A baranga inesquecível e o promotor irrelevante

O episódio envolvendo o promotor Jorge Marum http://www.revistaforum.com.br/blog/2015/10/promotor-chama-simone-de-beauvoir-de-baranga-francesa/ é tão ridículo que resolvi escrever algo pseudo existencialista em sua homenagem.

Era uma vez uma autora que escreveu dezenas de livros, alguns dos quais se tornaram obras tão importantes que foram traduzidos, lidos, citados, comentados, discutidos e reverenciados em diversos de países. Ela foi uma bela mulher, recebeu vários prêmios literários importantes e continuou sendo uma referência na sua área de estudo por décadas depois de sua morte.

Em Zilbra, país distante que já havia demolido os castros patriarcais coloniais, os livros daquela mulher já eram publicados há décadas. Ela nunca foi atacada, depreciada ou considerada perigosa até referida num vestibular. Quando isto ocorreu, a escritora passou a ser odiada como se fosse uma agente subversiva. Pastores clamaram pela proibição de seus livros, jornalistas questionaram a necessidade da discussão de suas obras no vestibular e um promotor a chamou de baranga.

Curioso este país chamado Zilbra. A censura nele é proibida, mas os censores já se multiplicam como se fossem as pulgas pestilentas que devastaram a Europa no século XIV. A mentalidade dos pastores é obscurantista e medieval, como se o protestantismo não tivesse questionado justamente isto quando nasceu. Os jornalistas já não leem livros que questionam a barbárie do machismo e se esforçam para transformar a violência em princípio civilizatório. E há promotores que condenam escritoras e ideologias, muito embora o Direito Penal não se ocupe de ambos desde que a nova constituição foi promulgada.

O caso do promotor que chamou a escritora de baranga é curioso. É evidente que ele não leu as obras dela. Se leu, provavelmente não entendeu o que ela tinha a dizer e por isto se limitou a fazer um ataque pessoal. Se entendeu o que leu e não gostou ele deveria ao menos respeitar a legislação de Zilbra, país que proíbe a censura e garante liberdade de consciência e de expressão a todos os cidadãos.

O que realmente deseja o promotor que condenou a livre circulação das teorias e dos livros da escritora que ele chamou de baranga? Revogar a lei que ele é obrigado a defender? Ganhar notoriedade para se candidatar a vereador? Realçar o valor dos embolorados alfarrábios de Direito que ele foi obrigado a decorar para poder passar num concurso público? Estas são perguntas que ficarão sem respostas. Goste ou não o promotor a escritora ofendida continuará a ser publicada, lida, comentada e discutida dentro e fora de Zilbra e o seu adversário afundará no anonimato depois de ter tido 15 segundos de fama.

Sobre a escritora há um excelente documentário na internet http://filosofiaemvideo.com.br/simone-de-beauvoir-uma-mulher-actual-simone-de-beauvoir-une-femme-actuelle-2008/. Sobre o promotor sedento de fama bem pouco pode ser dito. Quem é mesmo o tal?

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. A má formação determina a inclinação

    Em uma postagem do Facebook, há pouco, me deparei com a seguinte questão:

    “Um promotor de justiça de Sorocaba, Jorge Marum, comentando a prova do ENEM, chama Simone de Beauvoir de “baranga francesa”. Por vezes, me pergunto de que lugar sai uma criatura assim: machista, misógino, imbecil, cretino, “sem noção”, ignorante, tudo isso junto e misturado”.

    Minha intervenção foi esta:

    “Saiu das escolas amputadas pela LDB dos militares e da escola de Direito que privilegiou o ensino reprodutor de teses e teorias conservadoras que impedem o questionamento crítico…”.

    A retirada de disciplinas do currículo comum do ensino fundamental e médio, voltadas para uma “iniciação” ao pensamento crítico, a Sociologia e a Filosofia, foi decisiva para preparar o indivíduo, que somente contava com a informação fornecida pelos bancos escolares, a aceitar padrões e cânones imprestáveis aos questionamentos ontognoseológicos, adiante em sua vida escolar, bem como para repeti-los, sem questionamento crítico, suficientes para a aprovação em concurso público, embora imprestáveis para estabelecer juízo de valor sobre pensadores e suas obras…

    Ele deve ser cultor do “achismo”, algo tão comum nos tempos que correm aqui, reservando-nos o pior dos futuros: a ignorância e a cegueira intelectual…

    Pobre de nós, pois os céus desabarão sobre nossas cabeças…

     

     

     

    1. Creio que o problema é outro.

      Creio que o problema é outro. Pela foto divulgada, o tal é mais jovem que nós dois. Ele deve ter feito Direito nos anos 1990, sob a vigência da CF/88. Creio que ele tomou conhecimento da discussão levantada por alguns pastores idiotas (Malafaia e outros) e  imaginou que o caso lhe proporcionaria uma oportunidade para ganhar 15 segundos de notoriedade. Ele não é uma viúva da Ditadura. É apenas mais um promotor caipira que quer fazer bonito, que adeiru à “sociedade do espetáculo” e realmente deu um espetáculo… lamantável de cretinice.   

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