A LEITURA VAI MORRENDO PELO CAMINHO. QUE DESGRAÇA!

In: https://www.listas.unicamp.br/pipermail/filosofiasudeste-l/2010-July/002895.html

Soube, hoje, do encerramento das atividades do LEIA BRASIL. Não posso 

deixar de vir a público para expressar a minha imensa tristeza diante 

deste acontecimento. Ao mesmo tempo, para demonstrar a minha 

intranquilidade a respeito do destino da leitura neste país.

 

Ao longo de minhas lutas por mais e melhores leituras para o povo 

brasileiro, sempre defendi a necessidade de uma “frente” constituída 

por uma grande – e diversa – quantidade de entidades (públicas e 

privadas) voltadas ao estudo e à promoção da leitura. A razão é mais 

do que óbvia: a vergonhosa, a horripilante paisagem que atualmente 

resulta dos descuidos e descasos dos governos brasileiros em relação 

ao desenvolvimento das práticas de leitura.

 

Em 2010, terceiro milênio, em meio às sociedades de informação e do 

conhecimento, o Brasil apresenta o terceiro PIOR nível de 

desigualdade de renda do mundo e um quadro sombrio expressando o 

número de leitores reais. A ferida do analfabetismo continua 

estuporada. Os iletrados funcionais representam quase a metade da 

população do país. A débil e debilitada rede de bibliotecas (públicas 

e escolares) nem de leve, nem de longe alimenta a promoção da 

leitura. Isto tudo a despeito dos incessantes – mas descontínuos, 

burocratizados e depauperados – programas de enfrentamento dessa 

questão.

 

Um dos efeitos básicos da leitura é a qualificação, para melhor, das 

decisões e ações dos indivíduos, robustecendo-lhes a cidadania. 

Outros países sabem disso e não perdem de vista o decisivo apoio aos 

trabalhos das entidades que indistintamente preservam e dinamizam os 

seus bens culturais escritos junto à população. No Brasil, 

infelizmente, ou se repete o erro de repetir políticas caolhas de 

apoio ao que não dá e nunca deu certo, ou se vira a cara para 

assistir, de camarote, talvez cinicamente rindo por dentro, à morte e 

ao sepultamento de importantes entidades culturais.

 

O valor do LEIA BRASIL advém da continuidade da iniciativa pioneira 

de Mário de Andrade de itinerar a leitura por entre escolas e 

comunidades através de caminhões. Um trabalho com professores e com 

estudantes de toda a comunidade escolar visitada para descobrir e 

experimentar algumas delícias do ato de ler. Advém também de um 

conjunto considerável de publicações (Leituras Compartilhadas, 

coleções de livros, CDs, DVDs, entrevistas, filmagens, etc.), de um 

poderoso portal de serviços pela Internet, de significativa 

participação em eventos nas várias regiões do país, de estudos e 

pesquisas, etc. Quer dizer, a entidade consolidou, historicamente, um 

“patrimônio” importantíssimo sobre as dinâmicas e os processos de 

leitura no Brasil – um patrimônio que seguramente vai pro brejo por 

falta de um olhar de natureza solidária, profissional, sensível dos 

organismos de apoio ou de patrocínio.

 

Não quero discutir e nem condenar as razões que levaram Jason Prado, 

o idealizador e coordenador do LEIA BRASIL, a essa decisão. Quero, 

isto sim, evidenciar aos leitores deste texto que a morte de uma 

entidade representa não apenas a permanência do nosso evidente atraso 

cultural na área, mas fundamentalmente o imenso desvio dos rumos que 

nos conduzem à conquista do direito à leitura, o que o fundo e à 

inversa, significa o alastramento da idiotice – ou muita esperteza 

cínica – nas esferas responsáveis pela educação e cultura no Brasil. 

E, por tabela ou como reflexo, o alastramento da idiotice por toda a 

sociedade.

 

EZEQUIEL THEODORO DA SILVA

Cidadão brasileiro, “de luto”

 

Redação

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