A CNN Brasil marca o início do fim dos grupos nacionais de mídia

Depois do impeachment, mais ainda após o  fenômeno Bolsonaro, a mídia tupiniquim redescobriu o óbvio, o princípio legitimador da atividade jornalística: a defesa do politicamente correto, da solidariedade, da mediação das forças sociais, dos valores fundamentais da civilização ocidental..

Nem se diga que, mesmo em outros tempos, tenha sido a prática dominante. A mídia atua em mercado. Como tal, está suscetível a dois movimentos. O primeiro, de ser uma espécie de agente pró-cíclico dos movimentos de opinião pública. O segundo, de ser instrumento para outros negócios dos proprietários.

No caso brasileiro, a partir de meados dos anos 2.000 Roberto Civita descobre o público da ultradireita e abre espaço para um jornalismo de ódio que, naqueles primeiros tempos, têm em Olavo de Carvalho e em dois discípulos, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi, os porta-vozes mais estridentes.

No padrao de mídia ocidental, há os veículos referenciais, aqueles que acompanham e defendem os temas federativos, impondo-se sobre os interesses regionais, e seguem (ou deveriam seguir) um conjunto de valores e princípios, atuando como uma bússola, mesmo em tempos de radicalização. E, no plano global, defensores do modelo da chamada democracia de mercado.

É o caso do The New York Times, Washington Post, The Guardian, Financial Times, Economist, oscilando um pouco à direita, um pouco à esquerda, mas sem fugir dos valores centrais das democracias de mercado.

No caso brasileiro, a ausência de valores consolidados privou a democracia brasileira de um de seus instrumentos centrais. Os grandes veículos tornaram-se pró-cíclicos tanto quanto os programas policiais sensacionalistas. , os movimentos são muito mais acentuados. Se a opinião pública passa a exigir violência, intolerâência, ódio entregue-se o que foi pedido, abrindomão de qualquer veleidade civilizatória, a mídia alimenta, mesmo aqueles veículos que, em algum momento da história, se apresentaram como veículos nacionais.

Pitacos sobre a globalização

Antes de entrar no tema principal, vamos a alguns pitacos sobre o desenvolvimento do capitalismo no século 20,

Sua expansão para os países periféricos foi empreendida  com a participação de instituições coordenadoras.

No plano financeiro, a estrutura de bancos centrais – coordenada pelo Banco de Londres, no período de hegemonia britânica. pelo Federal Reserve, no período norte-americano.

No plano jurídico-legal, transplantando o modelo norte-americano para o Brasil. No campo institucional, o grande formulador foi Rui Barbosa. No direito comercial, San Thiago Dantas e José Luiz Bulhões Pedreira. O Judiciário tornou-se, então, outro agente coordenador, mas não subordinado.A terceira perna foi a mídia, montada nos países periféricos de acordo com o modelo americano, que tinha na publicidade nacional, dos produtos de varejo,  sua grande fonte de financiamento. As multinacionais chegaram ao Brasil com agências de publicidade fazendo a ligação com a mídia e ajudando a consolidar o modelo de vida americano, no consumo, e a internacionalização da economia, nas políticas públicas.

Nas últimas décadas, emergiu o chamado mercado como agente coordenador, acompanhado das agências de avaliação de risco. E também o Judiciário e Ministério Público atuando no direito penal, aí já como agentes subordinados, como mostra a Lava Jato e a submissão do Ministério Público e ao Departamento de Justiça.

Com o avanço da ultradireita nacionalista em nível mundial, e com o caos informacional trazido pelas redes sociais, a chamada grande imprensa internacional passou a se escudar, mais do que nunca, em princípios civilizatórios, recuperando bandeiras de direitos humanos, para se colocar como contraponto ao ódio exarado das redes sociais. A mídia nacional ainda estava presa ao direito penal do inimigo que precedeu e estimulou o impeachment.

Nem se diga que, mesmo esses órgãos de reputação internacional, sejam imunes a esses movimentos. Tome-se o caso do The New York Times e o aval às tais armas químicas do Iraque.

No Brasil, a chamada imprensa de opinião perdeu o fio no começo da redemocratização, na campanha do impeachment de Fernando Collor – conforme abordei no meu livro “O jornalismo dos anos 90”. Ganhou um poder inesperado, em um período em que os ecos de Watergate haviam se espalhado pela mídia latino-americana, recém saída do período autoritário. Descobriu que tinha poder para derrubar presidentes. Esse protagonismo político infundia medo nos governantes, fazia sucesso junto ao público e facilitava contratos comerciais.

Os abusos dos anos 2000 foram gerados nos anos 90. A partir de 2005 ganhou uma dinâmica inédita, idêntica a que marcou o final do governo Vargas. Jornalismo de guerra, insuflando o ódio, demandando colunistas rancorosos, ataques sem limite, até o ciclo se esgotar com a eleição de Bolsonaro.

Agora, o fenômeno Bolsonaro, as redes sociais, os fake News, a desarticulação do mercado de informações coloca, como único de diferenciação da grande imprensa, a volta aos valores legitimadores da mídia.

É nesse quadro, em que o futuro é incerto, que ocorre a internacionalização da imprensa brasileira com a chegada da CNN Brasil. Outros veículos internacionais relevantes, como a BBC, El Pais,  nos esportes, houve incursões de grupos internacionais, pela Internet, não chegaram a ampliar os investimentos no país com a mesma dimensão da CNN..

Sua chegada ajudou a demonstrar, por oposto, o enorme mal causado ao país pelo monopólio amplo das Organizações Globo no chamado mercado de opinião da primeira divisão. Houve uma instrumentalização ampla, um direcionamento absurdo da cobertura, uma ausência absurda do contraditório, especialmente na Globonews – que emerge, no período, como o grande agente formador da opinião da opinião pública concurseira, aquela que emerge na elite das corporações públicas e entre a média e alta gerência das cidades maiores.

A CNN trouxe o padrão norte-americano global: diversidade racial entre jornalistas, defesa dos direitos fundamentais, do politicamente correto, pluralidade de opiniões – menos nos temas econômicos, presos ao discurso único de mercado – e busca incessante da informação, com a opinião como contextualizados das informações.

O impacto sobre a Globonews – que, na sua fundação, se baseou no padrão CNN – foi imediato.

Mas é apenas o capítulo inicial em uma caminhada que tornará o mundo mais integrado e os grandes grupos globais dominando cada vez mais os mercados nacionais.

 

 

 

 

 

 

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • para manter intacta a estrutura, temos a superestrutura (sistemas midiatico, penal, educacional e religioso) funcionando como cabeça do sistema e, como tal, fazendo o povo pensar e agir conforme os interesses dela estrutura antigualitaria colonial antipovo antidemocracia :

    o fim da reserva de mercado no mercado da informação vs desinformação e entretenimento não deixa de ser uma boa noticia: reflexo da movimentação das placas tectonicas do capitalismo que, no caso do Brasil, é tão primitivo quanto sua elite burra: basta ver que rasgaram dinheiro ao dar o golpe, mais um :

    afinal de contas jamais ultrapassamos a barreira dos 30 anos sem um golpe, não é: nossa classe media não permite a melhora de vida dos do andar de baixo: isso é humilhante para ela : fruto de 300 anos de regime casa grande vs senzala :

    o normal é dar carta branca pra casa grande no poder pintar e riubar à vontade e não se verá a suerestrutura (sistemas midiatico, penal, educacional e religioso) clamando por republicanismo : muito pelo contrario!

    • ..essa superestrutura tem um nome: Poder Verbizador, cuja função é verbalizar a realidade para as massas :

      ... Montesquieu ao propor a divisão do poder entre legislativo, judiciario e executivo, não imaginou que o poder de verbalizar a realidade para as massas, mais do que um consórcio de noticias, tem poder de governança tal com os tres citados e, como tal, deveria ser encarado : e institucionizado : caso contrario, o mundo será sempre o que umas poucas familias donas dos meios de comunicaçào querem que ele seja : claro, para atender aos interesses de grupos e não da coletividade

  • Que pena ..pena que o JORNALISMO - POR INTERESSE VENAL - percebeu só agora o que vem acontecendo há DÉCADAS com a indústria e comércio nos mais variados setores ..milhares de empregos e de empresários, poupanças jogadas no LIXO, e o silencio CONIVENTE, criminoso, da imensa maioria dos DEformadores de opinião, foram decisivos pra essa tomada sócio-econômico-cultural dos EUA.
    EM tempo -
    ..que não se sintam menos culpados os partidos ditos PROGRESSISTAS que em suas administrações JAMAIS atentaram pra IMPORTÂNCIA de se criar um Estado EFICIENTE e REGULADOR, servidor e mediador, que impedisse estes excessos e desrespeitos a inúmeras legislações vigentes, principalmente no plano econômico
    ..eue não se sintam imunes a criticas os ditos PROGRESSISTAS que nunca deram o devido valor à criação dum CóDIGO DE REGULAÇÃO DAS MÍDIAS que, fora de combater as FAKES NEWS, hj estariam desempenhando um papel decisivo pela defesa da democracia
    ..ainda, que não pensem os PARVOS PROGRESSISTAS que ao não atentarem, ou ERRAREM na abordagem e diagnóstico, a temas como SEGURANÇA PUBLICA e SAÚDE, que tb não fizeram com que a frustração criada diante das massas, principalmente da CLASSE MÉDIA, não colaborasse ou apressasse pro agravamento desse cenário de terra arrasada em que nos metemos.

  • a piada infame é as organizações globo chamar consórcio o que é e sempre foi um cartel de influenza política: saía na veja, reverberava no jornal nazional. quando a veja publicou a vaza jato, silêncio cúmplice das organizações globo. noves fora a Carta Política proibir monopólio do espector eletromagnético e as organizações globo (e todas as outras siamesas) tratar o Povo Brasileir@ como idiotas (no sentido da greg@ried@de)...

  • Os jornais estadunidenses gostam tanto de.democracria que quando Hugo chaves sofreu um gole.militar disseram que era um "mal menor".......nem se.lembre das armas de destruição em massa do Iraque, estão procurando até hoje.......e a tal cnn tuquinuquin, cópia mal feita, estar alinhada ao rentismo podre que espolia o país e trabalhadores, já diz muito. não?

  • Grupos globais dominando os mercados nacionais de informação tornarão o mundo mais integrado. E o resto? E o domínio de corações e mentes por grupos situados na sede de um império e atuando a serviço de governos belicosos e em decadência? Tempos tenebrosos se anunciam (se for possível piorar ainda mais no Brasil) nas colônias.

  • Num certo sentido, o "pai" de programas policialescos ou de julgamentos midiáticos pelo voto popular, que também auxiliou a direita, a psicologia de consumo e a mídia a identificar modos fáceis de trabalhar a ansiedade/voracidade, tolerância/intolerância foi, no caso brasileiro, o pai de Diogo Mainardi, o publicitário Enio Mainardi. Criador, antes dos sucessos dos BBBs da vida onde o espectador é feito de trouxa ao achar que está decidindo o futuro do jogo, sem perceber que há ali uma edição de imagens com narrativa a conquistar audiências e contextos.
    Não é atoa que o publicitário com sua tonalidade autocrática vinha se tornando um disseminador de ódio à esquerdistas ao ponto de se aproximar de Bolsonaro

  • Sobre o post, duas observações 1) Primeira = não adianta ser plural em todos as áreas e não na mais central, que é a econômica.Éi essa blindagem no mantra do estado mínimo e da iniciativa privada pra tudo que gerou essa lixão econômica que possibilitou criar o verme Bolsonaro - e que faz a mídia dizer que quem vai nos tirar desse caos econômico é nosso Urtigão metido a leitor de Keynes . 2) segunda = meu medo é que aconteça com a CNN e outras empresas de mídia estrangeiro o mesmo que aconteceu com a vinda dos bancos estrangeiros na era FHC . Lembro até hoje que juravam que isso melhoraria o serviço e haveria queda dos bancos nacionais devido a concorrência e o que aconteceu foi o oposto= esses bancos estrangeiros aprenderam rapidinho como só se dar bem em cima dos clientes e ainda tendo um lucro que só perde pro tráfico de drogas. Vide Santander.

  • Diversidade racial na CNN Brasil, Nassif???? Fica parecendo que você nunca assistiu à CNN americana.
    Fora o tal Waack, primeiro contratado dessa Globo 2.0.

    • Sabe aquele negócio de que propaganda é a alma do negócio?

      Por enquanto a filial brasileira está pegando leve, caro Carlos, prá fidelizar o cliente, criar fama de confiável, bacana, ter credibilidade para poder deixar de tê-la daqui a pouco. Muitos produtos das indústria capitalistas usam esse estratagema, só cai nele quem é ingênuo. A CNN Brasil é fruto de árvore podre, você vai ver.

  • Antes de tudo, Diversidade Racial é para país que faz exclusão de sua População entre guetos. É cota para parecer "bonito na foto". Em Nação onde a vanguarda e premissa mundial inigualável é a Miscigenação, TODOS são BRASILEIROS. Algo que começou a ter influência impositiva negativa das Nossa Elites, quando começamos a ser obrigados a aceitar e submetermos à Segregação Racial e Xenofobia do Colonialismo Europeu e NorteAmericano (suas marcas, empresas, cultura,...), a partir do Golpe Civil Militar Esquerdopata Fascista de 1930. Falando nele, está aqui em mais uma condenação e constatação sobre Getúlio Vargas. É parte da matéria (Como não retornamos à Democracia, Republicanismo, Liberdade com um alicerce destes?!). Abandonamos Nosso Padrão Cultural de Machado, Cruz e Sousa, Lima Barreto, Nilo Peçanha,... da 1.a República, República Paulista até 1930, para caricatura nacional bizarra de Mulher Européia Branca com Fruteira na cabeça, na Ditadura Caudilhista Fascista pós 1930. É fácil compreender ou será preciso desenhar?! Junto com Caudilho Fascista vem a Ditadura da Informação e Censura sobre a Imprensa representado pelo capanga do criminoso, um tal Assis Chateaubriand. E a Polícia e Política Fascista já demonstrada na matéria. Mais à frente, o lacaio da República de Juiz de Fora e do Ditador, um tal Juscelino Kubscheck entrega a Liberdade e Soberania Nacional deste Setor à AT&T via RGT. Agora como se parecesse a "Última Novidade", entregamos ainda mais Nossa Soberania Nacional (Empresas, Opinião, Informação, EMPREGOS,...) à mesma AT&T e TODAS suas Marcas NorteAmericanas !!! Globalização e Diversidade?!! Somos a Pátria da Gozação e da Surrealidade !!! É para levar isto a sério?! Google, Microsoft, Apple, Facebook, Tweet, Instagram, CNN,... Pobre país rico. 90 anos de Tragédia Nacional. Mas de muito fácil explicação. MURICI

    • Caríssimo '... se fosse pela província de St. Paul... ainda estaríamos vendendo café... só falta tu chamar GV de comuna... estude um pouco... seja mais sincero, patriota de verdade!! Viva o Brasil! Viva o povo brasileiro!
      P.S.: Há muito não tínhamos um paulista na PR... agora temos!

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