Os desafios de ser professor na Pátria Educadora

O que faz de um professor um herói é exatamente ser professor na conjuntura nefasta e cruel da educação no Brasil. Digo daqueles que atuam na Educação Básica em instituições públicas ou privadas e padecem no dia-a-dia com o reflexo do contexto socioeconômico e suas mazelas que diretamente incidem sobre a escola. Na escola dos que não podem – dos pobres – vítimas desse modelo capitalista perverso, que segue reproduzindo a desigualdade pelo próprio processo educativo, somente sobrevive pela força da alma do professor.

Já a escola dos que podem – dos ricos – é bem diferente. Na realidade, a “bala de prata” para se ter uma escola e uma educação de qualidade é a moeda. Dos problemas que afetam a qualidade da educação no Brasil, a clamorosa e persistente desigualdade é a mais perversa. Se temos algumas ótimas escolas públicas em áreas pobres, com educação de qualidade, são porque as almas desses professores romperam os obstáculos e venceram o Brasil.

O direito a uma educação de qualidade é uma dívida social histórica, e, para enfrentar esse problema, nenhum governante ou correligionário mais exaltado tem o direito de apontar o dedo. A “pátria educadora” não passa de signos linguísticos, apenas uma carta de boas intenções e que ainda não teve existência real, por enquanto são palavras vazias no campo minado da intencionalidade.

No Brasil, existe uma tendência de achar o culpado para tudo. Na educação, não é diferente: se está mal, a culpa é sempre do professor. O paradoxo é que, quando há alguma melhoria, o mérito dificilmente é do educador. Neste caso, o educador não existe. Com raras exceções, os governos e os líderes dos sistemas de ensino não valorizam os seus professores. Além de responsabilizá-los pelos resultados insatisfatórios, os condenam através da perversa política da meritocracia.

O nível social dos alunos, ou a cor da pele, ou outros fatores que aumentam ou diminuem os resultados, não dependem somente do profissional de educação, mas, também de políticas sociais relevantes. Para isso, o apoio da família e o engajamento da sociedade é essencial, o que significa, também, prestigiar os professores, porque sem eles não há educação de qualidade.

Se existem bons e maus professores, também existem bons e maus governos, bons e maus representantes, bons e maus médicos, etc. Ser professor é uma vocação, como deveria ser qualquer profissão na sua base. Somente quem é professor sabe o quanto é difícil sê-lo nas condições sociais em voga, principalmente aqueles que trabalham em locais adversos, reféns da violência institucionalizada, sem as mínimas condições de segurança e de trabalho, ensinando para aqueles que não querem aprender aquilo que está definido pelo sistema.

Ser professor tem se tornado uma escolha de poucos. Os baixos salários, carga horária de trabalho excessiva, a desvalorização social e a falta de plano de carreira afastam as novas gerações da profissão. As salas de aulas superlotadas dificultam o respeito às individualidades e o atendimento das necessidades mais emergentes dos educandos. Outro grande problema é a ausência da família: os pais vêm transferindo suas responsabilidades para a escola, sem, contudo, aceitar que seus filhos se submetam de fato às normas de convivência da instituição. Assim que surge a primeira nota vermelha ou uma advertência, invadem a sala de aula culpando os professores – a pretexto de preservar sua reputação de bons pais e o orgulho próprio e de seus filhos.

Pois bem, o profissional da educação básica cumpre com muitas atividades fora da sala de aula: tem que ler, estudar, manter-se informado, preparar boas aulas, corrigir atividades, etc. Muitos sistemas de ensino não cumprem a Lei que determina que 1/3 da sua jornada seja dedicado à preparação de aulas e demais atividades fora da sala de aula. Assim, o professor tem que sacrificar sua vida pessoal para preparar e produzir aulas de qualidade.

Sem o professor quem seríamos nós? O magistério é a profissão que prepara o futuro; sob o ponto de vista individual e pessoal, é a formação e o aperfeiçoamento do homem. Sob o ponto de vista social, é a integração das novas gerações na sociedade. Fora da educação não há salvação.

Atualmente, tornaram-se constantes as avalanches de medidas e propostas de solução construídas pelas canetas dos líderes educacionais, as quais, geralmente, são verticalmente impostas, na tentativa de melhorar o estado caótico da qualidade da aprendizagem de nossos estudantes. Quando o educador não tem vez e nem voz, não adianta muito. Já não há mais tempo para o improviso, para o amadorismo, da falta de exemplos de cumprimento das leis. Precisamos de estadistas que pensem no futuro, investindo na educação do presente e que valorizem os nossos profissionais da educação.

O professor pode ser comparado metaforicamente a Odisseu, o herói grego, ou Ulisses como ficou conhecido pela tradução latina, personagem central da obra A Odisseia, de Homero. Ulisses, ao voltar para casa, após passar 10 anos na Guerra de Tróia, leva mais 10 anos para vencer os obstáculos e as intempéries do mar. Só um herói, pela coragem, astúcia e por sua capacidade estratégica poderia vencer esses obstáculos, nesse caso, Ulisses. No mundo grego, o herói clássico desempenha o papel de modelo a ser seguido, aquele que é capaz de superar todos os obstáculos, alcançar seus objetivos, ainda que isso possa custar a própria vida, como, por exemplo, ocorreu com Aquiles, outro herói incomparável. Quantos Ulisses, quantos Aquiles, quantos heróis-educadores existem nessa vasta terra chamada Brasil?

Por enquanto, qualquer intervenção nas escolas é apenas uma medida paliativa e isso não dispensa qualquer ação dos sistemas de ensino. Por exemplo, reestruturar as escolas e capacitar os educadores são muito importantes, mas hoje não são esses o principais problemas. O maior problema é tê-los. Com raras exceções, ninguém quer ser professor com o salário que ganha e com as condições de trabalho vigentes e, se nada for feito, a educação no Brasil literalmente “travará” em breve. É neste contexto que se faz necessário ressignificar a identidade do professor.

 

Luiz Claudio Tonchis é Educador, Gestor Escolar, bacharel e licenciado em Filosofia, com pós-graduação em Ética pela UNESP e em Gestão Escolar pela UNIARARAS. Atualmente é acadêmico em Pós-Graduação (MBA) pela Universidade Federal Fluminense. Escreve regularmente para blogs, jornais e revistas, contribuindo com artigos em que discute questões ligadas à Política, Educação e Filosofia.

Contato:  [email protected]

Redação

6 Comentários

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  1. Ser professor, em escolas

    Ser professor, em escolas públicas, é descer aos subterrâneos da sociedade contemporânea. É compreender como se reproduz as nossas desgraças sociais: solidão, abandono, lavagem cerebral da mídia, violência, talentos e sonhos da juventude desperdiçados e estraçalhados. É claro que isso exige alguém com a capacidade de não submergir de primeira, o que é muito difícil. Ser professor é para os fortes. Mas, apenas para os extremamente sensíveis.

  2. Quero agradecer o seu texto.

    Quero agradecer o seu texto. São poucos os que falam a favor dos professores. O discurso da maioria, principalmente de pessoas que nunca estiveram eu uma sala de aula, só responsabiliza os professores pelo mau desempenho dos alunos e pela sua indisciplina. É muito mais cômodo pensar assim do que fazer uma análise mais ampla. 

  3. Apagão.

    Segundo estatística cerca de 40% dos professores vão aposentar nos próximos 06 anos e não existe nenhum projeto para suprir a falta de profissionais. O próprio ex ministro da educação, Renato Janine Ribeiro, comentou sobre o possível apagão de professores no Brasil

  4. O artigo mais lúcido, deste tema, que já li.

    O artigo mais lúcido, deste tema, que já li. Se me permite, só um ponto, as constantes propostas de soluções são impostas verticalmente por aqueles que não conhecem a realidade da Escola, da sala de aula.

  5. Olá

    Essa leitura me caiu bem hoje. Vejo os absurdos do nosso sistema e lamento a situação e a inapetência das pessoas em tentarem mudar esse quadro, e o pior que é me enquadro nesses. Vejo adolescentes se transformando em futuros delinquentes e a sociedade apenas assiste a perpetuação do caos. Não há medidas efetivas. É tudo muito teórico. A educação não se dá só com professores e valorizando os memos, nem com tecnologia, é preciso um sistema justo, inteligente e eficaz. Não temos. Os jovens não tem limites, ninguém dá. Os profissionais tem medo, medo porque a lei não é aplicada, não funciona. Quando o jovem começa a delinquir não vejo um acompanhamento sério de assistentes sociais, psicólogos. Somos omissos, mas o mundo do crime não. No futuro esses casos deixados pra lá serão os bandidos que depois de fazer suas vítimas serão “reeducados” no nossos humanitário sistema penitenciário. É tudo engodo. A educação precisa melhorar, mas não só ela, mas todo o sistema. Infelizmente as palavras não mudam nada.

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