A Bomba demográfica brasileira. Teoria da estabilidade de sistemas dinâmicos. Há alguma correlação?

A Bomba demográfica brasileira. Teoria da estabilidade de sistemas dinâmicos. Há alguma correlação?

Conforme já escrevi há quase um ano em :“Demografia brasileira, um item pouco lembrado em análise da capacidade de mobilização” a variação da demografia brasileira no último meio século foi realmente um fato que poucas pessoas se dão conta, na ausência do grande geógrafo brasileiro, Milton Santos, que se interessou e trabalhou no seu livro “Urbanização do Brasil”, pouco se tem escrito em termos de análise global do processo de urbanização do país e as influências sociais e culturais que levaram este processo.

Nos dias atuais, mesmo pessoas situadas bem mais a esquerda ficam surpresas com o que ocorreu no Espírito Santo, e se atém aos fatos ligados ao movimento paredista da Polícia Militar do estado e deixam passar de longe algo bem mais notável que foram os saques ocorridos naquele que era considerado um dos estados mais controlados no país.

Só através de vídeos caseiros que se encontram nas redes sociais é possível ver a extensão e caracterização deste movimento aparentemente anárquicos e sem diretriz política definida. Porém a visualização dos fatos, a correta análise dos testemunhos, parece mostrar características mais importantes do que se tem relatado.

Nas décadas anteriores de 60 do século passado, saques na região nordeste eram comuns, porém era claramente de saqueadores famélicos que avançavam sobre depósitos de alimentos numa opção única, saquear ou ver a sua família morrer. Estes eram os saques do Brasil anterior a 1964, os saques de uma população oprimida e na beira da morte, saques de uma população tipicamente rural.

A repressão durante esta época e a ideologia católica que era a dominante levava a população a reagir somente em situação de crise alimentar profunda, pois os laços culturais com a ideologia dominante da época eram extremamente fortes e a doutrinação quanto à aceitação da existência da grande propriedade no meio rural era quase que algo considerado como sagrado.

Com a urbanização acelerada, mais uma migração desordenada do que algo proposto pelo governo da época levou estes filhos e netos dos saqueadores famélicos da décadas anteriores para as grandes cidades, sendo que até um representante deste povo foi eleito presidente da república.

A imagem de um homem do povo, um migrante da fome do nordeste, criou no imaginário popular uma nova iconografia de um líder igual aos mesmos que ascendeu à posição máxima da república.

Por idiossincrasias das classes dominantes, esta nova iconografia do poder se transformou em algo extremamente desagradável, pois parte dos descendentes das oligarquias rurais que migraram também para a grande cidade conservaram na memória e na prática domiciliar uma relação atrasada em termos de relacionamento social com as classes dominadas que perdura até os dias atuais. Agregando a estes recém-chegados das oligarquias rurais temos os representantes das oligarquias urbanas, que seguem os mesmos padrões de relação entre classes que herdaram de seus antecessores do Brasil escravocrata urbano.

A queda da nova iconografia popular, substituída por um governo que parece mais saído da república velha anterior a 1930 do que da sucessão de presidentes populistas e populares do pré 64, está baseada em aparentes novos paradigmas neoliberais que para um país em que a social democracia não perdurou por mais de uma década, não tem nada de neo o que quer que se agregue ao prefixo, é simplesmente um retorno ao liberalismo das relações entre os estados e população que existia no período pré-revolução de 30.

Tenta-se retornar de forma violenta ao passado como se fosse possível numa situação de crise mais grave do que ainda estamos, empregar as forças armadas para reprimir os movimentos sociais. Porém agora estamos dentro de outro cenário que talvez as interpretações políticas de esquerda tenham uma incapacidade total de interpretar.

Até 1964 o país vinha num processo de organização das classes operárias e camponesas que seguiam mais ou menos os processos históricos que já ocorreram em muitos países, a sociedade ainda dividida em rural e urbana organizava-se em sindicatos, ligas camponesas e mesmo partidos de esquerda que procuravam influenciar principalmente na massa de trabalhadores urbanos. Uma evolução disto, apesar de toda a violenta repressão dos governos militares, foi à formação do Partido dos Trabalhadores. O PT surgiu como uma frente de oposição, e como tal sem grande organização interna, que criou um condomínio de organizações, e a palavra condomínio é posta para definir o início do PT de forma proposital, pois tinha um pouco e não bem definido centralismo democrático que amarrava mais ao nível de campanhas eleitorais a sua coesão. Porém o PT nunca desenvolveu nenhuma diretiva própria como também nunca se definiu claramente o que era passando a mais confiar no culto à personalidade de seu líder e uma política errática de ação.

Porém o PT tinha o seu líder, como este diferentemente dos milhares de líderes de movimentos populares, jamais pensou em se perpetuar no poder e criar um discurso ideológico claro de onde vinha para onde desejava ir. Os programas do partido eram amis vinculados a ações mais ou menos erráticas de criar um substrato mínimo às classes trabalhadoras através de ações pontuais.

A ausência do líder quando do governo Dilma faz com que este perca grande parte do apoio popular, pois as ações erráticas levam a um período em que o discurso de melhora das condições básicas não é conseguido. A ausência destas ações pontuais de continuidade de programas sociais cria uma frustação da maioria da população destas, e como não havia uma ação programática baseada numa ideologia clara, não vendo o futuro adiante do seu dia a dia a população adere a quem baseada num emprego maciço da mídia lhe promete também benesses em curto prazo, mesmo que fique claro a uma parcela da população este não é o objetivo.

Este discurso de benesses mostra totalmente mentiroso em curto espaço de tempo, porém de forma diferente do pré 64 a sociedade não é organizada em grupos mais poderosos, e sim nucleada por um discurso de retribalização da sociedade na forma dos chamados coletivos. o poder desagregador destes coletivos impede uma ação unificada contra os que de forma maliciosa e mentirosa assumem o poder.

A confiança na desorganização da sociedade causada pela formação e confiança desta nas cibertribos não as leva a uma ação conjunta e unificada contra os que assumiram o poder simplesmente para retroceder os benefícios sociais a formas quase que pré-capitalistas modernas. Ou seja, sem medo de exagerar se tenta retroceder a condições escravocratas da sociedade.

O que dá confiança a este novo poder que na sua ótica tudo podem fazer, pois não há uma oposição com um mínimo de unidade, vai esbarrar num fator que poucos conhecem na teoria, mas já viram imensas manifestações na prática, o espontaneísmo das massas. Talvez a única referência credível deste espontaneísmo foi Rosa de Luxemburgo, que devido a sua adesão a isto sofreu violentas críticas de todos os grandes teóricos da época como Lenin e Trotsky que viam, no pouco que ela teorizou sobre o assunto mas sim na sua prática, algo que deveria ser criticado e abonado ao mesmo tempo.

Mas como dito, a teorização sobre os processos de revolta espontânea das massas seja algo pouco feito e mais criticado pelos grandes teóricos, talvez seja necessário falar não nas perspectivas revolucionárias de movimentos deste tipo, mas sim nas condições em que os mesmos podem ou não ocorrer. Rosa de Luxemburgo estava no meio de uma condição de sublevação e não num período que a permitisse uma análise clara e assente me princípios políticos que ela mesma acreditava.

Pois bem, se Rosa de Luxemburgo não conseguiu teorizar claramente sobre o processo não será qualquer um que faça isto com clareza que o assunto merece, porém parece importante fazer uma analogia entre movimentos sociais e movimentos físicos de sistemas também físicos. Não será nenhuma teoria que possa dizer exatamente de onde vem e para onde irão os processos, mas sim uma tentativa de conhecimento quando eles podem existir.

Partindo para a teoria dos sistemas dinâmicos, sabemos que qualquer sistema físico não rígido pode em determinadas situações deixar de se comportar como algo organizado e cair numa situação de instabilidade que vai procurar outro ponto de equilíbrio, não devemos confundir estes movimentos com movimentos ditos turbulentos, pois estes movimentos turbulentos são análogos a situações sociais que se vive em qualquer situação, de equilíbrio ou não. Numa sociedade temos sempre um grau de desorganização análogo a uma situação de turbulência de baixa intensidade, onde seus atores se movimentam conforme as condições de contorno que lhes são impostas e se for analisado sobre o ponto de vista macroscópico esta turbulência parece errática sem nenhuma tendência, porém se olharmos individualmente um grupo de indivíduos físicos ou sociais em movimento se vê que há um ordenamento nestes movimentos que seguem por determinado tempo as condições iniciais existentes, com o tempo a certeza da posição e movimento deste grupo de indivíduos ficam mais indeterminados e de difícil previsão, porém condições de contorno mais amplas sempre farão que eles andem mais ou menos da mesma forma em termos médios.

Porém quando temos um sistema dinâmico em que o número de graus de liberdade do mesmo propicie diferentes possibilidades de posições, posição estas que poderão retroalimentar a desordem do movimento pode cair num sistema instável. Esta instabilidade tem diversas ordens de ocorrência, se o sistema está bem restrito para que se saia de seu ponto de equilíbrio são necessárias grandes perturbações externas, porém à medida que se relaxa as condições de contorno, mais fácil é a desestabilização deste sistema, até o ponto em que mesmo uma perturbação mínima leva a sua instabilidade.

Trazendo a explicação física (simplificada e sem nenhum rigor matemático) para o meio social, pode-se dizer que sociedades em que suas medidas de freios e contra freios (em que se inclui também a repressão) são mais definidos e atuantes a possibilidade desta sociedade sair de seu atual ponto de equilíbrio é mínimo, à medida que vão se afrouxando não só a repressão literalmente falando, mas os princípios civis que regem esta sociedade começa-se a aproximar a possibilidade desta escapar deste ponto de equilíbrio e mais ou menos independente das novas condições existentes acharem outro ponto de equilíbrio.

Voltando a realidade brasileira, a massa encontra-se não só sem um novo paradigma para seguir, como também não confia nos atuais, e, além disto, suas condições objetivas de vida começam a ser pioradas, ou seja, não são massas famélicas como se tinha no passado, mas são massas sem freios e sem perspectiva, tudo isto colocado num pequeno espaço territorial devido ao alto grau de urbanização sem paralelo a qualquer grande ou médio país. Ou seja, as possibilidades de perturbações são infinitas e a possibilidade destas se propagarem para as regiões que a cercam também é de ordem muito alta.

Todos estes fatores criam o que denomino “a bomba demográfica brasileira” que fornece uma instabilidade ao sistema que se forçarem muito degenera até que se encontre uma nova condição de equilíbrio.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador