A Pequenez do Brasil Grande

ELIANE BRUM – 17/10/2011 10h26 – Atualizado em 17/10/2011 10h26

TAMANHO DO TEXTO

A pequenez do Brasil Grande

A ditadura acabou, mas a palavra “desenvolvimento” continua sendo torturada para confessar o que o governo deseja que o povo acredite

 

(…) ” Durante todo o processo de Belo Monte, nunca houve uma consulta específica aos indígenas. Ficamos esperando que acontecesse, mas não aconteceu. O governo federal apenas mente que nos escutou. E nós lutamos para mostrar que não fomos escutados e, sim, queremos e temos o direito de sermos ouvidos.” (diz Sheyla Juruna)


Eu lembro bem da ditadura militar. Era pequena, mas ela marcou a minha vida de várias maneiras. Quando cresci, li tudo o que pude sobre esse período histórico, porque queria adquirir maior conhecimento. E, quando me tornei jornalista, escutei muitas vítimas do regime. Quando criança, porém, ao folhear as revistas dos anos 70, não conseguia evitar um certo fascínio ao deparar-me com a propaganda do governo militar sobre a Amazônia, naquele tempo tão distante de mim quanto a Lua. “Uma terra sem homens para homens sem terra”, “Integrar para não entregar”, “Deserto verde”… eram alguns dos slogans e expressões que povoavam a ocupação da floresta pela ditadura. Só quando cresci eu soube que sempre tinham existido muitos homens, mulheres e crianças na Amazônia – e que parte deles havia sido vítima de genocídio na ocupação promovida pelo Estado brasileiro. E que não havia deserto, só verde. O deserto veio depois, patrocinado pelo governo e financiado por dinheiro público.


Depois de tudo, agora me espanto com a sensação de estar revivendo algo fora de época. O PAC para a Amazônia do governo Lula e agora do governo Dilma é um grande projeto de ocupação baseado em obras faraônicas, financiadas por dinheiro público, com a mesma lógica predatória e imediatista do passado. E, principalmente, com o mesmo o discurso do desenvolvimento. Não o desenvolvimento sustentável, que mobiliza o planeta, mas aquele surrado desenvolvimento dos velhos tempos. Só não se fala – muito – em “progresso”, porque esta palavra realmente até os mais obtusos teriam dificuldade de engolir na segunda década do século XXI.


Tenho virado as páginas de jornais e revistas da democracia e lido coisas que me remetem a uma época em que a imprensa vivia sob censura. Pego na porta de casa o exemplar dominical de um dos maiores jornais do país. E lá está a manchete: “Amazônia vira motor de desenvolvimento”. Tive uma sensação estranhíssima. Me lembrava de muitos títulos parecidos, mas nos anos 70. A certa altura da reportagem, leio lá: “Para acelerar a implantação dos projetos, o governo federal estuda uma série de mudanças legais. Entre elas estão a concessão expressa de licenças ambientais, a criação de leis que permitam a exploração mineral em áreas indígenas e a alteração do regime de administração de áreas de preservação ambiental”.


Ou seja: o governo federal pretende anular as conquistas democráticas das duas últimas décadas na área socioambiental. Em nome do mesmo tipo de desenvolvimento pregado na ditadura, com consequências amplamente documentadas: devastação, genocídios, conflitos e assassinatos que seguimos testemunhando. Como se 40 anos não tivessem se passado desde a década de 70 – e como se nesse período o povo brasileiro não tivesse reconquistado a democracia e as melhores cabeças do planeta não tivessem compreendido que a grande riqueza natural e estratégica para o futuro é a água e a biodiversidade.


Sim, o “desenvolvimento” está de volta. Não que algum dia tenha abandonado as mentes ávidas de alguns, arcaicas de outros, mas o surpreendente agora é que nem mesmo existe a preocupação de disfarçar o dinossauro com um modelito mais fashion. Repetem por aí que se as obras não saírem vai faltar luz na casa dos pobres e este é todo o respeito (não) demonstrado pela inteligência do povo que os elegeu. E, o mais inusitado: as velhas ideias sobre a ocupação da Amazônia saem do papel para a floresta concreta justamente nos governos do primeiro presidente operário e da primeira mulher presidente – em cuja biografia está o combate à ditadura militar a um custo pessoal bem alto.


Não é espantoso? O Brasil segue sendo um país assinalado pelo absurdo. E, como diria Sheyla Juruna, estranhar é preciso.

Redação

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