A espera por um atestado de óbito digno, por Eugênia Gonzaga

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A espera por um atestado de óbito digno

por Eugênia Augusta Gonzaga

Perder um ente querido é muito doloroso. Mas se a perda foi porque esse ente foi vítima de um Estado truculento, que mata de maneira inaceitável e covarde, dada a disparidade de forças, a dor por essa perda é muito maior.

Uma das formas possíveis de reparação é, ao menos, receber um atestado de óbito que descreva as reais circunstâncias dessa morte, como o documento que Clarice Herzog teve a honra de exibir orgulhosamente, conforme se pode ver na foto.

Mas há milhares de famílias ainda em situação de espera por um reconhecimento oficial. Nesse sentido, os familiares das vítimas da repressão política no período da ditadura militar (1964-1985) receberam uma imensa deferência legal nesse aspecto.

O artigo 3º, da Lei 9.140/95, admitiu que os familiares desses militantes políticos mortos em situação de conflito com o Estado, mas cujos corpos não tiveram um enterramento convencional, pudessem requerer a oficiais de registros civis a lavratura do assentos de óbito. Para tanto, bastaria que seus pedidos fossem instruídos com cópia da mesma lei e de seus anexos, ou então com o reconhecimento da condição de morto ou desaparecido político pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Politicos (CEMDP) criada pela própria lei.

Foi um momento histórico na vida desses familiares, que há vinte anos esperavam ter algum documento que comprovasse a morte de seus entes queridos pela ditadura. Além da ilustração presente neste texto, o livro de Marcelo Rubens Paiva, “Ainda estou aqui”, pela editora Objetiva Ltda., sobre sua mãe, também demonstra muito bem a importância da obtenção desse documento.

Porém, esses registros de óbito de mortos e desaparecidos politicos não foram lavrados facilmente. Cada pessoa, que ainda nem sabia onde e nem como efetivamente seu familiar havia falecido, pois o Estado brasileiro nunca divulgou uma versão oficial e comprovada sobre isso, teve que se dirigir ao Cartório mais próximo para pedir a  lavratura do tão esperado assento de óbito.

Foi mais uma empreitada constrangedora para esses familiares, pois os representantes de cartórios, mestres na arte da burocracia, não queriam aceitar lavrar um assento que não tivesse como base um atestado descrevendo objetivamente as condições da morte, tais como hora, data, local, “se a morte foi natural ou violenta e a causa conhecida, com o nome dos atestantes”, nos termos do art. 81, da Lei de Registros Públicos (LRP).

Depois de muita argumentação, tais cartórios acabaram lavrando os assentos de óbito e, onde precisaria constar as circunstâncias da morte, escreveram “nos termos da Lei 9.140/95”.

Foi uma solução paliativa mas que tem perpetuado o sentimento de injustiça dos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Tiveram que aceitar, como reconhecimento da morte produzida pelo Estado brasileiro, um documento contendo termos não usuais para a espécie e que não refletem minimamente as circunstâncias do falecimento.

O resultado é o de que tais familiares, mesmo privilegiados com uma lei específica em relação a outros familiares vitimas do Estado, passaram a pleitear, em vários âmbitos, inclusive judicialmente, a retificação de tais assentos. Contudo, o procedimento de retificação de registros civis como o óbito, regulado pela LRP, demanda a existência de provas e certidões com fé publica, as quais, pela peculiaridade óbvia dos casos, as famílias não dispõem.

Sendo assim, os familiares interessados na correção continuam pleiteando do Estado as providências necessárias à retificação, como forma de reparação, a qual não é apenas pecuniária, mas também psicológica e moral.

Atenta a esse pleito, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), instituída pela Lei 12.528/2011, fez constar como uma de suas Recomendações (a de n. 07), a  retificação da causa de morte a pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos.

Mesmo assim, até hoje não se encontrou um forma de se proceder `a correção de tais assentos.

Em reunião marcada para hoje, 23.10.2017, a CEMDP pretende votar uma proposta de Resolução que resolva de vez esse imbróglio. A ideia é, a partir de consulta aos familiares que desejem fazer a correção, emitir um atestado que indique minimamente as circunstâncias de morte já reconhecidas oficialmente pela CEMDP e pela CNV.

As consultas e definições dos termos exatos do atestado serão feitas individualmente, para cada caso, pelo endereço eletrônico [email protected], criado exclusivamente para receber os pedidos de providências para correção de assentos de óbito.

Espera-se que a burocracia inerente aos registros públicos aceite tal documento e que sejam promovidas as correções necessárias de maneira célere, considerada a natureza de reparação moral da providência. E que esse reconhecimento se torne um exemplo  para obtenção de medida semelhante por parte de outros familiares de vitimas da violência do Estado.

Eugênia Augusta Gonzaga – Procuradora Regional da República com atuação em direitos humanos, especialista em direitos de pessoas com deficiência,  presidente da Comissao Especial sobre Mortos e Desaparecidos Politicos e escreve semanalmente no GGN. 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

1 Comentário

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  1. Máfia tucana dos inférno!! Tomaram os 3 poderes e tudo +

    Esperamos que os familiares e/ou vitimas do corredor das torturas do moro, também comecem a exigir atestados de óbitos com as verdadeiras causas das mortes e/ou atestados das torturas aplicadas por moro, dependendo do caso, com as devidas indenizações e punições severas a todos os torturadores envolvidos.

    “Quais são as piores torturas psicológicas?

     

    Nem sempre o sofrimento precisa ser físico: a mera tensão já força prisioneiros a confessarem qualquer coisa.”

     

    -MORO E UMA DAS TÁTICAS DO SEU CORREDOR DAS TORTURAS: 

    A prisão de alguns por 20, 30 e até 40 anos de pena, devidamente divulgadas para detidos selecionados para delatarem, aterrorizam e induzem às delações, inclusive direcionalmente, onde os delatores confessam o que os torturadores quiserem.

    -OUTRAS TÉCNICAS:

    -Conduções coercitivas desvairadas com grande exposição humilhante.

    -Prisões sem precedentes, de forma traiçoeira, expondo o preso a revistas acachapantes em suas parte íntimas. Essa técnica de moro & cúmplices foi 100% verificada e comprovada no caso do reitor da UFSC Luis Caros Cancellier. Essa técnica foi adotada por moro, que aproveitou dos históricos da operação mãos limpas na itália. Abaixo, trecho de reportagem sôbre a operação mãos limpas que deixa claro as intenções de moro (e seus cúmplices) no seu corredor das torturas em Curitiba:

    “Um ponto de virada na percepção pública da operação mãos limpas, tida como inspiração da “lava jato”, foi quando empresários italianos acusados de corrupção passaram a cometer suicídio. Do outro lado do Atlântico, no hemisfério oposto, mais de 20 anos depois, o Brasil vive o auge de sua cruzada particular “contra a corrupção”. A tragédia de um acusado tirar a própria vida ainda não tinha acontecido — até esta segunda-feira (2/10).

    Luiz Carlos Cancellier de Olivo, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, foi ao vão central do Shopping Beiramar em Florianópolis e se atirou. Ele era acusado de atrapalhar as investigações da Corregedoria da UFSC sobre suposto desvio de R$ 80 milhões que seriam usados em cursos de Educação a Distância (EaD) da universidade. Por causa das suspeitas, ele e outras seis pessoas foram presas no dia 14 de setembro. Sua prisão foi decretada pela juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal em Florianópolis.

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