A carência é uma trava à ascensão, por Marcos Villas-Bôas

A carência é uma trava à ascensão

por Marcos Villas-Bôas

Vimos em texto anterior sobre o livre-arbítrio que a vida do espírito é um constante aprendizado. Quando se está na carne, sobretudo na Terra, um dos objetivos principais é aprender a viver num planeta dualista, tendo que comportar, como é típico das encarnações em planetas nesta fase, a dualidade espírito-matéria como uma das principais.

Em outras palavras, a vida na Terra é uma constante busca por transgredir as dualidades, por encontrar o equilíbrio em meio a elas dentro de cada situação e contexto, de modo que gozar da matéria sem se apegar a ela é um aspecto muito importante da aprendizagem. É preciso ser livre, viver, conhecer, deixando todas as possibilidades abertas.

Um dos principais adversários da aprendizagem que leva à ascensão são as limitações e ilusões criadas pela própria mente humana, que é moldada de acordo com as influências socioculturais a sua volta, definidas contundentemente pela educação. Como os indivíduos são ensinados a serem nacionalistas, estadistas, municipalistas, bairristas, “família”, apegados ao seu par, religiosos etc., terminam levando uma vida repleta de limitações e ilusões, que prejudica muito a sua aprendizagem.

A Transdisciplinaridade, uma linha filosófica transgressora de dualidades, já diz há décadas que somos parte e todo, que somos pertencentes a um subsistema, mas, ao mesmo tempo, ao todo. É preciso trabalhar esse tipo de visão que consegue comportar o pertencimento aos subsistemas e aos sistemas mais amplos concomitantemente, ou seja, ninguém é terráqueo, nem brasileiro, nem paulista, nem pauslitano, nem um Silva, nem católico etc. Todos apenas estão nessas condições. Todos são do cosmo.  

Se estamos todos ligados e se todos somos irmãos de jornada, como pensar que alguém da nossa família é mais importante do que alguém de fora dela? Como pensar que um brasileiro, por ser do meu país, deve ser favorecido em detrimento de um estrangeiro? Por que pensar que extraterrestres são necessariamente maus, se até na Terra, este planeta tão complicado, há indivíduos predominantemente bons?

A maioria das pessoas que passa pelo nosso caminho durante a encarnação são aqueles com os quais vivemos bem ou mal em vidas passadas. Muitas vezes, alguém que se julga um qualquer hoje foi um pai, uma mãe, um filho, um irmão em outra vida. A visão espiritualista profunda, portanto, expande muito mais os horizontes, tirando-nos de limitações dentro das quais muitos dos próprios espiritualistas ainda vivem.

Ao focar demais nas separações, no pertencimento a grupos, o indivíduo se separa dos demais. Além de fatores históricos e da tradição de pensamento formada no sentido de enxergar as coisas assim, há um elemento forte de carência aí. Segundo Joanna de Angelis, por meio da psicografia de Divaldo Franco:

“Apegos morais, emocionais, culturais, pessoais, a objetos, a raças, a grupos sociais, são as fugas do ego arbitrário, ambicioso e louco, responsável pelas disputas lamentáveis que, deterioradas, são os germes das guerras.

Esse estado psicológico, de transferência e projeção da sombra da personalidade imatura, é fruto da balbúrdia, dos interesses mesquinhos e múltiplos aos quais se aferra, desajustando-se diante da ordem, da natureza e da vida” (O Ser Consciente, p. 80).  

Muitos precisam se ver partes de grupos para se sentirem pertencentes, abraçados, amados. Isso decorre de um dos maiores males da humanidade, que é a falta de auto-amor e o afastamento de cada um do seu melhor.

Boa parte das tradições humanas diz que precisamos integrar um determinado grupo e lá crescer. Aqueles que não formam família são tidos por pouco amorosos, “baladeiros”, mal amados etc.; aqueles que não têm religião são tidos por maus, pouco espiritualizados; aqueles que não são nacionalistas são tidos por traidores; e assim por diante.

O indivíduo apenas é pleno quando ele faz o seu melhor, tomando decisões que lhe colocam em situações de realização, mas quantos não estão em relações amorosas ou fazendo parte de outros grupos por se sentirem na obrigação, por não terem coragem de mudar, por estarem iludidos por moralismos, por terem criado “falsas necessidades” para si ou por outra razão desequilibrada?

Como uma das principais leis do universo é a da afinidade, é muito comum que duas ou mais pessoas estejam numa vibração em dado momento, porém não estejam mais em momento seguinte. Por que é preciso se amarrar em relações ou em grupos mantendo-se ali quando frequentemente nem sequer há afinidade com aquelas pessoas? Simplesmente não faz sentido. É agir contra uma lei importante da natureza e, quando se faz isso, a natureza devolve algo que faça a pessoa aprender, causando, corriqueiramente, dor.

Se um dos principais objetivos da encarnação é aprender ao máximo e ensinar o máximo de pessoas; ao se limitar, o indivíduo ascende menos do que ele poderia. Não mantém todas as portas abertas, não experimenta, não escolhe o que lhe deixa no seu melhor, pois vive tentando cumprir supostas obrigações, “falsas necessidades” criadas por sei lá quem, que foram se espalhando ao longo séculos sem muito questionamento.

A literatura espiritualista insiste muito na tecla do auto-amor, que pode ser diferenciado do amor-próprio. Este pode ser definido como um amor mais egoísta, egocêntrico, que não é verdadeiramente amor, mas uma necessidade de estar no centro, de ter atenção, de ser melhor etc. Os nomes não são tão importantes, mas sim sabermos por meio deles com clareza do que estamos falando.

O amor-próprio, dentro dessa definição, é resultado das limitações e ilusões da mente humana, do ego. O auto-amor é o amor por si mesmo que se reflete em amor pelos demais. Alguma medida de egoísmo e de egocentrismo, portanto, não é ruim. O amor-próprio se manifesta quando isso se degenera.

O auto-amor é simplesmente amar a Deus acima de todas coisas e, portanto, amar a si mesmo como uma criação e uma parte de Deus, para, então, amar ao próximo como a si próprio, que é tão criação e parte de Deus como nós mesmos. Segundo Osho:

“A pessoa que não se ama não será capaz de amar ninguém, jamais. A primeira onda de amor tem que subir no seu coração. Se não subiu para você mesmo, não poderá subir para ninguém mais, porque todo mundo está mais distante de você” (O Livro do Ego, p. 232).  

Não há como amar o outro quando não se ama a si mesmo. Esse auto-amor é uma consideração equilibrada por si, é respeito pelos próprios defeitos, é serenidade perante quem se é, forte na tranquilidade de que tudo está caminhando para o melhor, de que está tudo sempre bem, de que todos estamos onde deveríamos estar.

Caminhar entendendo que está tudo bem não significa cair na preguiça e no marasmo, mas ter uma paz de espírito impenetrável ao mesmo tempo em que a inquietude é mostrada na ação efetiva para se fazer o seu melhor, para se melhorar e melhorar a vida do próximo.

Somente quem não tem auto-amor precisa competir, comparar-se a todo o tempo, querer superar o outro, e não a si mesmo. Esses terminam excessivamente críticos, desconfiados e agressivos, afastando aqueles a sua volta.

O brilhante livro “Rei, Guerreiro, Mago, Amante”, de Robert Moore e D. Gillete, explica bem os problemas psicológicos que ocorrem com o menino que não amadurece adequadamente ao se tornar adulto, tornando-se um homem-menino. Isso também vale para as mulheres.

Há diversos arquétipos que dominam a humanidade adulta hoje com lados sombra que causam grandes prejuízos por falta de autoconhecimento e de um trabalho mais profundo na psique. Isso leva frequentemente a uma falta de auto-amor. Vejamos, por exemplo, o arquétipo do sabichão, tão comum e evidente hoje nas redes sociais:

“O menino ou homem dominado pelo Sabichão faz muitos inimigos. Agride verbalmente os outros, a quem considera seus inferiores. Conseqüentemente, na escola primária poderá ser encontrado muitas vezes debaixo de uma pilha de garotos que o estão moendo de pancadas. Ele sai desses encontros com um olho roxo, porém com a inabalável convicção de sua própria superioridade. Num caso extremo que conhecemos, o menino Sabichão chegou a acreditar que era o Segundo Advento de Jesus Cristo. A única coisa que ele não conseguia entender era por que ninguém parecia reconhecê-lo” (p. 19).

Quantos indivíduos inteligentes não se perdem hoje por não conseguirem converter a inteligência em sabedoria, o que requer a experiência e o amor regendo cada sentimento, emoção, palavra ou ação? Sobretudo no meio espiritualista, quantos não pensam ser grandes missionários e, por conta disso, passam a ferir os demais?

Essa problemática pode se tornar frequente nesta fase com a sabida encarnação de muitos espíritos evoluídos. Se não for dada uma educação adequada a essas crianças, é muito provável que cresçam sabichões, com auto-amor pouco desenvolvido e, consequentemente, com pouco amor pelo próximo.

Auto-amor também não significa preguiça ou marasmo, mas uma resiliência ativa. O indivíduo continua buscando crescer, mas de uma forma bem mais tranquila e aberta, amando tudo, amando todos, sem se preocupar com pequenezas decorrentes de visões sectárias entre as pessoas e os grupos.

O auto-amor confere autoconfiança por conta da serenidade de saber que está sempre tudo bem e de que não se precisa provar nada a ninguém. O amor-próprio é exigente, crítico, competitivo, barulhento.

Mais uma vez, segundo Joanna de Angelis, psicografada por Divaldo Franco:

“À identificação segue-se o trabalho da transformação interior para melhor, utilizando-se dos instrumentos do auto-amor, da auto-estima, da oração que estimula a capacidade de discernimento, da relaxação que libera das tensões, da meditação que faculta o crescimento interior.

O auto-amor ensina-o a encontrar-se e desvela os potenciais de força íntima nele jacentes” (O Ser Consciente, p. 4).  

Observa-se que, nos mais diferentes âmbitos, a humanidade tem quase sempre agido com amor-próprio, com egoísmo e egocentrismo desequilibrados, e não com auto-amor refletido em amor incondicional por tudo e todos. Disputas entre países, povos, religiões, times de futebol, todo tipo de seitas, correntes acadêmicas e a lista é longa… são muito perniciosas para a ascensão de indivíduos e de grupos.

O apego a pessoas ou coisas, aquele apego a posses, desejos ou paixões, é reflexo da carência, normalmente ligada à falta de auto-amor. Ainda segundo Joanna de Angelis:

“No vasto quadro das enfermidades, a ausência do auto-amor do paciente responde pela desarmonia que o aflige. Nem sempre essa manifestação é consciente, estando instalada nos seus refolhos como forma de desrespeito, desconfiança e mágoa por si mesmo, defluentes das ações infelizes pretéritas.

Quando uma doença se instala no organismo físico há uma fissura no conjunto vibratório que o mantém. A mente deve então ser acionada de imediato para corrigir tal distúrbio, de modo a propiciar-se a saúde.

Quase sempre, porém, os tóxicos da ira, da rebeldia e do ressentimento são introjetados no organismo, agravando mais a paisagem afetada.

Quase sempre inseguro, o ser considera que não merece o que lhe ocorre agora e teme pelo agravamento do mal, que se lhe transforma em problema afugente, ao qual acrescenta os fantasmas da dúvida, do aturdimento, do desamor cultivado sob muitos disfarces” (O Ser Consciente, p. 64).

A falta de autoconhecimento e de trabalho duro no automelhoramento gera, como se nota, uma porção de enfermidades mentais e físicas. A pessoa pouco espiritualizada, ainda imatura, recai quase sempre em culpa ao perceber suas deficiências e na falta de auto-responsabilidade. Enche-se de orgulho, culpa tudo e todos a sua volta por suas dificuldades.

Com o auto-amor bem trabalhado, supre-se as carências e os apegos, gera-se autocompreensão e autoperdão, que tenderão a gerar muito mais compreensão e perdão para com o próximo, muitas vezes traduzidos pelo termo empatia, tão em falta na sociedade.

Não havendo, portanto, um sentimento de auto-amor bem entendido e trabalhado, a pessoa carente termina atravancando seu aprendizado, sua ascensão espiritual, perdendo-se em meio a sentimentos e emoções desequilibrados, que prejudicam a si e àqueles que estão a sua volta.

Recomenda-se o estudo da própria psique, a leitura de livros avançados sobre o tema, como aqueles aqui mencionados, e, se necessário, a busca de um profissional habilitado para guiar cada um ao longo desse processo.

 

 
Redação

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