A luta contra a impunidade exige coerência, por Eugênia Gonzaga e Paulo Abrão

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Publicado originalmente na Folha

Há uma demanda muito viva pelo fim do pacto histórico do país com a impunidade. Essa demanda, contudo, precisa abranger qualquer tipo de impunidade, do presente e do passado, ligada à corrupção ou à violência, sejam elas de particulares ou de agentes do Estado.

Também precisa compreender que é um sério equívoco associar-se a setores que defendem intervenção golpista, promovem o elogio às graves violações aos direitos humanos ocorridas durante a ditadura militar e até partem para medidas inócuas e inconstitucionais como a redução da maioridade penal.

As Comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil têm pela frente a importante missão de fazer valer as recomendações constantes do relatório da Comissão Nacional da Verdade. Essas recomendações repetem determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil, já reconhecido como inadimplente nesse campo por Resolução da própria Corte, aprovada em outubro de 2014.

Entre as recomendações estão a punição dos crimes praticados por agentes da ditadura e a desmilitarização das polícias militares. Mas estes objetivos parecem desconectados do momento presente, em que se vê pedidos de intervenção militar e manifestações de apoio a uma polícia que executa mulheres grávidas e garotos de 10 anos apenas por viverem próximos ao mundo do crime.

Assim, cabe às Comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil, como órgãos de Estado, exercerem, antes de tudo, um papel institucional de sedimentar os valores democráticos no país.

Para tanto, lembram que a impunidade dos corruptos de hoje apenas tem lugar porque ainda somos um país marcado pela cultura autoritária, na qual certos agentes públicos e privados ‘têm o direito’ de praticar ilícitos e não responderem por eles, de nenhum modo, como se estivessem acima das leis, como ainda vem ocorrendo no Brasil em relação aos crimes da ditadura.

A responsabilização desses crimes do passado não só é fundamental para a consolidação da democracia, como para que essa herança histórica de abuso de poder seja extirpada.

A violência do presente também é preocupante. Medidas como a criação de Comissões da Verdade da Democracia, que vêm dando voz a familiares extremamente pobres, que têm seus filhos executados sumariamente pelas polícias militares, são muito bem-vindas para a afirmação do Estado de Direito no Brasil.

Enquanto estivermos vivendo essa verdadeira guerra declarada entre policiais e os chamados “pequenos criminosos”, os índices de violência vão apenas aumentar e toda a população estará cada vez mais desamparada. Com as devidas ressalvas, não há ninguém seguro com uma polícia que vem ficando conhecida pela truculência e pela destruição de provas como forma de assegurar a sua impunidade.

E a solução não está em mudar um número na lei (de 18 para 16 anos a maioridade penal), pois isso não fará com que esses jovens, já marcados pela indignidade e pela morte, deixem de entrar para o crime. A solução passa, obviamente, por medidas de educação, mas principalmente por uma reforma profunda nas diversas estruturas policiais.

Sim, é preciso avançar em todos esses pontos, mas com a clareza de que a defesa da quebra da ordem constitucional, a volta a um passado de violações e a passividade com crimes gravíssimos não são soluções para quem quer verdadeiramente um país sem impunidade.

EUGENIA GONZAGA, 46, é mestre em direito pela PUC-SP, procuradora regional da República e presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos
PAULO ABRÃO, 39, é doutor em direito pela PUC-Rio e presidente da Comissão de Anistia

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Prezada EugeniaReduzir a

    Prezada Eugenia

    Reduzir a maioridade penal é legalizar  uma limpeza etnica que já é praticada pelos agentes estaduais.

    Precisamos urgentemente discutir a federalização das policias militares. Não é possivel que continuemos com este genocidio que vemos diariamente sem que as entidades que representam a sociedade façam alguma coisa para mudar este cenário de horror.

    Abração

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador