A evolução do capitalismo atual, por Delfim Netto

Do Valor

O capitalismo inovador e revolucionário

Antonio Delfim Netto

Para entender o mundo em que, por falta de alternativa temos que viver, precisamos reconhecer o homem como é: um animal terrivelmente complicado. Enquanto ele priorizar a sua liberdade de escolha; enquanto for, souber e sentir que é diferente do “outro”; enquanto nem mesmo a mais longa privação da sua liberdade for capaz de incorporar ao seu DNA (a hipótese lamarckiana) um comportamento comunitário instintivo, continuará a sê-­lo.

Isso não nega sua natural empatia e solidariedade, nem um natural altruísmo com relação ao “outro”. É por isso que a organização social “civilizada”, que ele vem tentando construir através de uma seleção histórica (que imita a biológica, mas tem finalidade), deve atender a pelo menos três objetivos não inteiramente compatíveis: 1) que lhe permita exercer sua atividade com ampla liberdade e com respeito à liberdade do “outro”; 2) que, a despeito das diferenças do acidente do local do seu nascimento, sinta­-se nela recepcionado, integrado e goze de relativa igualdade; e 3) que se sinta inserido num processo produtivo relativamente eficiente, que lhe deixe mais tempo e oportunidades para usar a sua relativa liberdade e relativa igualdade na exploração das suas potencialidades.

É evidente que esses três valores, quando absolutos, ou se negam ou são contraditórios. Basta refletir um pouco para concordar que: a) a liberdade absoluta é apenas o caos; b) o excesso de liberdade assassina a igualdade, mesmo a relativa, porque somos, biologicamente, diferentes; e c) a busca da absoluta eficiência produtiva nega a liberdade de iniciativa, a igualdade e, no limite, a própria eficiência relativa…

Trata­s-e de um longo processo, que avança lentamente, impulsionado pelo uso continuado de uma invenção do homem ­ o sufrágio cada vez mais universal -­ que os trabalhadores organizados em sindicatos durante a revolução industrial no século XIX conquistaram para que pudessem escolher o poder incumbente.

Ele mitiga, com o voto na urna (onde a igualdade é cada vez mais completa), o poder econômico do capital no mercado e empodera os que, para viver, têm, como única alternativa, vender-­lhe sua força de trabalho.

O que chamamos de “capitalismo” é apenas um instante passageiro desse processo histórico. Nem é natural, nem é eterno, como insistem em acreditar alguns economistas. Ele tem atendido razoavelmente às condições anteriores. Acelerou o nível de desenvolvimento e promoveu uma distribuição ainda precária dos seus benefícios. E, até agora, respondeu melhor do que as organizações sociais inventadas por cérebros peregrinos, porque, como disse Goya, “os sonhos da razão produzem monstros”.

É claro que as críticas morais devastadoras de Marx ao capitalismo do século XIX e a dos socialistas fabianos (não marxistas) do século XX foram ingredientes importantes na evolução (que não terminou) do “capitalismo” atual. Pelo jogo continuado entre o mercado (o poder do capital) e a urna (que empodera o poder incumbente para regulá­-lo na direção desejada pela maioria dos cidadãos empoderados por ela) vai­-se construindo uma sociedade, cuja organização converge, assintoticamente, para a “civilizada”.

Toda simplificação de um problema complexo é, por definição, uma caricatura problemática! Mas não se fará uma traição muito comprometedora, se dissermos que tanto os economistas clássicos como Marx sempre duvidaram que os efeitos e benefícios da acumulação do capital e do progresso técnico acabassem, no “capitalismo”, migrando para a mão de obra na forma de aumento dos salários reais. Eles não tiveram condições para avaliar as consequências do processo num tempo mais longo. Os fatos pareciam, então, acomodar­-se às suas conclusões.

A partir de 1870, o crescimento da população, a incorporação de novas tecnologias, de inovações, a revolução energética, a expansão dos mercados, pelo aumento da renda e pela geografia, aceleraram o aumento da produtividade da mão de obra (codinome do desenvolvimento econômico). O crescente empoderamento do cidadão-­trabalhador pelo sufrágio cada vez mais universal, modificou, também, a distribuição de seus frutos e aumentou o salário real.

Se Marx ressuscitasse hoje, provavelmente se surpreenderia e se entusiasmaria com a fantástica metamorfose do seu capitalismo “inovador e revolucionário” sob a pressão organizada do cidadão-­trabalhador. Talvez lamentasse o uso desastrado de suas ideias no século XX, por asseclas descuidados. E continuaria, com razão, a achar o “capitalismo do século XXI” ainda injusto e profundamente imoral.

Provavelmente teria mais cuidado, entretanto, em sugerir os remédios para corrigi­-lo, além de 1) propiciar ao cidadão-­trabalhador mais educação para respeitar os limites físicos impostos pela realidade e 2) continuar a insistir no seu empoderamento para um dia superá­-los.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-­USP, ex­-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento

Redação

11 Comentários

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  1. Delfim

    Delfim Neto é o unico intelecual conservador que consigo ler.

    Pelo menos aqueles que escrevem regularmente na imprensa.

    Posso discordar dele ou não, mas isso não tem importancia.

    Com os demais tenho uma imensa paciência, mas não dá. Sempre tem um quê manipulação, de meias verdades e no final pau no pt.

    Já esta na hora de aparecer gente nova nesse campo do conservadoriasmo.

    E não vai ser com Aecio, Caiado, R Azevedo  e que tais que isso vai acontecer.

    Resumindo, a propria imprensa conservadora afunda por falta de apresentar gente que realmnte pensa com a cabeça e não com o figado.

     

  2. “Resumidamente, sabendo que

    “Resumidamente, sabendo que para existir o controle total dos meios de produção pelo Estado, deve existir um planejamento econômico, mas o planejamento econômico somente é possível através do cálculo de preços, para existir o cálculo de preços deve existir um mercado, mas, sem propriedade privada dos meios de produção não existe mercado.

    Logo, se não existe propriedade privada, não existe mercado, se não existe mercado não existe cálculo de preços, se não existe cálculo de preços é impossível realizar o planejamento econômico, logo, a economia socialista é impossível*.

     

    1. Quanta asneira em apenas dois

      Quanta asneira em apenas dois parágrafos.

      Dá para criticar de tantas formas que eu vou só arranhar porque tenho mais o que fazer.

      Quem já leu além da página 50 de O Capital sabe distinguir preço de valor e como obter os mesmos, assim como a consequência prática extremamente bem sucedida da matriz de Leontiev para planificação econômica. 

      É mais um texto de senso comum neo-fascista classe merda.

      Os problemas fundamentais do socialismo não tem nada a ver com  cálculo de preços, e sim as distorções causadas pela centralização política e pela busca do idelal de expansão continua do socialismo em detrimento da consolidação interna das sociedades constituídas.

      O socialismo é tão possível que ainda existe para quase dois bilhões de pessoas no planeta.

      E olha que nem sou socialista.

    2. Alvo errado

      Voce até pode estar certo, mas isso não tem nada a ver com Marx. Marx, certo ou errado, acreditava que no comunismo não haveria Estado, pois não haveriam classes. Portanto, no comunismo de MArx não existiria ‘controle total dos meios de produção pelo Estado’ – acho que você confundiu Marx com Stálin, continua precisando estudar algo que não seja Von Mises Oneide!. Quem organizaria a produção seriam os ‘produtores livremente associados’ e não o Estado; e a palavra planejamento até onde eu saiba raramente aparece nos textos de Marx e menos ainda quando se refere ao comunismo sobre o qual ele muito pouco escreveu.

    3. Não é preciso chegar ao

      Não é preciso chegar ao comunismo para demolir o conjunto de falácias da escola liberal. Aquela conversa mole que os preços são dados pela “escassez” de algo desejado e, principalmente, que o Deus mercado sempre dará o preço certo para tudo. Basta constatar  a realidade do estágio  socialista intermediário. Se algo é impossível a sua própria existência já contradiz a afirmativa.

      Hoje essas abobrinhas devem ser motivo de piada para os fisicos quanticos recrutados pelos hedge funds, que estão manipulando os mercados mobiliarios e de commoditties mundiais, mediante softwares de alta frequência  muito mais sofisticados e que recebem dados maciços de comportamento de consumo e de avaliação de ativos mundiais, levando em conta a psicologia de massas, efeito manada, variantes culturais econômicas nacionais. O desvio do chamado equilíbrio e a possibilidade de alongá-lo o mais irracionalmente possível é o foco dessses estudos, que permitem a transferência de riqueza por atacado sem contraprestação alguma e o consequente uso como instrumento de poder.

  3. O que pensa Angus Deaton,

    O que pensa Angus Deaton, Nobel de Econömia 2015

    1. Desigualdade é uma consequência inevitável da prosperidade

    No filme A Grande Fuga, 250 prisioneiros da Segunda Guerra Mundial escapam de um campo nazista. A fuga foi uma excelente notícia para os que conseguiram escapar, mas provocou uma desigualdade entre os prisioneiros. Se antes estavam todos igualmente presos, com o episódio alguns conquistaram a liberdade, enquanto outros foram deixados para trás. Na soma geral, porém, nenhum prisioneiro ficou numa situação pior.

    Angus Deaton, economista que ganhou o Nobel de Economia esta semana, se inspirou nesse filme para dar o título do seu livro mais famoso – A Grande Fuga: saúde, riqueza e as origens de desigualdade. Até a Revolução Industrial, o mundo todo era igualmente miserável. A prosperidade que surgiu a partir de então tirou alguns países da miséria, enquanto outros seguiram pobres. A desigualdade aumentou, ainda que ninguém tenha piorado de situação. Diz ele:

    Desigualdade é frequentemente uma consequência do progresso. Nem todos enriquecem ao mesmo tempo, e nem todos tem acesso imediato às medidas profiláticas mais recentes, seja o acesso a água limpa, vacinas ou a novas drogas de prevenção a doenças. Desigualdade, por sua vez, afeta o progresso. Ela pode ser boa; crianças indianas percebem o que a educação pode fazer e também vão para a escola. E pode ser má se os vencedores tentam impedir os outros de segui-los, puxando para cima as escadas atrás deles.

    *

    A Revolução Industrial, começando na Inglaterra nos séculos 18 e 19, iniciou o crescimento econômico que tem sido responsável por centenas de milhões de pessoas escapando da privação material. O outro lado da mesma Revolução Industrial é o que os historiadores chamam de ‘Grande Divergência’, quando a Inglaterra, seguida um pouco depois pelo noroeste da Europa e pelos Estados Unidos, se afastou do resto do mundo, criando um enorme golfo entre o Ocidente e o resto.

    2. Mais que a riqueza, foi o conhecimento que nos tornou mais saudáveis

    Uma ideia bem aceita entre demógrafos e economistas é que o aumento da renda a partir da Revolução Industrial causou a enorme melhoria da saúde e da expectativa de vida nos últimos três séculos. Com mais comida na mesa e dinheiro para bancar descobertas médicas, as pessoas viveram mais e melhor. Um europeu médio hoje é 11 centímetros mais alto e vive quatro décadas mais que no século 18. Angus Deaton concorda que a renda contribui para a saúde, mas dá pouca importância a essa relação. Mostra, por exemplo, que em 1750 famílias ricas e bem alimentadas tinham a mesma expectativa de vida que os pobres. Para ele, o que nos tornou mais saudáveis não foi tanto o crescimento econômico, mas o maior conhecimento sobre germes e doenças.

    3. A ajuda à África atrapalha

    Angus Deaton abraça a ideia de que a maior parte da ajuda humanitária mais prejudica que contribui com o desenvolvimento da África. Para ele, o que os países mais pobres precisam é de instituições que propiciem o crescimento econômico, e muitas vezes a ajuda humanitária enfraquece ainda mais as instituições:

    A ajuda estrangeira mina o desenvolvimento da capacidade do estado. Isso é mais óbvio nos países onde o governo recebe grandes quantias de ajuda direta. Esses governos não precisam de contato com os seus cidadãos, nem parlamento e nem sistema de coleta de impostos.

    L.Narloch
     

  4. Analogias, mas com uma pitada geométrica

    A mágica do bem viver social depende fundamentalmente, não do socialismo ou do capitalismo, pelo menos por enquanto, mas das analogias volumétricas mágicas.

    O resto, ora… o resto é conversa para dormir do Delfim KKKKK!!!!!!!!!

    Acorda, Dilma!

    1. Goya, valeu a dica

      Goya e a Espanha do seu tempo (parte II)

      Leia mais» Goya e a Espanha do seu tempo (parte I)
      » Goya e a Espanha do seu tempo (parte III)
      » Goya e a Espanha do seu tempo (parte IV)

       

       

      Como nas tantas histórias encantadas conhecidas, arábicas ou persas, foi de certo modo através dos tapetes que Francisco Goya y Lucientes (1746-1828), artista até então desconhecido na Espanha, chegou às portas da Corte de Madri no ano de 1774. Começava assim, com o seu amparo técnico às artes das tapeçarias, uma das mais prolíferas e espantosas carreiras artísticas de um grande mestre das cores e do desenho, tido por alguns críticos como o primeiro dos pintores modernos dos tantos que a Espanha gerou.

       

      A suspensão das reformas

       

       

       

       “Os sonhos da razão produzem monstros” (Goya, 1798)

      Reforma essa que se petrificou e até reverteu por efeitos dos pavores gerados pela Revolução de 1789, pois então ficou explícito que as propostas progressistas dosiluminados fatalmente promoveriam uma insurreição em massa, acompanhada por banhos de sangue, como acontecia na França naquela época, a “França pestilenta”, segundo o bispo Menendez de Luarca, o que contribuiu para que o a elite espanhola, tomada de pânico, acreditasse que o tradicionalismo e o imobilismo social e religioso do reino era um mal menor perante a fúria dos jacobinos. Os monges inquisidores lhes assumiram então como menos nocivos e sanguinários do que os comissários guilhotinadores de Robespierre. Frustração essa que provavelmente serviu de inspiração indireta a conhecida gravura de Goya “Os sonhos da razão produzem monstros” (1798).

       

      Além disso, para uma reforma iluminista poder deitar raízes ela deveria contar com a existência da presença de uma classe média empreendedora, com profissionais liberais de relevo e gente do negócio e da indústria. Algo que visivelmente o país não dispunha.

      Por isso, pelos destemperos dos acontecimentos de Paris, pelo radicalismo crescente da revolução, os políticos reformistas e os humanistas espanhóis, que, afinal, sempre foram minoritários, pagaram um preço alto: o banqueiro liberal Cabarrus (cujo conselho resumia-se no dito “Poucas leis, deixai fazer e observar”) foi confinado pela Inquisição, mesmo destino teve Mariano Luis de Urquijo, tradutor de Voltaire, seguido do escritor e ensaísta Gaspar de Jovellanos, um asturiano amigo de Goya, desterrado para a ilha de Maiorca entre 1800 e 1808, Pablo de Olavide, por sua vez, que fora detido por “heresia”, teve que fugir para o exterior, enquanto que, reforçados pela retomada da censura geral, os tribunais do Santo Ofício voltavam à plena atividade, apoiados por manifestações públicas dos seus familiares que saiam às ruas com seus capuzes pontudos e com tochas na mão para esconjurar os demônios vindos de fora que queriam tomar conta da sua Espanha.(*)

      A política antiiluminista então adotada no reino de Carlos IV (1788-1808), sucessor de Carlos III, visou principalmente os livros. As alfândegas receberam ordens terminantes de impedir que qualquer volume vindo do exterior pudesse vir a entrar no território peninsular. A Espanha tradicionalista, fidalga e carola, procurava assim calafetar qualquer possível abertura que viesse a colocá-la em perigo. Novamente tudo indicava que a velha sociedade parecia novamente reproduzir a vitória que tivera nos séculos anteriores, na época do Renascimento, quando os teólogos reacionários aliados aos inquisidores esmagaram a influencia do humanismo erasmista entre a elite acadêmica espanhola, no século XVI.

       

      (*) A Inquisição criada pelos reis católicos Fernando e Isabel em 1478 para estabelecer uma política de uniformização da fé nas áreas recém conquistadas dos mouros,levada a cabo primeiramente pelo cardeal Torquemada, foi uma das instituições mais nefastas da história ocidental. Por meio dos Tribunais do Santo Ofício e de Autos-de-fé, a Igreja e o Estado perseguiram e submeteram aos tormentos por mais de três séculos a todos a quem considerava ser uma ameaça étnica ou religiosa, particularmente os judeus e os mouriscos. Tornou-se símbolo da intolerância e da opressão oficial, procurando sufocar todo o pensamento e a criatividade da sociedade ibérica.Apesar dos liberais das Cortes de Cádis tentarem sua supressão em 1812, somente foi de fato encerrada em 1843, após 365 anos de funcionamento.

       

      Pão e touros

       

       

       

       Corrida de touros (Goya- Divertimento espanhol,1825)

      Reagindo contra tal maré tradicionalista e reacionária, circularam panfletos e outros escritos de jovens inconformados com o retrocesso, denunciando aquela situação de retomada da ditadura monárquico-católica sobre o pensamento ilustrado. Numa delas, Marchesana, um ex-estudante de Salamanca, no seu chamamento “A la nación española”, escreveu:

       

      “Já não é tempo da nação sacudir o intolerável jugo da opressão sobre o pensamento?Não é tempo para que o governo suprima um tribunal de trevas que envergonha até mesmo o despotismo?…Igualdade, humanidade, fraternidade, tolerância, espanhóis, este é em quatro palavras o sistema dos filósofos que alguns perversos os fazem olhar como se fossem monstros.”

      Num outro libelo, intitulado ao modo de Juvenal, “Pan y toros” (Pão e touros), escrito por Leon de Arroyal, em 1793, denunciando o obscurantismo que novamente baixou sobre as terras espanholas, reduzindo a população à sobrevivência básica e à diversão nas arenas, concluiu que:

      Haya pan y haya toros, y más que no haya otra cosa. Gobierno ilustrado: pan y toros pide el pueblo. Pan y toros es la comidilla de España. Pan y toros debes proporcionarla para hacer en lo demás cuanto se te antoje in secula seculorum. Amen

      .(Há pão e há touros, e não há mais outra coisa.Governo ilustrado: pão e touros pede o povo. Pão e touros é a diversão da Espanha. Pão e touros deves lhes proporcionar enquanto e coloquem antolhos pelos séculos que ainda haverão de vir. Amém)

       

      Letras e Tintas

       

       

       

       Os pequenos cavaleiros, reunião de pintores espanhóis (desenho em lenço atribuído a Martínez del Mazo ou a Velásquez)

      Afastada de muito longe do tempo da Idade do Ouro das letras espanholas (entre 1500 – 1660) – contemporânea à expansão e apogeu do império ultramarino, que então contou com um Cervantes (+1616), um Garsilaso de la Vega (+1616),um Góngora (+1627), um Lope de Vega (+1635), um Quevedo (+1645), encerrando-se com Saaveda Fajardo (+1648) e a publicação do Idea de un Príncipe – a época de Goya mostrou-se pobre em obras significativas. Aquela grande literatura que legara à cultura ocidental, personagens como o cavaleiro louco Don Quixote, o esfaimado pícaro Lazarillo de Tormes, e o infatigável conquistador de mulheres Don Juan, não deixara sucessores à altura.

       

      Tanto assim que nomes de escritores, poetas , ensaístas e eruditos, contemporâneos de Goya, tais como Nicolas F. de Moratín(+ 1780), o padre José Francisco de Isla(+1781), José Cadalso (+1782), Nicasio Cienfuegos (+ 1787), Tomás de Iriarte (+1791), Juan Pablo Forner (+ 1797), d. José Cerda y Rico (+1800), Félix Maria Samaniego (+ 1801), o já citado Gaspar de Jovellanos (+1811), Juan Meléndez Valdés (+1817), hoje só são lembrados pelos historiadores e estudiosos da literatura hispânica. De certo modo isso é a demonstração sociológica de como as artes de um modo geral se articulam com a situação material e política das nações, pois a mediocridade das letras contemporâneos ao grande pintor combinou com a decrepitude do império, abalado por guerras perdidas e por derrotas irrecuperáveis, além da estagnação econômica generalizada.

      Situação que veio a se agravar ainda mais com a crise política provocada entre os monarcas espanhóis Carlos IV e seu filho Fernando, o Príncipe das Astúrias, envolvendo Napoleão Bonaparte, o que acarretou a invasão da península pelas forças francesas em 1808, desastre que se estendeu até 1814.

      O mesmo poderia se dizer da pintura. O último grande nome espanhol das palhetas tinha sido Diogo Velásquez, falecido em 1660, quase um século antes do nascimento de Goya. Os temas e as cores que foram celebres, vivas e audazes, nos tempos dos Habsburgo, los Austrias (1504 – 1700), como muitos preferem chamá-los na Espanha, pareciam ter esmaecido na época dos Bourbon (iniciada com Felipe de Anjou, em 1700). Este esvaziamento dos talentos de certo modo obrigou a Corte a buscar artistas franceses (Miguel Ângelo Houasse e Jean Rance, Louis Michel van Loo) e italianos (Giacomo Amiconi, Corrado Giauinto, Antônio Rafael Mengs, Giovani Baptista Tieopolo). Muitos deles, além de retratarem o monarca e seus familiares e inúmeras cenas de caçadas, se dedicaram à feitura de cartões para que servissem como modelo para a fábrica de tapetes Santa Bárbara que Filipe V mandara fundar para suprir a demanda nacional. Foi para ela que o nome de Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828), então um jovem artista aragonês, nascido em Saragoça, foi indicado, tendo produzido um número considerável deles entre 1775 e 1791. Aquele foi o primeiro passo para que ele viesse ocupar o lugar vazio deixado por Velásquez de Pintor Del Rei.

  5. muito bem, GGN

    por elevar a título a postagem. É que tem gente que tgorce o nariz, diz cruz-credo, não quer nem ouvir falar, nem ver um Arthur Giannotti pela frente, nem por trás; muito menos um Delfim Neto (que, já disse por aqui tempos atrás, numa coluna em C. Capital , se mostrou mais avançado do que muito simpatizante róseo, avermelhado , ou vermelho roxo desde criancinha, quando já começava uma gritaria de crítica a Dilma, ele dizia que o negócio era deixar o estelionato eleitoral e ir em frente). E quem não achar que houve estelionato eleitoral merece o reino dos céus.

  6. Delfim merece respeito, mas errou feio!

    Apesar de ter dito recentemente em uma palestra que não se arrepende de ter assinado o AI-5 Delfim ainda é um dos poucos intelectuais de direita que merecem algum respeito intelectual. No entanto erra feio no texto quando trata de Marx.  Se há uma critica ética (não confundir com moral) ao capitalismo em Marx é que o capitalismo nos torna mais livres da subordinação pessoal, o que é um avanço, mas nos torna escravos coletivos das forças impessoais e incontroláveis do ‘mercado’.Basta olhar a bateção de cabeça dos dirigentes de todo o planeta para ver como somos escravizados pelo mercado no ‘capitalismo atual’. Alguns inclusive prometem uma coisa nas eleições mas escravizados ao mercado, fazem outra quando eleitos.Isso mostra o quanto o capitalismo atual restringe a ‘liberdade de escolha’ e transforma a democracia em um teatro eleitoral farsesco. Ao contrário da propaganda, Marx era um pensador da liberdade sem ser um liberal que acha que liberdade se resume a escolher o que comprar -sob ‘restrição monetária’ é claro.

    Mas Delfim erra mais feio ainda quando confunde MArx com Malthus  e Ricardo. Marx demonstra em “O capital” que com o aumento de produtividade o salário real dos trabalhadores podem até aumentar, mas aumenta também a exploração pois os ganhos da produtividade vão em sua maior parte para o capital – se não forem os lucros diminuem, o incentivo para acumulação cessa e os capitalista pressionados pela concorrência fazem uma ‘greve (inconsciente) de investimentos’. Aliás, outro erro comum – inclusive de marxistas – é confundir exploração com miséria material. A miséria material é apenas um dos muitos possiveis efeitos da exploração; outras formas em que a exploração aparece são a desigualdade – e basta olhar qualquer dado sobre a distribuição da renda no ‘capitalismo atual’ para comprovar isso  – e a miséria intelectual e moral – é so percorrer a internet, ler os jornais ou assitir a TV para se ter uma ideia desse tipo de miséria no capitalismo atual. Não creio que Marx mudasse suas verdadeiras ideias no ‘capitalismo atual’, pois esse só as confirma.

    O unico acerto é quando afirma que MArx lamentaria o uso de suas ideias no século XX e acho que o faria especialmente pelo stalinismo que ‘sequestrou’ a denominação de comunista. Estes estão mais para Lassale do que para Marx. Marx era um profundo crítico do Lassalismo e sua adoração e subserviencia ao Estado prussiano. A critica de Marx a Lassale oferece um poderoso antídoto ao sequestro do marxismo pelo stalinismo.

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