A legitimação penosa do Supremo Tribunal Federal, por Luis Nassif

Os “garantistas” - a fonte tem alguma resistência em usar o termo, pois acha que o grupo deve ser caracterizado como “constitucionalista” - ganharam o reforço de Nunes Marques, levando os punitivistas a manobras para impedir o avanço das garantias individuais.

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De um profundo conhecedor dos meandros do Supremo Tribunal Federal, algo impressionando com meu desânimo em relação à corte.

Nos últimos tempos, sem alarde, o STF foi desarmando os principais instrumentos de abusos contra direitos individuais, diz ele. Derrubou prisão após segunda instância, consolidou as audiências de custódia, proibiu prisão preventiva sem prazo, deu acesso aos advogados de Lula à delação da Odebrecht e, agora, excluiu a delação de Antonio Palocci da ação contra Lula; obrigou a participação dos sindicatos em processos de demissão e segurou a possibilidade de venda das estatais sem autorização do Congresso e sem licitação, embora convidasse a manobra de venda das subsidiárias. Fica devendo o julgamento da suspeição de Sérgio Moro, que está com Gilmar Mendes, mas depende apenas de desanuviar um pouco a pauta política da corte. Os “garantistas” – a fonte tem alguma resistência em usar o termo, pois acha que o grupo deve ser caracterizado como “constitucionalista” – ganharam o reforço de Nunes Marques, levando os punitivistas a manobras para impedir o avanço das garantias individuais.

Tudo isso foi possível graças à parceria com Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Daí a razão de parte do Supremo ter articulado o movimento para permitir a reeleição de Maia, baseado em fundamentos jurídicos, discutíveis, é claro, mas legítimos – segundo a fonte. A intenção óbvia era fortalecer a democracia, impedindo que Bolsonaro avançasse no controle do Legislativo. E essa questão foi tema central de reuniões com participação direta do presidente da casa, Luiz Fux, que concordou integralmente com a estratégia.

Houve uma reação hipócrita da mídia, diz ele. Aceitaram todos os atropelos à Constituição, sem reclamar. Agora, de repente tornam-se constitucionalistas, zelando pela interpretação estrita da Constituição. Mas houve também, miopia dos setores progressistas, ao não se dar conta do risco de um Congresso controlado por Bolsonaro. E Luiz Fux e Luis Roberto Barroso são extremamente suscetíveis à voz das ruas, quando canalizadas pela Globo (aí, a observação é minha).

Os argumentos amenizam a visão negativa que se tem da Corte. Mas não apagam seus pecados.

Por exemplo, até hoje não houve desdobramento do “inquérito do fim do mundo”, aberto pelo Supremo, nem das fake news, parado no Tribunal Superior Eleitoral.

A fonte manda esquecer o TSE. Não há legitimidade popular para tirar um presidente do cargo, diz ele. A composição do tribunal não ajuda – são 3 Ministros do STF, 3 do STJ e 3 advogados – com mandato fixo de 2 anos. Sem o respaldo de votos – que só o Congresso tem – ninguém ousará tirar um presidente do cargo.

De qualquer maneira, o caso deveria ir a julgamento, inclusive para firmar jurisprudência. Porque um prefeito do interior pode ser cassado, se for a uma festa de aniversário durante a campanha, e um presidente pode apelar a redes profissionais de fake news, à assessoria de um consultor estrangeiro, como Steve Bannon, e sair incólume?

Este é o dilema brasileiro. Todas as iniciativas do STF dependem das circunstâncias políticas. Não se coloca em julgamento a suspeição de Moro devido às circunstâncias políticas; não se julga o caso das fake news, devido às circunstâncias políticas.

Rodrigo Maia decidiu unilateralmente não colocar em votação os pedidos de impeachment de Bolsonaro. A alegação – de que não queria desviar atenção do combate ao coronavirus – configura claramente o crime de prevaricação.

E aí se escancara a falta de tradição democrática brasileira, institucionalmente uma mera republiqueta latino-americana, sua única diferença das demais é a simulação de algumas formalidades jurídicas para endossar a seletividade da justiça.

Nem se condene os guerreiros isolado que, na corte, defendem a democracia. Os ataques e a defesa da democracia passam igualmente pelo atropelo das leis e da Constituição porque, em determinado momento da história, o Supremo atropelou a Constituição e enfraqueceu tão decisivamente uma presidente legitimamente eleita, que a expôs à sanha dos políticos que antecederam o bolsonarismo.

Luis Nassif

10 Comentários

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  1. …”Mas houve também, miopia dos setores progressistas…”

    Que MANIA de culpar “a esquerrrda” de tudo e qualquer coisa…

    Qualquer analise precisa de alguma acusação ao campo progressista pra parecer “neutra”…

    A esquerda e o PT, PT, PT foram atropelados por uma coalizao golpista que cansou de perder uma, duas, tres, quatro eleições presidenciais seguidas. Ponto. Covardia e cinismo são as marcas desse judiciario disfuncional. Bater em sindicalista, sem terra, sem teto, preto, pobre, favelado, bicha, maconheiro é mole. Agora, pegar fazendeiro, banqueiro, etc, são outros quinhentos.

  2. Eleição presidencial de 2022, esse é o único ponto que importa, o resto é cascata de sambista do Estácio ou de Vila Isabel.
    Bolsonaro estará numa das duas vagas do segundo turno, em outubro de 22. Quem será o outro candidato? Cadê o outro candidato? Por quê ele ainda não está em campanha? Só faltam 21 meses para a eleição.

  3. Supremo garantista ou Lewandowski garantista? As medidas citadas pelo interlocutor saíram de sentenças de Lewandowski. O resto do Supremo ou faz política, ou trabalha para bilionários ou faz populismo judicial. Na maioria das vezes faz tudo isso junto. O resto é conversa fiada e se o Lula atrapalhar o candidato da direita da elite na próxima eleição o Gilmar Mendes joga a decisão para as calendas. Ou talvez espere a sua morte para inocenta-lo. Ou não, se algum banqueiro importante ordenar.

    1. Duas pautas bolsonaristas que apoio, não que espere que mude pra melhor:
      Stf e rede globo.
      Lembrem-se que a pec da bengala não teria acontecido em parceria com o congresso e anuência do próprio stf. Não dá pra esquecer de todo casuísmo do stf no processo de derrubada de Dilma.
      Por mim, podem queimar no inferno junto com Bonner e Kamel

  4. A tática de estupradores de culpar a vítima.
    Uma conversa claramente fiada na tentativa de justificar o injustificável, como se eles mesmos e militares não fossem os responsáveis pela bagunça institucional.
    A “culpa” do PT foi ter escolhido nomes tão covardes e comprometidos com o próprio bolso para a corte.

  5. Outra coisa:
    “Não se coloca em julgamento a suspeição de Moro devido às circunstâncias políticas”.
    É uma piada de mau gosto (o cara já foi para os Eua coletar sua parte do prêmio pelas empresas que quebrou) e explicita bem qual é a “circunstância política” que fazem eles atropelarem a constituição à qualquer custo: qualquer decisão que possa realmente dar força ao PT voltar em alguma eleição

  6. Mais uma: Barroso homologou a deleção do dono da Qualicorp. Outro empresário que cresceu no periodo Lula.
    Aposta: depois do “vazamento” de trechos dessa delação, o stf colocará em pauta a suspeição de Sergio Moro.

  7. Ativistas de direitos humanos russos pedem o fim das visitas ao Brasil devido à incapacidade do governo brasileiro de controlar a polícia, que pratica prisões arbitrárias em massa em meio à ausência da presunção de inocência e à crescente xenofobia. O Brasil ainda não ofereceu desculpas ou mesmo iniciou uma investigação sobre as prisões arbitrárias em massa de turistas russos em 2016-2017. (durante o impeachment), o que é visto na Rússia como uma demonstração da falta de garantias de segurança.
    (subtitle in Portuguese)
    https://www.youtube.com/watch?v=GRYZ3Gw9-u8

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