A juíza que algema réus para que não furtem canetas no Tribunal

E, ainda, para Chefe do Dipo-SP, maioria dos casos de lesões identificadas em presos sob custódia ocorre por quedas durante tentativa de fuga 
 
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(Fonte CNJ)
 
Jornal GGN – O princípio da insignificância, ou seja, a redução ou não aplicação de pena quando a pessoa é detida, por exemplo, pela prática de furto de algo de pequeno valor, não é aplicado pela chefe do Departamento de Inquéritos Policiais de São Paulo (Dipo-SP), juíza Patrícia Alvarez Cruz, órgão que conta hoje com 111 mil inquéritos pendentes.
 
Em entrevista ao repórter Brenno Grillo, do portal Conjur, a magistrada explicou que não lança mão do mecanismo por se tratar de uma “construção jurisprudencial” e não está previsto na lei. 
 
Por outro lado, concorda com a prisão de réus condenados em segunda instância, não prevista na Constituição Federal, mas que passou a ser jurisprudência desde que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal concordaram com a medida ao analisar o Habeas Corpus 126.292, em fevereiro de 2016. 
 
Patrícia Alvarez é hoje responsável pela coordenação das audiências em custódia (que garantem uma rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante) em São Paulo, posicionando-se também como defensora do uso de algemas “porque, de qualquer forma, algum risco ele sempre acaba oferecendo”.
 
“Mesmo os réus soltos são levados escoltados para fora do fórum. Já aconteceu muitas vezes de réu solto ficar circulando pelo fórum com o objetivo de cometer crimes”, argumentou. 
 
Quando perguntada se já houve assalto dentro do próprio fórum criminal sua resposta foi que “assalto não, mas, sim, já houve furto de caneta de juiz dentro de gabinete”, além disso presenciou dois casos de furto de celular.
 
Segundo a juíza, o principal objetivo da audiência de custódia é revelar se o preso sofreu maus tratos e garante que “é bem raro verificarmos lesões.”
 
“Quando isso é ocorre, normalmente é porque o preso caiu durante a fuga ou resistiu à prisão”. 
 
Patrícia Alvarez também apontou casos de linchamentos que não seriam tão incomuns em São Paulo, avaliando que o fenômeno “a sensação” que têm “de que a população está um pouco revoltada com a impunidade”. 
 
Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista. E clique aqui para a entrevista na íntegra.
 
ConJur — Qual é o principal objetivo da audiência de custódia?
Patrícia Alvarez Cruz — É verificar se o preso sofreu maus tratos. Não tenho dúvida nenhuma disso.
 
ConJur — Maus tratos aos presos são um comportamento constante das autoridades?
Patrícia Alvarez Cruz — Óbvio que não sabemos exatamente o que aconteceu durante uma prisão, porque estamos distantes dessa prisão e da realidade policial. Mas é possível ter uma noção do que realmente houve ao analisar o exame de corpo de delito. É bem raro verificarmos lesões. Quando isso é ocorre, normalmente é porque o preso caiu durante a fuga ou resistiu à prisão. Há também casos de linchamento. Mas a quantidade de presos que alegaram violência policial para mim é enorme. Porém, em muitos casos, quando li o laudo não tinha absolutamente nada. Tem muita alegação infundada.
 
ConJur — Linchamentos a criminosos são comuns em São Paulo?
Patrícia Alvarez Cruz — Lembro de alguns casos, sim. Não posso dizer que são muito frequentes, mas também não posso afirmar que é incomum. Normalmente acontece antes da chegada da polícia, porque as pessoas vão embora quando os policiais se aproximam, tanto que dificilmente eles conseguem apurar quem foi. Tenho a sensação de que a população está um pouco revoltada com a impunidade, e isso acaba levando à vingança privada, que é justamente o que a gente tenta evitar por meio da Justiça.
 
ConJur — A senhora avalia que uma parcela da magistratura é justiceira? Juízes garantistas são perseguidos pela classe?
Patrícia Alvarez Cruz — Os juízes garantistas não são perseguidos. Nunca vi um juiz ser perseguido, receber qualquer tipo de sanção administrativa por causa do seu convencimento. Nunca vi, em toda minha carreira. Sobre os juízes justiceiros, também não acredito que existam. A maior parcela dos juízes é moderada.
 
ConJur — A senhora considera que reincidentes, mesmo presos por crimes sem violência, devem permanecer detidos? A ausência de violência durante o crime é o que mais deve ser considerado na hora de manter uma pessoa presa ou solta?
Patrícia Alvarez Cruz — Via de regra, o reincidente, se for reincidente específico ou pela prática de um crime mais grave ainda, não faz jus nem à pena restritiva de direitos nem à suspensão constitucional da pena. Por isso, vai ser aplicado a ele um regime fechado ou semiaberto. Nós normalmente mantemos preso um reincidente, porque, na sentença, ele vai continuar preso. Não tem sentido nenhum soltar esse acusado para que depois ele receba uma pena em regime fechado ou em regime semiaberto.
 
Além disso, existem crimes graves que são cometidos sem violência. O tráfico é um exemplo de delito que não demanda violência nem grave ameaça e é um crime gravíssimo. Tanto que ele é equiparado a hediondo pela lei. O tráfico envolve um tipo de violência, basta ver o que acontece no Rio de Janeiro. Sem o tráfico de drogas, acho que a violência nem existiria nas favelas do Rio. Independentemente da violência, o tráfico tem que ser encarado como um crime grave, do meu ponto de vista.
 
ConJur —Mas isso não pode ser entendido como cumprimento prévio da pena? 
Patrícia Alvarez Cruz — Não, é simplesmente uma medida cautelar. Porque, se é reincidente, o preso está tornando a delinquir e oferece um risco à sociedade.
 
ConJur — Como a senhora avalia a jurisprudência do STJ e do Supremo sobre o princípio da insignificância?
Patrícia Alvarez Cruz — Não aplico o princípio da insignificância.
 
ConJur — Por quê?
Patrícia Alvarez Cruz — Porque não está previsto em lei. É construção jurisprudencial.
 
ConJur — Se não é previsto, então por que o princípio é aplicado?
Patrícia Alvarez Cruz — Porque se construiu essa jurisprudência. Simples assim. Alguém começou decidindo assim, o outro acompanhou e, quando vimos, várias estavam decidindo assim, até os tribunais superiores, mas isso não significa que seja uma medida legal.
 
ConJur — A senhora é a favor da prisão após condenação em segunda instância?
Patrícia Alvarez Cruz — Sou favorável à prisão após o esgotamento dos recursos em segunda instância e concordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC 126.292, pois a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.
 
A interpretação do artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal que se dá pelos que são contrários a essa ideia é demasiadamente extensiva. Não fosse assim, não poderíamos admitir as prisões em flagrante e preventiva, todas anteriores ao trânsito em julgado. Além disso, é preciso considerar que a análise do mérito se esgota no segundo grau, não sendo, por isso, razoável aguardar, para a execução da pena, o julgamento dos recursos nos tribunais superiores.
 
ConJur — Por que o acusado, quando é solto pelo juiz na audiência de custódia, não pode sair da audiência sem algema?
Patrícia Alvarez Cruz — Ele é solto depois, com o alvará de soltura. É uma questão de organização, porque isso é da alçada da escolta — é ela que deve decidir o que funciona melhor, porque é preciso passar por todos os procedimentos até cumprir o alvará. E porque, de qualquer forma, algum risco ele sempre acaba oferecendo. Mesmo os réus soltos são levados escoltados para fora do fórum. Já aconteceu muitas vezes de réu solto ficar circulando pelo fórum com o objetivo de cometer crimes. Também já aconteceu de colegas serem abordados por pessoas que tinham acabado de ser soltas em audiência de custódia.
 
ConJur — Já houve assalto dentro do próprio fórum criminal?
Patrícia Alvarez Cruz — Assalto não, mas, sim, já houve furto de caneta de juiz dentro de gabinete. Eu presenciei dois casos [de furto de celular]. Um de uma defensora pública que estava defendendo o réu. No que ela foi conversar comigo no gabinete, ele [réu] entrou no gabinete dela e furtou o celular. Teve outro caso que furtaram o celular da minha estagiária lá no cartório.
 
ConJur — A pressão pública torna mais fácil condenar do que absolver, na sua opinião?
Patrícia Alvarez Cruz — É muito mais difícil condenar do que absolver, porque é muito mais trabalhoso. Temos que aplicar pena. A aplicação da pena, a dosimetria, é a parte mais complicada da sentença. Também porque colher uma prova para condenar é mais difícil do que colher uma prova para absolver.
 
Normalmente uma prova para absolver é uma prova em que eu não consegui mover muitas testemunhas… Sobre a pressão pública, muitos juízes já sofreram grandes críticas da imprensa por terem condenado, na mesma medida em que foram criticados por absolver. O Judiciário, em geral, tem sido muito criticado.
 
ConJur — Por que essas críticas têm sido tão intensas?
Patrícia Alvarez Cruz — Talvez por causa da internet. Hoje em dia é muito fácil criticar. Qualquer leigo monta um blog e sai por aí criticando. Acho que todos os setores da sociedade têm sido muito criticados.
 
Redação

5 Comentários

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  1. Sobrou para os blogs,
     
    Olha,

    Sobrou para os blogs,

     

    Olha, o pessoal dos “blogs sujos” que abram o olho, vão querer transformar uma ironia em literalidade…..

  2. A meritíssima é especialista

    Em audiência de custódia para investigar se o preso não sofreu maus tratos. Sendo assim, se até alí não sofreu maus tratos vai sofrer nas mãos da juíza, algemado sob suspeição de que pode roubar canetas do gabinete. A nossa justiça está no século XVI,  nos mesmos moldes da inquisição.

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