A função social da guerra nos EUA

Algum tempo antes de bombardear a Síria ilegalmente com base num pretexto questionável, o presidente dos EUA disse: “precisamos começar a ganhar guerras”. A frase de Trump é exemplar http://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/27/internacional/1488210234_980587.html?id_externo_rsoc=TW_CC. Ela sugere que a guerra tem uma verdadeira função social na sociedade norte-americana.

Os EUA gastam com suas forças armadas mais do que todas as outras potências juntas. Os armamentos sofisticados são os principais produtos de exportação made in USA há várias décadas. A política interna daquele país é conduzida de maneira a preservar a saúde as indústrias de armamentos que distribuem generosamente dinheiro a republicanos e democratas. A política externa dos EUA se baseia quase exclusivamente no uso ou na ameaça de uso da força bruta.  

Entre os norte-americanos a guerra tem importância tanto econômica quanto política. Ela fomenta a coesão interna em face de um inimigo real ou midiaticamente construído. Os conflitos são cuidadosamente registrados em vídeo para que possam estimular a compra de armamentos utilizados no campo de trabalho.

O discurso político de Trump se insere dentro de uma tradição norte-americana. Nos EUA a guerra não é mais tratada como uma exceção indesejada (como consta na carta da ONU) e sim como uma oportunidade de expandir o poder dos EUA e o lucro dos empresários norte-americanos.

Os benefícios da guerra já haviam sido notados por J. K. Galbraith. Em sua obra “A paz indesejável? Relatório sobre a utilidade das guerras”,  defendeu a tese de que se “… não houvesse mais guerra, o Estado e a organização social tenderiam a desaparecer.” E mais, que a “…guerra é a força principal que estrutura as sociedades.” A frase enunciada por Trump – “precisamos começar a ganhar guerras” –  sem dúvida alguma a guerra já é a força principal que estrutura a sociedade norte-americana.

“As guerras sempre tiveram por efeito redistribuir as riquezas, tornar a sociedade mais aberta, acelerar a promoção social pela substituição de elites desgastadas e, mais especialmente, favorecer aqueles que trabalham para os exércitos, bem como os especuladores de todos os gêneros.” (A Guerra, André Corvisier, Biblioteca do Exército, Rio de Janeiro, 1999, p. 254)

A elite norte-americana parece ter transformado em programa político permanente a lição do historiador militar francês. É evidente o problema desta lição num mundo em que até mesmo potências médias podem desenvolver ou comprar armas nucleares. A destruição de uma cidade como New York, Boston, Los Angeles, San Francisco ou Palo Alto provocaria uma hecatombe econômica nos EUA.

Troianos e nazistas certamente também diziam “precisamos começar a ganhar guerras” antes de ver sua cidade e seu país completamente destruídos. A vitória numa guerra nuclear seria incapaz de redistribuir riquezas, acelerar a promoção social ou favorecer os especuladores. De fato, os que não morrerem imediatamente morrerão lenta e dolorosamente num ambiente de absoluta desagregação social, política e econômica.

Florestan Fernandes estudou a função social da guerra na sociedade tupinambá. Após esgotar os meios de vida numa região, os tupinambás abandonavam suas malocas e seguiam para outro território e inevitavelmente para a guerra com aqueles que lá estivessem.  Os norte-americanos se comportam exatamente como os tupinambás, pois se deslocam pelo globo terrestre a procura de novos territórios para explorar.

Entre os tupinambás a guerra era uma consequencia do deslocamento territorial. No caso dos EUA o deslocamento territorial ocorre apenas para que a máquina de guerra possa continuar a moer países enquanto despedaça seus próprios soldados. Através da guerra os tupinambás ganhavam o direito de existir. Não haverá existência ou qualquer ganho após uma guerra entre os EUA e seus rivais (Rússia e China). Portanto, devemos considerar os tupinambás mais civilizados do que os seus duplos no hemisfério norte que iniciaram a III Guerra Mundial ao atacar injustamente a Síria para destruir qualquer possibilidade de paz entre Moscou e Washington.

Logo após os mísseis norte-americanos provocarem mortes e destruição na Síria, os terroristas iniciaram uma ofensiva contra o exército daquele país. A ligação entre a Casa Branca e o terrorismo ficou tão evidente que motivou charges interessantes. Reproduzo abaixo a que foi feita por um indiano: 

Trump não flerta com a barbárie como fizeram todos os presidentes norte-americanos antes dele. Ele flerta com algo bem pior. Algo que ele e seus assessores e estrategistas parecem ser incapazes de dimensionar. Muito filme de guerra e pouco contato com a realidade desta, os males dos EUA são!

O império gringo está a deriva. Ao dizer “precisamos começar a ganhar guerras” e atacar criminosamente a Síria sem uma declaração de guerra para ajudar terroristas, Donald Trump deixou bem claro que os EUA não tem uma missão civilizatória (como aquela que Políbio atribuiu ao império romano). Apesar de serem operados por homens, os armamentos sofisticados dos EUA adquiriram autoconsciência e passaram a funcionar exatamente como a Skinet da saga Terminator. Os generais norte-americanos são drones programados para ignorar que a melhor guerra nuclear é aquela que nunca começou? A conferir. 

Fábio de Oliveira Ribeiro

1 Comentário

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  1. Pragmatismo

    Fábio,

     

    interessanto to o seu texto. Indo além: os americanos estão tão vinculados à guerra que se tornaram um povo bem pragmático. Se não o for, é destruído em combate. Vendo um programa de modificação de veículos, um dos mecânicos trouxe uma peça usada em caminhão do exército que tinha uma velocidade conexão/engate mais rápida. E é assim são outros aspectos, como a forma de urbanização de suas cidades. A ideia do subúrbio está intimamente vinculada à guerra fria, pois é uma forma de reduzir os danos em caso de ataque nuclear. Isto se deve a uma lei da década de 1950 que vinculava a urbanização à defesa militar.  Estradas mais largas para facilitar o deslocamento de tropas é outro exemplo dos efeitos desta lei.

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