A menina que roubava livros

Ontem vi o bom filme A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS, cuja protagonista é uma menina filha de comunistas adotada por uma família alemã pouco antes da II Guerra Mundial. O filme retrata suas experiências infantis antes e durante a guerra.

O tema não é novo. Na verdade há vários outros filmes que tratam do assunto, alguns deles igualmente muito bons.

Em A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS há uma cena em que a protagonista e seu amiguinho fogem de casa. Ao chegarem a um lago eles gritam que odeiam Hitler. Esta cena pode ser comparada a do menino inglês que agradece o líder alemão por ter bombardeado sua odiosa escola inglesa em ESPERANÇA E GLÓRIA (1987)

No começo do filme JOYEUX NOEL (2005) é mostrado como, antes da I Guerra Mundial, as crianças francesas e inglesas eram ensinadas a odiar o inimigo alemão e como as crianças alemãs eram ensinadas a odiar os inimigos inglês e francês. Em GRITOS DO SILÊNCIO (1985) as crianças é que comandam um campo de concentração e reeducação revolucionário no Camboja. Elas escolhem quem vai viver e quem vai morrer, participando das execuções.

A protagonista de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS faz amizade com o judeu acolhido e escondido pela sua família adotiva. Ele reforça seu gosto pelos livros e lhe dá um presente: uma cópia do livro de Hitler com as páginas pintadas de branco para que ela possa escrever um diário. Em THE DIARY OF ANNE FRANK (1959), filme inspirado na famosa obra encontrada e publicada após a II Guerra Mundial, a jovem judia escreve seu diário durante o período em que fica escondida dos nazistas.

A protagonista de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS sobrevive a um bombardeio dos Aliados. Aturdida entre os escombros ela vê os corpos inertes dos pais adotivos e presencia a morte do amiguinho com quem fugira. No filme ALEMANHA ANO ZERO (1948) o protagonista infantil sobrevive precariamente nos escombros de uma cidade alemã destruída pelos Aliados. Influenciado pelas ideias do professor nazista ele envenena o pai moribundo e, arrependido, se suicida pulando do alto de um prédio semi destruído.

Todos os filmes que citei tem basicamente o mesmo tema: a impotência infantil diante da História, da sociedade e da guerra. Tragados pelos conflitos as crianças são obrigadas a se ajustar a um mundo em desajuste. Em FILHOS DA GUERRA (1990), para sobreviver um menino judeu se vê obrigado a mentir e representar que é ariano e alemão. Recrutado ele vai a guerra e acaba sendo preso e reeducado por comunistas soviéticos. A protagonista de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS também sobrevive à guerra. Mas é ela mesmo que se reeduca através dos livros, alguns deles proibidos pelos nazistas.

Em O MENINO DO PIJAMA LISTRADO (2008) o filho de um oficial alemão encarregado de comandar um campo de concentração entra em contato com uma criança judia fadada a ser morta e incinerada. A realidade do holocausto não está presente no filme A MEDINA QUE ROUBAVA LIVROS, mas é evocado sempre que a menina se refere àqueles que foram levados e não retornaram.

A brutalização da infância também é uma constante em vários filmes adultos. Em PLATOON (1986) as crianças de uma aldeia vietnamita suspeita de colaborar com o inimigo são impiedosamente mortas por soldados norte-americanos. No filme DIAMANTES DE SANGUE (2006) o filho do protagonista negro é recrutado por um exército revolucionário e se torna um assassino infantil. A infância da protagonista de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS também é brutalizada pela guerra, mas ela parece ser imune a tudo o que se passa a sua volta. Isto faz dela um personagem bastante inverossímil, bem diferente, por exemplo, das crianças salvas pelo protagonista adulto do filme ORFÃOS DE GUERRA (2008)

A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS tem alguns méritos e defeitos. Seu principal mérito é valorizar a leitura/literatura em oposição à barbárie/guerra. O defeito principal do filme é justamente glorificar a barbárie/guerra ao transmitir a ideia de que os bombardeios feitos pelos Aliados eram cirúrgicos. No filme em questão, a rua em que a protagonista mora é bombardeada de maneira não proposital por norte-americanos e ingleses. Historicamente isto é uma inverdade. Consoante o bem documentado livro O INCÊNDIO (Jörg Friedrich, editora Record) durante a II Guerra Mundial as cidades alemãs foram reduzidas a escombros de maneira indiscriminada, dezenas delas foram propositalmente incendiadas apesar de não terem qualquer importância militar.

A protagonista de A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS é salva por bombeiros alemães. Historicamente isto provavelmente não ocorreria, pois ingleses e norte-americanos costumavam despejar várias bombas programadas para explodir horas depois dos bombardeiros. Assim, os bombeiros alemães poderiam ser mortos justamente quando lutavam para combater o fogo e resgatar os feridos dos bombardeios Aliados (O INCÊNDIO, de Jörg Friedrich, editora Record).

É impossível ver A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS e não lembrar das crianças sírias que estão sendo despedaçadas por uma guerra civil fomentada pelos EUA. O problema é que este filme legitima indiretamente a barbárie/guerra ao propositalmente faltar com a verdade para reforçar a imagem do norte-americano justo e cordial que nunca despejou bombas propositalmente sobre seus inimigos e seus filhos (como, por exemplo, ocorreu em Fallujah no Iraque há bem pouco tempo).

Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. o filme é uma adaptação do

    o filme é uma adaptação do livro hononimo “a menina que roubava livros” escrito pelo o australiano Markus Zusak. foi publicado pela a primera vez no ano de 2006. parece que a adaptação para o cinema deixou a desejar. pois no livro a história da protagonista Liesel Meminger é narrada pela… a Morte!.. a menina e a Morte se encontram tres vezes… no filme parece que os roteiristas não conseguem ser tão fieis a narrativa do livro. eu li o livro já faz um bom tempo! é bonito.

  2. Nao aguento + filmes s/ o Holocausto; nao sou negacionista mas

    acho que esses filmes servem apenas para justificar Israel, quando as vítimas atuais sao os palestinos. 

  3. até onde eu sei, o livro não

    até onde eu sei, o livro não aborda diretamente  o holocausto judeu durante a segunda guerra mundial. mas a perseguição de comunistas na alemanha nazista. a mae da protagonista era comunista e teve que deixar os filhos aos cuidados de uma familia adotiva por causa da perseguição que sofria. a menina perde o irmão e no seu sepultamento o coveiro deixa cair um livro” manual do coveiro” sobre a neve. é o primeiro livro que a menina rouba. e o livro se torna o elo entre ela e o seu irmão. daí para a frente a menina não parou mais de roubar livros numa alemanha que mandava queima-los… a Morte quer leva-la. Mas fica perplexa  com os valores da menina e mais perplexa ainda com a brutalidade nazista. e passa a acompanha-la. entram judeus na trama do livro mas é mais para diversifica-la. para mim o livro mostra  como crianças perdem a infancia diante da brutalidade dos adultos. e a menina canaliza a sua dor e solidão para a literatura já que também era algo proibido na alemanha nazista.

  4. Ficção e realidade

    achei o seu comentario e as suas comparações desnecessarias e principalmente quando você quer dizer quando a rua da Menina que Roubava livros é bombardeada por Americanos e Ingleses não poderia ter acontecido e que ele foi errada em locar isso…só um detalhe: ESSA OBRA É UMA FICCÇÃO

    então por favor da proxima vez que for fazer um comentario sobre algum filme lembre-se que são obras de ficção.

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