Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A Ciência é a última resistência contra a onda conservadora em “Boy Erased”

O cancelamento da Universal Pictures em exibir o filme “Boy Erased – Uma Verdade Anulada” nos cinemas brasileiros, mesmo sob a justificativa comercial de baixa perspectiva de bilheteria, acendeu a suspeita de autocensura – numa atmosfera política atual pesada e conservadora, uma produção que contesta a chamada “cura gay” não seria conveniente para a distribuidora. Mas o filme “Boy Erased” levanta outra questão tão sombria quanto a “conversão gay”: o projeto “científico” que está por trás – reescrever a própria história da Ciência, assim como o nazismo tentou ao criar um bizarro mix Ciência, Religião e Ocultismo. Depois da economia (neoliberalismo pentecostal) e a política (a direita nacionalista), a Ciência (escolas e universidades) é a última resistência. Da “Terra Plana” à “cura gay”, hoje ridicularizados, agora necessitam do verniz “científico”. Por isso, “Boy Erased” dá um alerta em suas entrelinhas: a Ciência poderá ser reescrita pela Religião.

A Terra é oca e nós habitamos o seu interior. Somos iluminados por um Sol interno. Os astros no firmamento são blocos de gelos, cujos blocos (luas) caíram várias vezes sobre a Terra. Toda história da humanidade se explica pela batalha entre gelo e fogo. O gelo possui uma energia inesgotável, o “Vril”. O “homem novo” dominará essa energia e sofrerá uma mutação biológica, criando uma elite de semi-deuses. Portanto, toda a Física, Química, Cosmologia, Biologia, Medicina precisará ser reescrita. Uma nova Ciência para um “novo homem”.

Eram concepções que pretendiam fundir religião, ocultismo e ciência durante o nazismo. O objetivo de Hitler não era conquistar o mundo, mas sim reformular toda a Ciência e Conhecimento para que a humanidade ascendesse como uma super raça.

No início ridicularizados, Hitler e o nazismo impuseram a nova ordem da Guerra Total: o inimigo era um amplo arco, que ia dos Aliados nos campos de batalha à “ciência judaica e ateia degenerada” nas escolas e universidades.  O nazismo precisava fazer-se ciência para se justificar e tornar-se crível diante das massas.

Hoje, com os esforços para o retorno do nacionalismo de direita (EUA, Brasil e Europa), assistimos a um quadro cada vez mais semelhante ao passado: novamente, tentar reformular a Ciência a partir de antigas concepções míticas e religiosas – Terra Plana, Criacionismo, noção de raça e predisposição genética para o crime, homossexualidade e toda ideia de degeneração racial pela promiscuidade genética, entre outras no bestiário conservador – sobre isso clique aqui.

 

 

Mais uma vez, luminares como Olavo de Carvalho ou os inacreditáveis ministros do atual governo acreditam numa reavaliação de toda Ciência a partir da religião – Estado, Ciência e Religião finalmente unidos num regime Teocrático. Os inimigos (Globalização, marxistas etc.) são meros pretextos para derrubar a última fronteira: a separação Ciência e Religião.

Como o nazismo, tornar figuras, a princípio toscas e ridicularizadas pela comunidade acadêmico-científica, em pessoas críveis através do verniz de uma “nova Ciência”.

Toda a polêmica envolvendo Boy Erased – Uma Verdade Anulada (2018) talvez esconda uma questão igualmente sinistra que o filme sugere nas entrelinhas. O filme que contesta a chamada “cura gay”, teve a sua exibição nos cinemas brasileiros cancelada pela Universal. A justificativa foi “comercial”, devido às baixas bilheterias nos EUA e o custo da campanha de lançamento versus estimativa de bilheterias no Brasil.

Ativistas LGBT contestam a justificativa – afinal, Boy Erased é estrelado por atores consagrados como Russell Crowe e Nicole Kidman. Denunciam autocensura da distribuidora, talvez temerosa com a atual atmosfera brasileira politicamente pesada e conservadora.

Mas a produção, inspirada em livro de memórias escrito por Garrard Conley, revela algo tão sinistro quanto a “terapia de conversão” figurada pelo filme – o jovem protagonista, pressionado a participar de um programa de cura da homossexualidade, encontra a resistência e a saída na Ciência e no ensino laico na Universidade.

Colocado em perspectiva, Boy Erased revela que a “terapia de conversão” é um meio para a realização de um projeto mais global: a construção de uma novo conhecimento guiada por noções religiosas à procura do verniz científico.

 

 

O Filme

A narrativa acompanha Jared (Lucas Hedges), cujos pais são um pastor batista e bem sucedido vendedor de carros chamado Marshall Eamons (Russell Crowe) e sua esposa Nacy Eamons (Nicole Kidman).

Após a primeira sequência na qual são mostrados trechos de vídeos caseiros da infância de Jared, vemos agora em torno dos 20 anos, no primeiro dia numa instituição chamada Love in Action, especializada em um programa terapêutico de conversão gay.

Lembrando a chegada em uma penitenciária após condenação, Jared é obrigado na recepção a entregar todos seus pertences – celular, um bloco de notas etc. Jared junta-se a um grupo de jovens, enquanto os assistentes e a atmosfera clean e colorida da instituição procura passar positividade e otimismo.

O terapeuta chefe é Victor Sykes (Joel Edgerton). Ele será o responsável em aplicar o “métodos” – o “inventário moral”, no qual cria-se uma espécie de genealogia da família por meio de cartazes. Baseando-se nos pecados capitais, procura-se localizar na árvore genealógica os parentes e seus pecados. Supostamente, a homossexualidade seria uma decorrência de uma herança moral familiar degenerada.

 

 

Tudo deve ser mantido em segredo, e nada deve ser contado aos pais, quando retornarem para casa no final do dia. Para retornarem no dia seguinte, e assim sucessivamente.

Por isso, Nancy aluga um quarto num motel próximo, para ficar junto com o filho até o final do programa.

Daquele grupo Jon (Xavier Dolan) é tão devotado ao programa que se recusa a apertar a mão de outro homem – apenas bate continência. E outros como Gary (Troye Sivan) apenas “representam o papel”, fingindo que a terapia está funcionando para serem liberados.

O manual do programa é repleto de pseudo-psicologia (mix de religião, autoajuda e confusas noções pseudocientíficas), além de erros gramaticais crassos. Humilhações e espancamentos por bíblias também fazem parte das punições por erros em exercícios.

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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