A Cigarra e a Formiga, por Roberto Pereira D’Araujo.

A Cigarra e a Formiga – Valor Econômico

29 de outubro de 2015

O Ilumina participou de um debate da Fundação COGE, onde um dos aspectos mais discutidos foi a necessidade de recursos para investimentos, dada a total confusão do setor. Usinas hidroelétricas estão endividadas em quase R$ 30 bilhões fruto do desajeitado modelo implantado no Brasil. O artigo abaixo data de janeiro de 2014, quando o jornal Valor ainda publicava nossas argumentações.

É incrível como um artigo com quase dois anos ainda não tenha despertado a sociedade para o que ocorreu no Brasil nos últimos anos. Caso nada seja feito, se S. Pedro ficar com pena do consumidor e doar outros anos como o de 2011, teremos outra vez a festa das cigarras. 

Pobres formigas!

A Cigarra e a Formiga – Valor Econômico – 09/01/14

Roberto Pereira D’Araujo (*)

A fábula de La Fontaine conta a história de uma cigarra que, durante o verão, cantava despreocupada e de uma formiga, que, ao contrário, preservava sua casa e alimentos para o inverno, período de escassez. A história original revela uma formiga pouco sensível ao sofrimento alheio, já que, perante a súplica da cigarra, pergunta o que ela estava fazendo no período da bonança. Ao responder que apenas cantava, a formiga disse: – Pois agora, dance!

Independente das varias adaptações da história original, o nosso setor elétrico está passando por uma história muito semelhante. Infelizmente, estamos sob a gestão da cigarra.

Desde outubro de 2012 estamos amargando uma conta bilionária de usinas térmicas que ultrapassou todas as previsões possíveis. Estranhamente, logo após a pomposa cerimônia que anunciou a intervencionista medida provisória 579, numa “simbólica” data (11 de setembro de 2012, 11 anos após a queda das torres gêmeas), percebemos que precisamos de uma enorme quantidade de geração térmica. A conta de gastos em combustível já se aproxima de R$ 10 bilhões, suficientes para se construir uma usina hidroelétrica de 2.000MW!

Muitos consumidores desconhecem que as usinas térmicas são acionadas em função de um parâmetro, o custo marginal de operação (CMO). Calculado pelo operador nacional do sistema (ONS), quando os reservatórios têm água o suficiente para atender grande parte da demanda, o CMO tende quase a zero justificando a decisão de não usar as térmicas. Quando os reservatórios se esvaziam, o CMO se eleva e vai exigindo o uso das térmicas gradativamente, da mais barata para a mais cara.

Como o Brasil adotou um modelo onde usinas não vendem a energia que geram, mas sim uma parcela do todo, as térmicas “liquidam” a sua “não geração” pelo Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que nada mais é do que uma imagem do CMO. O gráfico mostra a evolução desse valor desde 2003. É possível ver que, por muitas vezes, esse preço atingiu valores irrisórios.

Esse gráfico é a própria filosofia da cigarra. Nos períodos de bonança “cantávamos” deixando que 1 MWh fosse liquidado por valor tão baixo quanto R$ 4. Como tal preço é completamente irreal em termos de mercado e só ocorre em função da adaptação mercantil sobre nossa singularidade, agora, em 2013, estamos tendo que amargar as contas bilionárias com CMO bem acima de R$200/MWh.

Qual seria a gestão da formiga? Ao invés de deixar que 1 MWh possa custar apenas R$ 4 ou R$ 16 para alguém, estabeleceria um valor maior, mas ainda muito barato em relação ao preço da energia de uma usina nova. Cobrando-se esse preço, a formiga formaria um fundo para compensar os períodos difíceis. Poderia ser qualquer valor razoável, inclusive acordado entre os agentes. A grande distinção é que, nesse caso, a renda da exuberância das afluências é capturada para todos os consumidores. A diferença entre o PLD e esse nível fixado não é de nenhum gerador. Pertenceria a todo o sistema e iria fazer com que as despesas bilionárias tivessem um “financiamento” natural, do próprio sistema brasileiro.

Um esquema muito parecido com o da formiga foi sugerido ao governo em 2003. Não foi sequer apresentado porque, infelizmente, há uma espécie de “ditadura do mercado a qualquer preço”. No nosso caso, a frase ganha também o significado literal porque o PLD não é sequer um preço “de mercado”. Trata-se de um custo de oportunidade determinado pela ótica monopolista que o nosso operador é obrigado a adotar, fruto das nossas exclusivas características.

A renda advinda da exuberância das afluências tropicais é tão óbvia quanto à da amortização das usinas antigas. Nesse último caso, ao invés de recuperar o nível contabilizado de tal maneira que as “velhas senhoras” pudessem continuar a gerar recursos para “novas meninas”, adotou-se mais uma estratégia da cigarra, o estrangulamento das empresas da Eletrobrás, uma espécie de “desmonte” da própria casa.

Quem ainda não percebeu que já estamos dançando?

(*) Engenheiro Eletricista – Diretor do ILUMINA – Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico.

Redação

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