasileiro e a fragmentação do Congresso Nacional exigiam essas alianças, para viabilizar o governo nos marcos da democracia. Agora faríamos diferente, mas isso ocorreria porque vivemos a frustração de uma história muito recente para nos ensinar.

Virada do jogo para ganhar a guerra

Não tenho dúvidas de que o campo democrático, popular, desenvolvimentista e soberano vai virar o jogo, pois o avanço civilizatório, que é inexorável, nos favorece e também porque o golpe está fazendo tão mal ao Brasil, que não irá se sustentar.

Quando o jogo virar, nosso campo terá valiosas lições históricas para nos orientar.

Esse aprendizado será fundamental no plano nacional, mas também em Minas Gerais, onde uma vitória do governador Fernando Pimentel permitirá a ele redesenhar sua base política e sua orientação de governo. Assim Pimentel poderá governar de acordo com o seu verdadeiro projeto, sem temer sabotagem, chantagem ou traição.

Roberto Carvalho, administrador de empresas, ex-dirigente sindical, ex-deputado estadual e ex-vice prefeito de Belo Horizonte.
 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. A questão é,como o jogo vai
    A questão é,como o jogo vai mudar nesta perspectiva política onde forças oponentes vivem separadas por um fosso de discórdia ideológica hoje de difícil rearrumacão nos moldes de 2002. Neste interregno até as eleições muitas fraturas de toda ordem deixaram os ânimos exaltados na cobiça pelo poder.Um verdadeiro saco de gatos.A governabilidade depende da vontade da maioria, e é aí onde porca torce o rabo.Mas é esperar pois o poder sempre corrompe corações e mentes.

  2. Concordo com a essência do

    Concordo com a essência do texto.

    Não se pode fazer alianças com quem é assumidamente traíra. É imperativo contruir novas e mais sólidas alianças.

    Porém, não existe política sem “sabotagem, chantagem ou traição”. Infelizmente esse lado escuro dos seres humanos sempre existiu e sempre existirá. Deve ser combatido, mas não se pode achar que ele um dia deixará de existir, ou seja, que é possível construir alianças e fazer política sem esses três elementos do mal. É preciso sempre considerar essas variáveis em qualquer aliança.

  3. A coisa+ difícil é fazer autocrítica (só tem valor a pública )

    comparando com a Psicanálise, só uma longa terapia e com um bom (e raríssimo psicanalista) é que aos poucos nos vêm à tona algumas limitações, defeitos e tudo o que (autocensura) tá bem escondido no Inconsciente e que faz bem manter oculto. Um dos patidos, senão todos, foge da autocrítica como o diabo foge da cruz, sob argumentos, p. ex., de que “crítica e autocrítica” é coisa stalinista (aí se irmanam os ditos não-stalinistas com trotskistas e afins). Não vale entre 4 paredes, em reuniões fechadas, cujos resultados deu no que deu. Só não vê quem se deixou levar pela propaganda das Direções e afins.

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