A Difícil Tarefa de Ser e a Manipulação do Prazer

Analisando diferentes sociedades, ao longo da História, é possível perceber que a manutenção do Estado, nos mais diversos períodos, contou com um agente comum: a criação de ideologias. Ora defendida pela religião, ora pelos intelectuais, sempre houve uma linha de pensamento que respaldasse o status quo, e não é diferente com o capitalismo que rege o mundo atual e sua principal arma de manipulação, o consumismo.

Assim como a teocracia egípcia assegurava o aproveitamento das cheias do Nilo, e tal qual Maquiavel defendia a obediência aos reis absolutistas, as grandes empresas e os meios de comunicações, hoje, garantem a difusão da necessidade de consumir. Assim, a população é submetida, intensa e constantemente, a um ‘bombardeio’ de propagandas que alimenta as bases do Estado capitalista.

Tyler Durden, concretização e uma série de desejos secretos e de frustrações do personagem principal de “O Clube da Luta”, abre uma discussão acerca do ser e do sentir numa era em que o consumo é imperativo.

Baseado no livro homônimo,o filme tem levantado polêmicas ao retratar um indivíduo desconectado de sua identidade que busca satisfazer suas faltas no consumo. Consumo esse que não evitou a criação de um rapaz consciente de suas vontades e de seu corpo e, também, não evitou a criação de Durden por camadas mais profuzas de uma mente preocupada.

Em metáfora podemos afirmar que: ‘vivemos sufocando Tyler Durden’, aquele que sabe quem é e o que quer, já que há uma ideologia apregoando que tudo aquilo de que precisamos ou que queremos está à venda e que, se está à venda, é uma necessidade ou um desejo.

O sucesso da publicidade em tal campanha pela criação de rede de aquisição, por sua vez, revela o lado mais obscuro da ideologia consumista, que consiste no estabelecimento de vínculos entre adquirir produtos e alcançar prazer, ou, até mesmo, felicidade. Comprar, então, torna-se uma prática através da qual o indivíduo realiza seus desejos, eleva-se socialmente e conquista prestígio.

Eis o grande problema da sociedade de consumo. Ela impõe, mais do que a necessidade de compra. Então os Shoppings se tornam cheios de consumidores, milhares de carros são vendidos todos os dias, e ainda mais televisores conquistam lares, não porque as pessoas precisam consumir, mas porque se sentem bem consumindo.

Quando o lucro é esperado, nascemos todos endividados. A ideia de se cumprir um protocolo gerado a partir do gênero, por exemplo, que impõe o que se deve ter e o que se deve ser, é quase unânime. Uma mulher mal cuidada é menos feminina e todas as ferramentas de que precisa para acionar o comando “feminilidade”, que muitas vezes é cobrado para sua inserção social, estão disponíveis em um centro de compras.

O que pouco se discute é a relação de um ser humano hoje com seu corpo, ela pode ir além daquilo que se pode comprar. O Tyler Durden social, por vezes, clama por dor ou angústia – que são humanas, que criam arte, que movimentam – mas recebe como resposta: “_ Não estão à venda!”. Clama por um reconhecimento de fatores femininos no próprio corpo, mas eles estão em um rímel.

Por isso é importante refletir antes de se entregar ao maravilhoso mundo dos bens materiais, tão bem apresentado em filmes e novelas, e pensar duas vezes antes de adquirir um produto. Enquanto muitas pessoas compram coisas que não precisam sem saber a razão, outras desejam e se esforçam para que isso se repita cada vez mais.

Os centros de compras sempre renega uma uniformização. Não se consegue discutir escolha de valores porque ela não mais existe. Existe sim uma gama de valores à venda, e; todos os desejos acabam por ela limitados. Desejos já dados como naturais e, confirmados como naturais sob o argumento de que a maioria está desejando a mesma coisa; inadaptado é aquele que não adequa seu desejo ao leque oferecido.

Difícil! Torna-se distinguir o que é corpóreo e humano do que é parte da dívida a que fomos expostos. Difícil, seria separar Tyler Durden da mente que o criou. Difícil passa a ser, para os inseridos na engrenagem capitalista, reconhecer um desejo que não tenha sido criado e que não esteja à venda.

Somente um dos lados conhece as regras. Toda vez que a realização do desejo parece alcançada, abre-se um vazio de vontade sobre o que não existe, o que some juntamente com o ato de comprar, o que não existiu como desejo real.

*Neemias dos Santos Almeida é Professor e Pedagogo. Colunista, Articulista, Membro da ONG Atuação Voluntária, Escritor, Voluntário junto ao órgão internacional PNUD/Brasil, e ávido leitor que vive a internet e suas excentricidades desde 2001.

Redação

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