A barbárie Doriana contra a cultura de SP

Dia 27 de março estive no início do protesto da classe artística paulistana, em frente o Teatro Municipal de São Paulo. Protestavam contra o corte absurdo de verbas da cultura (apesar dos R$ 6 bilhões em caixa deixados pelo Haddad), da interrupção dos programas se introdução e estímulo artístico a crianças e jovens, o PIÁ e o Vocacional, e ao atropelo da lei ao alterar o edital de fomento à dança, um verdadeiro descalabro (para usar o termo que a mídia publicitária adora) com a cultura paulistana em meros três meses, perpetrado pelo grileiro de terras gourmet, lobbysta e garoto propaganda full-time, João Doria Júnior, e seu secretário de cultura, o dono de cinema que vive às custas do Estado (o Cine Caixa Belas Artes, R$ 40 reais pra entrar), André Sturm.
Um primeiro ponto que chama a atenção nesse imbróglio é a forma como o tucano se apoderou da máquina pública: motivado pelo golpe de 2016, que implementou uma ditadura no Brasil que queremos crer provisória; por uma imprensa que atua como agência de propaganda, e por uma concepção de que vencedor de eleição ganha carta branca para fazer o que bem entender, à revelia da população, Doria Jr age como se fosse o dono da prefeitura, e não seu ocupante, e sendo boss, espera de todos – funcionários e população – a aceitação passiva e submissa de suas ordens. O gestor que não é político mas vive da política tem sofrido em descobrir que política não se faz só nos conchavos partidários, e sim no dia a dia.
No protesto, o que me saltou aos olhos foi o discurso proferido pelas grades e policiais que cercaram o Teatro Municipal, para proteger o patrimônio artístico dos artistas.
Há primeiro um discurso de provocação: os sete mil artistas presentes no ato não são “artistas de verdade”, que mereçam acesso ao mais tradicional teatro da cidade. Em mais de uma situação Doria Jr deixou claro que arte, para ele, não pode trazer qualquer contestação a sua figura ou dos seus companheiros: isso seria propaganda política, petismo, isto é, crime – a mesma lógica seguida por Sérgio Moro para definir o que é jornalista, o que é notícia, o que panfleto partidário petista, portanto, criminoso. Uma cidade que barra o teatro aos seus próprios artistas é uma cidade que abdicou da arte em favor da propaganda (e não é de se surpreender se em breve não abrirá suas bibliotecas para a queima de livros de autores degenerados/petistas/esquerdistas).
O segundo discurso é para o público exterior, aquele que nunca freqüenta o Municipal ou qualquer teatro, porque não se acha inteligente o suficiente (disfarçado sob o argumento de que teatro é chato), ou porque não tem dinheiro, ou por se sentir inibido de frequentar um lugar onde só há negros e periféricos como serviçais. Nesse discurso, Doria Jr tenta reforçar seu mantra de ódio e violência, ao insistir na retórica do medo do “caos”: os artistas, esses esquerdistas que mamam na teta do Estado em troca de ações gratuitas na periferia, são perigosos, são violentos, são “fascistas” (como disse o próprio Sturm, indignado de não ser obedecido bovinamente, como fazem seus funcionários temerosos de perder o emprego), e estão dispostos a destruir o patrimônio público se o prefeito e a polícia não intervierem.
Doria acha que por ter a grande imprensa publicitária fechada com ele, pode tratorar autoritariamente as leis e a sociedade civil. Não percebeu que o fôlego da pós-verdade que o elegeu lentamente se esvai – como comprovaram as manifestações de 26 de março dos seus partidários, que juntaram, em São Paulo, menos gente que o samba de Santa Cecília ou do Bixiga. Ao mexer com a classe artística e classe média, o grileiro de terras gourmet queima pontes do seu partido com setores importantes da sociedade, e ingenuamente crê ser capaz de domesticar ou aniquilar a arte – pois ele sabe do seu perigo, como comentei em minha última crônica.
A falta de tato do prefeito conseguiu a proeza de unir uma classe afeita a disputas mil em torno de picuinhas mínimas (motivadas, não raro, por egos máximos). A questão é se a classe artística conseguirá manter a mobilização e angariar apoio da população, e se, a partir disso, é capaz de ir além de uma postura reativa e conseguir se impôr e impôr avanços na forma como a arte e a cultura são tratados pelo Estado e pela “opinião pública” (leia-se Grande Imprensa publicitária). Vivemos tempos sombrios, mas a mobilização dos artistas de São Paulo dá alguma esperança de não apenas reverter a marcha em curso do nazi-fascista tupiniquim (o “finanfascismo” do século XXI) no curto prazo, como trazer avanços democráticos no médio prazo.

29 de março de 2017
PS: ainda não entendo o porquê de não haver um movimento de boicote ao estabelecimento do senhor Sturrm, ou ao menos panfletagem intensiva na porta do seu cinema. Esses gestores que não são políticos (ainda que lucrem muito com a política) costumam se condoer de qualquer causa quando lhes cutucam o bolso.

Redação

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