A conversinha mole de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19, por Paulo Henrique Pinheiro

No Brasil, o Governo Bolsonaro observava os acontecimentos na Ásia, Europa e EUA com pelo menos duas semanas de vantagem para se organizar para o enfretamento iminente. Nada foi feito.

Sergio Lima – Poder360

A conversinha mole de Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19

por Paulo Henrique Pinheiro

Semana passada, em um evento na cidade de Sorriso (MT), o Presidente Jair Bolsonaro proferiu a seguinte frase: “Vocês não entraram naquela conversinha mole de fica em casa que a economia a gente ver depois. Isso é para os fracos”.

Dois dias antes, na posse no Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, Bolsonaro proferiu nada menos que 14 falácias e/ou mentiras em 12 minutos de discurso. Uma delas, entretanto, possui uma conexão diametralmente oposta com a frase do discurso de Sorriso: “Eu aprendi, no meio militar – e vale para todos nós – que pior que uma decisão mal tomada é uma indecisão. Nós tínhamos que fazer alguma coisa para conter as mortes que se aproximavam de pessoas vitimadas pelo vírus”.

Observa-se, claramente, as incongruências de um Presidente perdido em suas próprias convicções. Em um momento reconhece a necessidade de fazer algo para conter as mortes. Em outro, chama de fraco quem decidiu ficar em casa para se proteger.

Vamos, então, a um pouco de fisiopatologia, epidemiologia, microbiologia, imunologia e gestão pública básicas. O SARS-Cov-2 (novo coronavírus) surgiu em Wuhan no final de 2019 causando uma doença respiratória semelhante à SARS (2002) e MERS (2012). Surgia a Coronavirus Disease 2019 – Covid-19. Um oftalmologista chinês – Li Weliang – tentou alertar as autoridades e colegas e foi coagido pela polícia chinesa. Três semana depois, Li sucumbia ao novo coronavírus para depois o governo chinês pedir desculpas. Já era tarde.

Àquelas alturas, o novo coronavírus já havia se espalhado pela Ásia e atingia a Europa. Itália, Espanha e Reino Unido acumulavam infectados e mortos. Os EUA, registravam seus primeiros casos. Autoridades mundiais negligenciavam a importância da doença e a própria Organização Mundial de Saúde – OMS, vacilava em decretar pandemia – embora os sinais já fossem evidentes.

No Brasil, o Governo Bolsonaro observava os acontecimentos na Ásia, Europa e EUA com pelo menos duas semanas de vantagem para se organizar para o enfretamento iminente. Nada foi feito. Ao invés de liderar seu staff de Ministros para estruturar Planos de Contingência, se articular com Governadores e prefeitos, com o Congresso Nacional e com o Supremo Tribunal Federal para estruturar as ações necessárias, estimulou e participou de manifestações antidemocráticas que expuseram as pessoas à nova doença e deixaram tensas as relações entre o Executivo e os demais Poderes da República.

Perdemos dias preciosos observando a balbúrdia governamental em nome das sandices autocráticas de Bolsonaro. O Brasil não monitorou nos aeroportos e postos de fronteira, não colocou os visitantes em quarentena após chegarem em território nacional, não adquiriu insumos para produção de Equipamentos de Proteção Individual – EPIs e para produção de nossos próprios testes de diagnóstico, não preparou nossa população com campanhas educativas, não disponibilizou ferramentas educacionais para apoiar professores e estudantes, não preparou os sistemas informatizados para disponibilizar auxílio financeiro as pessoas mais vulneráveis, enfim, não fez nada a não ser observar a chegada e o avanço da doença em meio às sandices presidenciais.

Na economia, Paulo Guedes se aproveitava do momento para aprovar a PEC do Orçamento de Guerra com um “dispositivo jabuti”: a permissão para o Banco Central comprar títulos da dívida privada de bancos e grandes empresas. Enquanto isso, milhões de brasileiros esperavam uma ajuda que só veio 3 meses depois, quando os bancos já estavam blindados da crise pelo governo.

Na educação, Abraham Weintraub – o ministro da balbúrdia – participava de manifestações, xingava os ministros do STF e não empenhava mais de R$ 1,5 bilhões em projetos (agora retirados do orçamento do MEC). Como prêmio, recebia um cargo no Banco Mundial com uma remuneração de U$ 250 mil por ano. Um prêmio à incompetência.

Na saúde, médicos e demais profissionais aprendiam com a doença e, à partir da compreensão do mecanismo fisiopatológico pelo Dr Siddqui e seus colaboradores, compreendeu-se que a Covid-19 tinha uma fase infecciosa, uma de transição e uma inflamatória que era a responsável pelas mortes ocorridas. Essa compreensão fez com que os médicos ajustassem seus protocolos – em meio à apologia bolsonarista pela hidroxicloroquina – prescrevendo anti-inflamatórios de forma precoce.

O aprendizado continua até hoje com a adoção de posição prona – de bruços – em pacientes internados afim de evitar a intubação que aumenta as chances de infecção; o uso precoce, em alguns casos, de anticoagulantes para evitar a formação de trombos; o uso da dexametasona com excelentes efeitos. Tudo isso fez com que, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Intensivistas, a mortalidade nas UTIs caiu de 62% em março para menos de 30% em agosto de 2020.

O mundo se organizou para enfrentar a doença. A ciência conseguiu em menos de 30 dias sequenciar o genoma do vírus e a testar as primeiras candidatas a vacina em humanos em apenas 4 meses. Um feito histórico.

Por aqui, o Presidente do Brasil travava uma luta política contra governadores e prefeitos. O despotismo de Bolsonaro queria impor a Estados e municípios sua vontade de flexibilizar o isolamento social. Afinal, na visão do mentecapto, tratava-se de uma “gripezinha”, de um “resfriadinho” e todo mundo iria pegar, mas, os que tinham histórico de atleta como ele, nada sentiriam. Esse luta foi corrigida a tempo e a hora pelo STF numa decisão liminar do Ministro Marco Aurélio Mello (referendado pelo Pleno da Corte Suprema Brasileira) de que Estados e municípios têm competências concorrentes às da União. Logo, o mentecapto e seus seguidores passaram a repetir que a “bola estava com Estados e municípios”, distorcendo a decisão do STF.

O Brasil foi o único país do mundo a não ter um pico de casos e óbitos da doença. Teve um platô de aproximadamente 3 meses, chegando a ocupar atualmente o terceiro lugar em número de casos e o segundo em óbitos. Chegarmos ao final do ano com algo em torno de 200 mil mortos pela Covid-19.

O drama mais recente é a descoberta da Síndrome Inflamatória Multissistêmica – SIM pós Covid-19 que afeta crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Essa síndrome afeta, mesmo em algumas pessoas curadas, coração, rins, pele, pulmões e cérebro com consequências graves. No Brasil, já foram registrados 197 casos e 14 mortes (Ministério da Saúde, 2020). Vale ressaltar que a compreensão até o mês passado era que crianças e jovens tinham mínimas chances de contrair formas graves da Covid-19.

Essa encruzilhada aparece exatamente no momento em que as escolas se preparam para a volta às aulas. Como será que as estatísticas relativas à SIM vão se comportar?

É nesse cenário que a “conversinha mole” do Presidente Jair Bolsonaro já passou dos limites. Temos um Presidente que minimizou a pandemia e entende que as estratégias de enfrentamento são apenas duas: ministrar hidroxicloroquina de forma preventiva às pessoas e deixar a vida seguir para que todos se contaminem e atinjam a “imunidade de rebanho” defendida pelo Deputado Osmar Terra. Vale lembrar que em março, Osmar Terra bradava em alto e bom som na Jovem Pan que no Brasil não morreriam mais que 1.200 pessoas de Covid-19.

O Brasil e os brasileiros pagam e pagarão por suas péssimas escolhas políticas. Bolsonaro é, sem a menor dúvida, o grande responsável pela tragédia da Covid-19 no Brasil. Os danos sociais, econômicos, humanitários e na saúde das pessoas poderiam ser muito menores se não tivéssemos um Presidente cheio de “conversinha mole”. Precisávamos de um líder capaz de aglutinar a inteligência nacional em defesa do povo e não um celerado que sempre foi movido pelo radicalismo e pelo conflito.

Nessa encruzilhada, a “conversinha mole” vem ganhando espaço a partir das inversões de situações desfavoráveis por uma estratégia milimetricamente calculada: manter a tensão ideológicas sobre seus opositores utilizando a estrutura das redes sociais, capitalizar o auxílio emergencial a seu favor e inaugurar obras pelo Brasil, iniciadas em governos anteriores e mapeadas por Tarcísio Freitas nas regiões onde sua popularidade é menor. Capitaliza quem descerra a placa.

Com 30 a 35% do eleitorado fidelizado e de “conversinha mole” em “conversinha mole”, Bolsonaro vai reduzindo sua rejeição e caminha para 2022 melhorando suas perspectivas de reeleição, mesmo que, para isso, pise sobre os corpos de milhares de brasileiros que, em sua maioria, tiveram que se expor para sobreviver. Enquanto isso, sua oposição continua atônita e sem entender como reverter essa situação.

Paulo Henrique Pinheiro – Professor Associado da Universidade Estadual do Piauí

Redação

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