A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza, por Mia Couto

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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no Pensar Contemporâneo

“A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza”, por Mia Couto

 

Trecho de discurso proferido por Mia Couto na abertura do ano letivo do Instituto Superior de Ciências e Técnologia de Moçambique:

“A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.

Recordo-me que certa vez entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase lhe deu um ataque. “Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.

Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é não um objecto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.

Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.

É urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos.

A arrogância e o exibicionismo não são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo.”

Este discurso fora integralmente publicado na obra “E se Obama fosse africano?”

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

3 Comentários

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  1. Na veia!

    Você pode ser milionário,  mas se não exibir uma “viatura”, nem o zelador do seu condomínio lhe respeita.

    O bom de não exibir sinais exteriores de riqueza é estar a salvo da cobiça e dos malfeitores.

    O ruim de acharem que você é pobre, é lhe acusarem de se corromper por ninharias.

      

  2. bom post

    Bem apropriado principalmente para a nossa classe média.

    Muita ostentação e pouca autenticidade.

    Não estou fazendo elogio à POBREZA, nem fiz votos para tal, mas é irritante tem consciência de que o único valor que a nossa sociedade leva em consideração é ser RICO.

    Sendo RICO vale tudo!

  3. Mia Couto

    Esta extravasando algo que muitos dentre nos observa com triste vagar por esse andar da carruagem. Mas não são todos os paises subdesenvolvidos que vivem esse complexo. Conheci alguns paises ou ilhas bem pobres, em que as pessoas são realmente simples, sem afetação e te oferecem o que tem sem constrangimento e de muito bom grado. 

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