A discussão em torno da recomposição salarial dos juízes, por Luis Felipe Miguel

A discussão em torno da recomposição salarial dos juízes

por Luis Felipe Miguel

Acho que juízes devem ser bem pagos. É uma profissão de enorme responsabilidade. Quem a exerce deve levar uma vida confortável e livre de maiores preocupações financeiras. É justo.

Mas uma “vida confortável e livre de maiores preocupações financeiras” é uma formulação vaga. Pelo que vejo de seus imóveis no exterior, empresas offshore e vinhos de guarda, a cúpula do nosso Poder Judiciário julga que seu parâmetro é a elite econômica.

Isto é errado, não apenas pela pressão nas contas públicas, mas também (e sobretudo) por reforçar o viés de classe dos juízes.

É claro que é hipócrita vir a público dizer que os magistrados são as principais vítimas da crise econômica ou chamar de “modestíssimo” um reajuste de 16% que incide sobre um salário que supera os 30 mil reais mensais. Mas, como regra geral, é correta a exigência pela recomposição do poder aquisitivo de todo o funcionalismo público, incluindo juízes. O primeiro problema está aí: o deslocamento deles em relação ao conjunto dos servidores, que faz com que as disparidades salariais no setor público se tornem cada vez mais brutais.

O segundo problema está nos “auxílios” de diferentes tipos, que inflam a remuneração dos juízes de forma imoral e descontrolada. Seria necessário zerar esta fatura para discutir o nível adequado de proventos a ser garantido para eles.

O terceiro problema é talvez o mais grave de todos. Juízes devem ganhar bem, sim, mas devem viver do próprio salário. É preciso proibir qualquer tipo de remuneração externa – palestras pagas, propriedade de empresas ou mesmo a participação em eventos com mordomias bancadas por patrocinadores. São indutores de conflito de interesses, quando não formas (mal) disfarçadas de corrupção.

Discutir recomposição salarial sem incluir estas questões é desonesto.

 

Luis Felipe Miguel

9 Comentários

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  1. Quanto custa e quanto vale a vergonha na cara?

    Quanto dinheiro qualquer pessoa precisa ganhar para não querer ganhar mais?

    Apesar da questão da remuneração dos juízes ser importante, tanto pelo que simboliza no Brasil de maioria vulnerável quanto pelo que efetivamente monta aos cofres públicos, talvez a solução para a atual péssima qualidade do trabalho de alguns juízes (A maioria? A maioria em cargos mais elevados? Quantos são esses “alguns”?) não possa prescindir da inclusão das variável Cultura. Cultura de classe, cultura profissional, cultura capitalista… Quanto dinheiro a pessoa ganha é a mais importante variável mas só para o capitalismo. Apesar dos capitalistas pregarem que o capitalismo não apenas é a única forma de viver como é natural do ser humano, não é.

    Digo isso porque tenho visto trabalho voluntário e sem remuneração alguma dar frutos excelentes. Se não me engano o próprio prof. Miguel também tem exemplos eloquentíssimos disso que digo.

    Não digo que uma pessoa possa se dedicar à magistratura como voluntária mas creio que não se pode descartar que a gente trabalha por dinheiro, sim, mas por um monte de outras coisas.

  2. Quem deveria levar esse

    Quem deveria levar esse debate até o cidadão seria a imprensa. O que temos como imprensa é a lastima de um Pais que fica nas mãos de um seleto grupo que se sustenta, se apoia e se usa (chantageia de todas as formas possiveis) e não se debate o importante e escandaliza o supérfluo.

  3. Lucidez é preciso

    A questão-tabu da remuneração do magistrados federais precisa sair do gueto dos fundamentalismos rancorosos (e invejosos) para ser analisada sobriamente no contexto do caos remuneratório da Administração Federal (não esqueçamos que o Estado é uma abstração que se objetiva antes de tudo por sua comunidade de agentes).  O estimado professor Luiz Felipe Miguel mais uma vez ergue sua voz lúcida e destemida. Se um dia tiver oportunidade, vou propor ao professor Miguel que inaugure um curso sob sua orientação sobre a Questão Remuneratória e o Estado no Brasil. Todas as questões éticas e políticas de interesse atual estarão lá: patrimonialismo, corporativismo, privilégios de classe e – last but not least – ‘produção social da indiferença’. 

  4. Adendo ominoso

    Impõe-se acrescentar a meu comentário anterior um dado preocupante: até mesmo um comentarista ponderado e de bom nível como Kennedy Alencar resolveu apelar para o populismo demagógico ante a proposta de reajuste do STF: chamou a decisão de “imoralidade chapada” (!!!). Tempos sombrios e cavilosos…

  5. Recomposição salarial

    Como assim, 16 por cento é recomposição salarial?

    Podem verificar: após o golpe, foi feito um reajuste (para os caras ficarem quietinhos, disseram os mais críticos). Creio que o próprio CCN publicou isso. Ou não?

     

  6. Existe uma solução moralmente

    Existe uma solução moralmente (palavrinha quase tão desgastada quanto justiça hoje em dia) coerente para acabar com os fura-filas de reajustes no serviço público: tabelem todas as categorias de servidores (executivo, legislativo, judiciário, mp, forças armadas, etc) e eliminem por lei reajustes isolados.

    Só assim professores vão receber reajuste ao mesmo tempo e no mesmo nível que juízes e promotores.

    Eu inclusive estabeleceria um limite para a disparidade entre salários. p.ex: o mínimo deve ser 1/5 do supremo e o salário dos indivíduos “fora da escala” só seria reajustado pela metade dos outros até se encaixar na tabela.

    Aproveita e estabelece regras para qualquer benefício além do salário, também para ser seguido por todas as categorias.

    Tem verba para 2%? Só lamento, será 2% para todos e não 16% para juízes e promotores e 1% para professores.

    E publica com destaque os nomes dos fura-teto, por lei.

    Aí acaba com os privilégios e as castas e filhos da elite vão pensar bem antes de estudar 8 anos para passar em serviço público a fim de controlar o estado com sua visão classista quando deveriam ser todos cidadãos com direitos iguais.

  7. Aspones e barnabés
    Se eles tivessem pelo país, pelo povo e pelo Estado de Direito o mesmo zelo e destemor de enfrentar críticas a suas decisões que demonstram quando tratam do próprio bolso, o valor, ainda que absurdo num país miserável e em crise generalizada, seria compreensível.
    Como não têm, apenas se comprova que não são servidores do Estado, mas de seus próprios interesses dos quais o Estado se torna refém.
    Depois do aumento vão votar o respeito à constituição sobre presunção de inocência? Claro que não. Confirmam apenas uma imagem popular, injusta com muitos mas de modo algum difamatória ou inverídica, infelizmente, de que servidor público é oportunista, preguiçoso e interesseiro. Há até quem defenda, como argumento para justificar punição aos que desafiam o adágio popular, que “serviço público não é [lugar] para quem trabalha” – restou ao “cidadão” que proferiu a “sentença”, também “servidor público”, explicar a quem se destina a mordomia que é fazer parte do Serviço pago pelo dinheiro Público…
    Entre as inúmeras reformas de refundação do Estado Brasileiro, a serem feitas por uma constituinte exclusiva escolhida pelo povo em voto direto, está a do Serviço Público, que privilegia os parasitas e pune, simbólica e literalmente, os que não esquecem a vergonha na cara e os princípios éticos de cidadania e profissionalismo quando investidos em cargos públicos.

    “Barnabé, o funcionário

    Quadro extranumerário
    Ganha só o necessário
    Pro cigarro e pro café
    Quando acaba seu dinheiro
    Sempre apela pro bicheiro
    Pega o grupo do carneiro
    Já desfaz do jacaré
    O dinheiro adiantado
    Todo mês é descontado
    Vive sempre pendurado
    Não sai desse tereré
    Todo mundo fala fala
    Do salário do operário
    Ninguém lembra o solitário
    Funcionário Barnabé
    Ai Ai Barnabé
    Ai Ai funcionário letra É
    Ai Ai Barnabé
    Todo mundo anda de bonde

    Só você é que anda a pé…”
    (https://jornal.usp.br/artigos/barnabe-o-funcionario/?amp)

    Sampa/SP, 09/08/2018 – 17:56 (18:02 e 18:05).

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