A inclusão digital como fonte de exclusão política

Chacina em Paris, represa de resíduos tóxicos da Samarco rompida no Brasil, terremoto na fronteira do Brasil com o Peru, avião russo abatido pela Turquia na Síria, OTAN em guerra morna com o Kremlin, Obama protegendo Erdogan que protege terroristas do Estado Islâmico, Arábia Saudita decapitando prisioneiros e financiando terroristas, China estranhando a presença do Japão e dos EUA em seu mar, direita eleita na Argentina, esquerda eleita em Portugal, Delcídio Amaral preso, Eduardo Cunha solto, Aécio Neves sonhando com a presidência, José Serra com medo de ser enterrado no escândalo do Metrô SP, Corinthians goleando o São Paulo, Alckmin mandando a PM espancar e prender estudantes, o Barcelona humilhando seus adversários… E um milhão de outras notícias importante e irrelevantes subindo e descendo a serra no Twitter e no Facebook.

Vivemos num mundo menor imensamente fragmentário. Nenhuma narrativa é capaz encerrar a totalidade dos fenômenos sociais presente ou passados. Ninguém sequer ousa formular uma teoria de tudo, porque tudo apenas passa com uma velocidade imensa e nada mais pode ser considerado permanente.

No filme “A Entrevista” (2014) o tirano da Coréia do Norte mostra o tanque de guerra que o avô dele ganhou de Stalin. Seu interlocutor, um jornalista norte-americano, o corrige dizendo que a pronuncia correta é Stalone. A piada é banal, mas sugere uma profunda reflexão na atualidade. Afinal, se alguém pesquisar “Marx” no Google pode se deparar tanto “Karl Marx” quando com os “Irmãos Marx”. A diferença histórica entre ambos é irrelevante para os sistemas que coletam, processam, selecionam e hierarquizam informações postadas na internet. De fato, creio que ninguém ficaria surpreso se alguém divulgasse um vídeo em que o filósofo alemão aparecesse fazendo piada em razão da Quebra da Bolsa de NY que empobreceu Groucho Marx.

A queda do Muro de Berlin produziu imenso impacto na vida dos países comunistas e produziu imensas transformações históricas. Não havia internet naquela época. A queda do Muro de Wall Street afetou um número infinitamente maior de pessoas, mas nenhuma mudança histórica profunda ocorreu nos EUA ou na Europa. Anestesiadas pela avalanche de informações as pessoas simplesmente não dão importância ao que realmente importa.

O que é mais importante? A duradoura tragédia ambiental produzida pela Samarco ou o vídeo engraçadinho de 1 minuto do esquilo silvestre que hesita, avança, recua, observa, avança, hesita e com muito cuidado apanha o amendoim dos dedos imóveis do produtor sujeito que gravou a façanha? Se civilizar significa definir valores e hierarquizá-los segundo um critério de relevância, temos que admitir a hipótese de que a internet talvez esteja acarretando um silencioso retorno à barbárie. Onde há caos não há civilização. Pelo menos foi isto o que minha geração aprendeu ao ser civilizada.

Num mundo em que as empresas de comunicação querem ter poder absoluto, inclusive para escolher se concederão ou não direito de resposta, a cidadania se torna um produto raro e caro. Raro porque quem a atribuirá serão os barões da mídia. Caro porque os donos dos meios de formatação da realidade não distribuirão a todos e gratuitamente o direito de pertencer ao clube exclusivo clube de protegidos que eles criaram.  Mas e os cidadãos? Eles realmente se importam com a cidadania que estão perdendo? Vou refazer a pergunta? Quantos de nós realmente podemos dizer que somos cidadãos?

O governador de São Paulo não recebe todos no Palácio dos Bandeirantes. A PM dele segue brutalizando apenas os pobres, pardos e negros nas periferias. A mesma mão que afaga uns, manda agredir muitos. Igualdade jurídica é uma ilusão na periferia e qualquer favelado que já conheceu a face brutal do Estado é capaz de demolir em 2 ou 3 minutos qualquer narrativa constitucional. Estado de Direito é coisa que a direta reconhece apenas para si mesma. Para os demais…

O governo federal luta pela inclusão digital. O que significa realmente incluir todos num regime de trocas de informações que pode servir apenas para distrair as pessoas dos problemas políticos reais à sua volta?  Alckmin não quer negociar com os estudantes e usa a PM para prendê-los desrespeitando, assim, a decisão do TJSP que reconheceu ser politicamente legítima a ocupação das escolas. Mas então… no Facebook vemos o vídeo de um urso recebendo bolinhos pela janela de uma casa no campo. A cena campestre russa invade nossa realidade e nos afasta do que deveria nos interessar. Inclusão digital pode significar exclusão política real.

Alckmin mandando a PM espancar e prender estudantes, represa de resíduos tóxicos da Samarco rompida no Brasil, Delcídio Amaral preso, Eduardo Cunha solto, Aécio Neves sonhando com a presidência, José Serra com medo de ser enterrado no escândalo do Metrô SP chacina em Paris, avião russo abatido pela Turquia na Síria, OTAN em guerra morna com o Kremlin, Obama protegendo Erdogan que protege terroristas do Estado Islâmico, Arábia Saudita financiando terroristas, China estranhando a presença dos EUA em seu mar, direita eleita na Argentina, esquerda eleita em Portugal … Copiar e colar algo fazendo algumas supressões e modificações na ordem das notícias para enfatizar aquelas que consideramos importantes é uma forma de hierarquizar o mundo. Os usuários de internet, contudo, raramente tem paciência de ler novamente o que já foi lido… e esquecido.

A novidade move o mundo fora do mundo. Mas o planeta continua girando na mesma velocidade. E os interesses mundanos, quase sempre mesquinhos, se apropriam até mesmo da velocidade. Mas não para que o poder seja compartilhado e sim para que ele se torne mais e mais concentrado. A desconcentração das consciências produzida pela fragmentação das notícias sem qualquer hierarquia faz o resto. O Grande Irmão não precisa mais policiar todo mundo o tempo todo, pois de fato cada pessoa foi isolada e presa no seu próprio mundo em razão de ser livre. Política é algo que se faz em grupo. Mas onde os grupos se formam a política é criminalizada. A PM faz seu trabalho e poucos se dão conta de que se tornaram menos cidadãos em razão da inclusão digital.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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