A Fiesp e sua crise escravocrata

Para entender a crise brasileira é preciso apenas observar os fatos e extrair deles as conclusões necessárias.

Um elemento chave da crise é o apoio aberto da Fiesp ao golpe de estado. Como em 1964, a maior organização de empresários pretende fazer o Brasil mergulhar no abismo da ausência de democracia política aliado ao capitalismo predatório com máxima rentabilidade empresarial mediante a revogação de direitos trabalhistas. O fato do capital ter retirado expressamente seu apoio à democracia política é importante e merece algumas considerações.

A primeira pergunta que a conduta da Fiesp sugere é a seguinte: o PT frustrou as expectativas dos empresários? Houve um declínio acentuado na margem de lucro das empresas durante os governos petistas?

O crescimento acelerado do país durante quase uma década foi interrompido nos últimos anos. Mas isto não se deve necessariamente ao governo do PT. A economia brasileira é internacionalizada e está sofrendo os efeitos das crises norte-americana, europeia e chinesa. A recuperação do poder de compra do salário mínimo nos últimos anos não chega a ser um problema para os empresários brasileiros, pois nas áreas mais industrializadas do país (como em São Paulo onde a Fiesp tem sede) a maioria deles paga mais do que mínimo.

O declínio da rentabilidade das empresas brasileiras sob os governos Lula e Dilma é uma ilusão propagandeada pelos jornalistas. Não é segredo que imprensa brasileira embarcou no projeto de redução de direitos trabalhistas desde que o então candidato Aécio Neves proclamou que o Brasil deveria voltar a dar lucro.

Um aspecto importante é raramente lembrado pelos jornalistas. Os empresários brasileiros reclamam de impostos que sonegam, de direitos trabalhistas que não cumprem e da corrupção que eles mesmos fomentam para obter favores de agentes públicos. Talvez o PT tenha frustrado as expectativas dos empresários na medida em que começou a cobrar impostos sonegados e a facilitar a ação da PF e do MPF contra corruptos e corruptores. Mas não se pode dizer que o PT frustrou as expectativas dos empresários mantendo a vigência da CLT. De fato, os líderes petistas nunca se disseram favoráveis à flexibilização dos direitos trabalhistas.

A carga tributária brasileira, insuportável segundo os empresários da Fiesp, é menor que a de vários países europeus. Nenhum empresário paulista conseguiria operar com uma margem de lucro tão generosa em países como a Alemanha, França e Itália, por exemplo.

São Paulo é um estado que resiste às políticas de cotas nas suas universidades. Naquelas em que os negros conseguem entrar em razão do Fies, Prouni e do Enem, eles são constantemente hostilizados mediante pichações do tipo: negros, voltem para as senzalas; universidade não é lugar de preto escravo. O racismo, portanto, pode ser outra chave importante para entender o desejo dos empresários paulistas de destruir a democracia que possibilitou a ascensão de negros e pardos às universidades públicas e privadas onde seus filhos brancos estudam.

Porque a Fiesp retirou a legitimidade da democracia brasileira? Esta é uma pergunta difícil de responder. Talvez os empresários paulistas queiram viver no melhor dos mundos. Um em que não paguem impostos, possam tratar seus empregados como escravos e corromper impunemente servidores públicos. Este mundo já existiu, mas pereceu quando a escravidão foi abolida e a República foi proclamada.

Não, nós não estamos numa crise de legitimidade da democracia capitalista inclusiva. Afinal, setores empresariais importantes, a esmagadora maioria dos intelectuais e artistas e uma ampla maioria da população não quer rasgar a CF/88. A crise brasileira, ou melhor, a crise paulista, é mais profunda. Ela é uma crise de escravocratas recalcados e por isto mesmo deve ser e será derrotada de uma maneira ou de outra. O ressurgimento do passado é uma impossibilidade histórica. A tragédia sempre se repete como farsa, como disse Marx.

O renascimento da histeria senhorial, exemplificada pela cartinha enviada ao jornal Guardian pelo dono da Globo reclamando do jornal inglês chamar o golpe de golpe, não conseguirá se impor como fato político consumado. A resistência interna e externa ao retorno do passado autoritário e escravocrata é irresistível. Restará aos golpistas derrotados apenas duas saídas: a da ilusão pelo consumo de cocaína ou o tratamento da depressão com remédios controlados.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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