A epopeia do Ministério Público Federal para derrubar a lei da anistia – parte 1

Do Jornal GGN – Nas últimas semanas, o Ministério Público Federal conseguiu dois feitos históricos: a abertura de processo criminal contra os autores do atentado do Rio Centro; e contra os responsáveis pela morte e desaparecimento do corpo do ex-deputado Rubem Paiva.

A responsabilização pelas mortes e torturas da ditadura só ocorre 50 anos depois. Mas, dentro do MPF, é o coroamento de um trabalho que começou no final dos anos 90 com os procuradores da República Marlon Weichert e Eugênia Gonzaga.

https://www.youtube.com/watch?v=NVGpMlg10DU width:700 height:394

A procuradora Eugênia foi a primeira a tentar processar acusados de tortura. Devido a uma interpretação torta da Lei da Anistia, foi montada a estratégia das ações cíveis. As ações de Eugenia miraram torturadores, médicos legistas omissos e até o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf.

Diz Eugenia que o MPF só se manteve na luta pela persistência dos familiares de desaparecidos, porque sucessivos governos não foram atuantes nem para resgatar a história, para procurar os corpos ou punir os culpados.

Aqui, a primeira parte do depoimento de Eugenia prestada a Lourdes Nassi, do Jornal GGN, no qual narra o início dessa epopeia jurídica, a partir da abertura da vala de Perus.

A entrevista

Nos anos 70, a ditadura utilizava primeiro o Cemitério de Vila Formosa para enterrar os corpos dos torturados. Por ser muito central, decidiu-se mudar para Perus.

A gestão Paulo Maluf encomendou até forno crematório para queimar restos mortais de desconhecidos – algo irregular. O vendedor de fornos recusou-se a vender naquelas condições que estava projetado.

A partir dos anos 70, até 1976, os corpos foram enterrados em Perus. A partir daquele ano, cessaram as mortes pela repressão.

Em 1976 foi feita modificação na legislação municipal, permitindo a exumação de corpos enterrados. Limpavam as quadras com tratores, jogavam as ossadas em valas comuns clandestina do cemitério de Perus para dificultar a futura identificação. .

Apenas após a abertura política apareceu o primeiro prefeito que colaborou com os familiares – Luiza Erundina, em 1990 – decidindo abrir a vala de Perus. Lá foram encontradas mais de mil ossadas em sacos plásticos, dos quais de dez a vinte desaparecidos políticos.

Inicialmente foi chamado o perito Badan Palhares, da Unicamp. No início, conseguiu a identificação rápida de alguns corpos – dois da vala e três de outras sepulturas -, pelo método de sobreposição de imagens e pelas roupas com que foram enterradas.

Por algum motivo, Badan parou de colaborar como acabou abandonando o trabalho. Pior: as ossadas ficaram jogadas em uma sala da Unicamp, empilhadas, sujeitas a enchentes. Perderam-se amostras de sangue enviadas para laboratórios de Belo Horizonte. Enviaram restos mortais para a Alemanha, sem registro. O material acabou devolvido.

Em 1999 familiares procuraram o MPF. O procurador da época era Marlon que constatou que era trabalho do MPF por ser um tema federal – já que desde 1994 existia lei criando Comissão no âmbito da presidência da República e nada foi feito.

Um primeiro trabalho de Marlon foi ir até a Unicamp, constatar o abandono e junto com governos de São Paulo e Federal estudar uma solução.

As ossadas foram colocadas sob a responsabilidade do Dr . Daniel Munhoz, professor da USP e que trabalhava no IML (Instituto Médico Legal), Munhoz trouxe as ossadas da Unicamp e colocou-as no corumbário do Araçá, em situação melhor do que estavam.

Acabou sendo decepção. Algumas famílias tinham restrição às ligações com o IML, que havia sido braço importante na colaboração com a ditadura: os corpos só eram enterrados com nomes falsos em função dos laudos falsos do IML.

Não deve ter havido dolo por parte do médico e da equipe. Mas não havia profissionalismo, diz a procuradora. Houve perda de material, não  houve trabalho de verificação das fichas médicas que acompanhavam ossadas. Nenhuma das ossadas foi aberta e trabalhada pela equipe.

A alegação de Munhoz é que, sem verbas, tinham que aproveitar lâminas que usavam para inserir material genético das ossadas.

Com a promoção de Marlon, Eugenia começou a trabalhar no caso em 2002.

Houve um esforço inicial para conseguir máquina nova para o Instituto de Criminalística de São Paulo poder trabalhar o DNA de ossos antigos. Os responsáveis do Instituto, Dra. Norma Bonaccorso e Dr. Celso Perrone não regularam as máquinas para ossadas antigas, mas apenas para trabalhar material genético novo, do dia a dia.

Eugenia não entendia o descaso para com as dores dos familiares. O irmão de Flávio Molina, desaparecido político, informava que a mãe cega aguardava há 15 anos um exame de DNA. E nada.

Percebendo que com a USP também não se avançava, Eugenia tentou a possibilidade de contratação de um laboratório particular em São Paulo. Com isso, em 2005 e 2006 conseguiu-se a confirmação das ossadas de Flávio Molina e de Luiz Cunha.

Foi um momento inesquecível. No enterro, como a mãe de Molina estava cega, foram colocadas músicas que Molina gostava.

Mas o MPF não poderia substituir o trabalho de governo. Assim, o MPF passou a cobrar insistentemente uma solução definitiva, com a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos contratando equipes e coordenando a busca de corpos

Além de Perus, há corpos em Vila Formosa, Rio Janeiro, Araguaia.

Não identificaram vontade firme do governo federal, o que levou Eugenia a abrir uma representação contra a Ministra Maria do Rosário, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e contra o advogado Marco Antônio Barbosa Rodrigues, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos.

 

 

 

Luis Nassif

21 Comentários

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  1. Lei na Anistia – Parte 1

    Até hoje, TODOS tem medo ainda da DITADURA. Não ousam tocar até mesmo no assunto.

    Falar em processar e prender os militares assassinos daquela época, isso nem passa pela cabeça do mais ousado membro da Comissão.

    O país não está preparado nem para fazer justiça.

    Imagina se terão mesmo coragem de derrubar a Lei da Anistia, nunca. 

  2. Essa agenda nao é e nunca foi

    Essa agenda nao é e nunca foi da sociedade brasileira

    E da esquerda que cinica como sempre montou uma comissão da Opinião travestida de comissão da verdade.

    Verdade nao tem lado e essa comissão tem ate ex guerrilheiro que diz se orgulhar dos feitos passados.

    A guerrilha nunca lutou por democracia era uma gambada dispota a matar , prender , justiçar qualquer um que fosse inimigo e só nao fez coisa pior por falta de meios e nao vontade.

    Querrilheiro nao tem moral para falar em democracia , muito menos em justiça nenhuma.

    só quem pode poder isso era a sociedade civil que lutou contra a ditadura porque de fato era legallista e democratica.

    Esses ex guerrilheiros que ainda hoje apoiam Cuba deveria ter seus crimes esclarecidos pois as pesoas que foram mortas por eles e pelos seus comparsas estao esquecidas juntamente com a dor de seus entes queridos.

    O MP por sua vez agora é louvado pela esquerda, normalmente é tido como aliado do PIG ou da Cia ou sabe deus mais do que dentro das loucuras da esquerda cinica…rs

    1. Boçal

      Que me perdoe o Nassif e os comentaristas honrados deste Blog. Evito comentar qualquer de suas diarréias mentais despejadas neste espaço porque você não passa de motivo de chacota, pela pobreza de seu raciocínio, pelas posições fascistas e pelo “temor de Cuba” que permeia seus pesadelos.

      Mas tudo tem limite. 

      Diante da exposição da honrada da digníssima Eugênia Gonzaga sobre as dificuldades das famílas de seres humanos, que foram TORTURADOS, mortos, e tiveram seus restos mortais DESPEJADOS em vala comum, em ao menos identificar e resgatar seus entes queridos, tudo que você vem fazer aqui é essa trollagem boba de débil mental?

      Componho tanto quanto você a sociedade brasileira e esta é minha agenda. Quem é você para falar em nome da sociedade brasileira?

      Difícil saber o que você é. Se filho de torturador, se aspirante a torturador, se um simples babaca mesmo que defende os torturadores.

      Se você chama as pessoas que procuram desvendar os crimes dos torturadores de cínicos, te chamar de babaca é pouco, mesmo por que não é ofensa. É diagnóstico!

      E por falar em legalidade e democracia, palavras que você usa provalvelmente sem muita noção de significado, os ditadores da época não podiam ser democráticos – uma vez que haviam destruido a mesma – mas poderiam ao menos ter agido dentro do arcabouço da legalidade, uma vez que criaram e dispunham das leis para combater o que ELES consideravam subversão e crime. Preferiram tortura e matar.

      Boçal.

       

      1. ué e os mortos pela guerrilha

        ué e os mortos pela guerrilha , a dor deles nao conta?

        toma vergonha e antes de falar em mortos esqueça sua parcialidade

        morto é morto, tem pai, mae, filha, irmao e irma de qualquer forma

        quem vai esclarecer as mortes causadas pela guerrilha incluindo ai justiçamento?

        acha que me convence com essa historia de ” humanista indignado “? rs

        essa tatica é velha viu cumpadi? rs

        observe que não ha argumento em seu post que possa desmentir o fato de que a guerrilha lutava por outra ditadura e que nunca foi democratica ou legalista…

         

        1. Uma coisa não justifica a outra.

          Existe uma falha na lógica apresentada. Conforme o ponto de vista inicial, existiram muitas pessoas que não militaram em grupos armados, e mesmo assim foram torturadas e mortas pela ditadura. Somente a história revela, no mínimo uns dez casos, minha família conheceu um. Esses não se encaixam na premissa de facínoras que combatarem por “outra ditadura”. Não merecem essas famílias conhecerem e terem os restos mortais de volta? Mas como identifica-los se não toleramos que, sequer, se investiguem os crimes?

          Por isso minha parcialidade é apenas com a justiça. Se investigue tudo!! Informação nunca foi de mais.

           

          Mas não meu caro, somente queimadores de livros, ignóbeis e manipuladores não querem investigações. Se o medo é sobre a parcialidade das investigações, então que se acionem tribunais internacionais, ou que se estabelecam dupla jurisprudência.

           

          Mas fato é, o opressor tem o o maior de seus temores no oprimido, pois teme que este possa fazer, exatamente igual ao que lhe foi infrigido.

           

          Não aceito isso. Esses ex-militares envergonham os nobres soldados que, diga-se, lutaram na segunda guerra justamente para impedir que o mundo caísse nas mãos de facínoras que torturavam ao invés de investigar e matavam ao invés de debater.

          Todos eles terão o direito que negaram aos outros, quando no poder. Terão o direito a serem julgados, terão o direito a não serem torturados e terão o direito de não serem mortos,

          E nem por causa disso pouparemos da justiça os guerrilheiros que executaram e torturaram.

           

          Depois disso tudo, sim, poderemos acordar para um Brasil diferente!

        2. Mesmo que fosse verdadeira

          Mesmo que fosse verdadeira essa sua argumentação de que não se pode pegar em armas contra uma ditadura armada, você deveria saber que o citado deputado Rubens Paiva não era guerrilheiro, e mesmo assim foi torturado, assassinado e “desaparecido” por ser contra um regime ilegal, posto que nascido de um golpe.

        3. Os guerrilheiros e demais

          Os guerrilheiros e demais envolvidos no projeto de uma ditadura de esquerda, foram surpreendidos por uma rápida resposta dos empresários brasileiros (vários), e do levante das forças armadas, que receberam apoio e orientação da inteligencia americana. Se assim não fosse estariamos em uma ditadura até hoje. Muitos ditos intelectuais sabem disso, mas finjem inocência.

    2. Essa agenda é minha sim, ô

      Essa agenda é minha sim, ô Leônidas. E lutar contra ditadura que derrubou um governo democraticcamente eleito é coisa de gente valente, de brio, que deve ser lembrada e honrada. E punir torturadores uma obrigação de quem se diz ser humano. Hmmmppppffff!!!

  3. Investigar, julgar e condenar crimes contra a humanidade…

    … é um avanço civilizatório fabuloso.

    É Justiça!

    A pior “elite” do mundo, a começar pelo PiG, não quer Justiça… porque são os mandantes e financiadores destes facínoras que torturaram e assassinaram cidadãos brasileiros.

    A casa-grande tem sangue nas mãos.

  4. Alguns imbecis confundem

    Alguns imbecis confundem morte em combate com tortura. Morte em combate é morte em batalha, está dentro do quadro de baixas esperadas. Tortura não, tortura não prescreve. É crime hediondo e tem tipificação internacional. Ninguém reclama da morte de Marighella, Lamarca ou de outros guerrilheiros mortos em combate, ainda que em emboscada. Mas, na hora que alguém é capturado tem de ser tratado como prisioneiro, com respeito, embora mesmo o ícone desses torturadores, os EUA, não obedeçam isso em Guantânamo.

  5. Nassif, você tem muita

    Nassif, você tem muita paciência com esse trolha do Leônidas. Sujeito fascista, inconsciente, é tão pequeno que nem sabe que é fascista. Boçal repetidor de chavões anti-esquerda, anti humanidade.

     

  6. Não ha prescrição para crimes da ditadura

    Badan Palhares… Sempre ele. Triste é constatar que até os dias de hoje, ainda faz-se obstrução às investigações sobre os atos de tortura e morte na ditadura, apesar das instalações das Comissões da Verdade. E os exames de DNA, como é possivel que o Estado brasileiro não tenha se responsabilizado por isso e ja resolvido essa questão ?

  7. Ainda dá tempo de ver os

    Ainda dá tempo de ver os militares assassinos em prisão domiciliar. Será o dia da refundação do Brasil.

     

    FHC, Lula e Dilma não deram o apoio suficiente ao MPF.

     

    Não fosse o trabalho de alguns membros do MPF, a luta das famílias dos desaparecidos e de grupos como o Tortura Nunca Mais essa parte da história seria esquecida.

    1. Meu caro Daniel, a população

      Meu caro Daniel, a população brasileira tem incontaveis prioridades mal atendidas na area de segurança publica, 53.000 assassinados, grande parte latrocinios, o MP Federal não tem nenhum Grupo de Trabalho que se debruça sobre propostas

      nessa area? De onde o MPF deduziu que a população quer derrubar a Lei de Anistia? A ultima coisa que precisamos é um Ministerio Publico ideologizado trabalhando para a esquerda.

    2. Será que daqui 50 anos,

      Será que daqui 50 anos, depois que passarmos por uma ditadura bolivariana o MPF do futuro terá igual desempenho em processar os desmandos que a esquerda comete e certamente cometerá ???… os casos Celso Daniel e Toninho do pt ainda estão insolúveis e não vemos os MPs correndo atrás de suas soluções com tanta veemência… tanto é que a família de Toninho do PT vai denunciar o governo brasileiro na OEA… os crimes das “izquerdas” o MPF varre pra debaixo do tapete… porque será ???…

  8. Pra mim o MPF está usando os

    Pra mim o MPF está usando os mortos para fazer cortina de fumaça para o que estão fazendo aos vivos. Usar uma situação que causa dor em toda a sociedade brasileira para limpar a barra e tentar ficar bonito na foto. Não acredito mesmo nas boas intenções dessa instituição.

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