À procura do crescimento perdido: o caso de Brumado (Bahia)

Representação esquemática do Parque do Futuro

Caro Nassif, continuo com essa contribuição a divulgar os resultados dos nossos trabalhos e reflexões acerca do crescimento econômico.

 Impasses atuais para o crescimento econômico e nossa proposta dos programas territoriais

Embora que o governo não tenha sido passivo com relação à redução do nosso ritmo de crescimento, ela é extremamente preocupante, trazendo risco para o bem-estar duramente conquistado pela população e também de exploração política eleitoreira. Há semanas tal problema se converteu em um tema central nesse blog.

As medidas do governo se concentram nos instrumentos macroeconômicos clássicos, esperando-se, com isso, uma reação mais rápida da economia aos estímulos anticíclicos. Entretanto, como vem sendo apontado nas postagens, não se pode esperar que a resposta seja imediata, dado o intervalo de tempo necessário (no mínimo, um semestre) para que as empresas possam ajustar suas estratégias de produção e de investimento.  

Da nossa parte, temos indicado alguns espaços complementares que não estão sendo devidamente aproveitados pelas políticas econômicas do governo. Nossa crítica se concentra na ausência de uma atenção para grandes potenciais locais de diferentes polos econômicos, alguns recentemente amadurecidos, e a distância entre os gestores da política com os atores locais que poderiam contribuir significativamente para a retomada do crescimento (problema da inadequação da escala espacial das políticas). 

Igualmente, os instrumentos anticíclicos pouca ou quase nenhuma relação mantém com as demais políticas setoriais, que têm um papel igualmente essencial para promover o crescimento.

Nas postagens precedentes (http://www.advivo.com.br/node/956207 ehttp://www.advivo.com.br/node/965829), indicamos uma nova representação do processo de crescimento (processo cíclico-espiralar multifásico) e apresentamos o conceito de programa territorial como instrumento para acelerar o crescimento a partir dos potenciais encontrados nos pólos regionais e locais e das oportunidades de grandes investimentos em infra-estrutura. 

A mensagem que pretendemos passar é que a retomada do crescimento passa também pela criação de sinergias da política macroeconômica com as políticas setoriais e com os atores locais. Conclamamos, portanto, a buscar novas fontes de crescimento no chão dos diversos recantos do País, e não exclusivamente nos escritórios dos andares superiores da Esplanada.

A partir dessa contribuição pretendemos realizar essa “descida ao chão”, apresentando exemplos concretos de programas territoriais que poderiam ser construídos a partir da conjunção dos potenciais existentes nos polos selecionados e também por ocasião de alguns projetos de investimento em infra-estruturas de grande vulto. 

Brumado, Bahia

Será que os andares superiores do MPOG e do Ministério da Fazenda consideram devidamente os potenciais locais como os de Brumado, na Bahia? Vamos contar um pouco sobre essa cidade interiorana, localizada na ferrovia que liga o Centro-Sul e o Nordeste, e que conta apenas 64 mil almas.

Para inicio de conversa, Brumado é o principal pólo nacional, e o terceiro do mundo, de magnesita (ver primeira figura). Além da magnesita, exploram-se vermiculita, dolomita, granitos. Igualmente, o município produz talco, que é utilizado como ingrediente para tintas, cosméticos, indústria cerâmica, farmacêutica, papel e borracha. Alguma parte dessa extração mineral já é beneficiada na indústria cerâmica local.  Por fim, o município já dispõe de uma fábrica de cimento (Grupo Cimpor). Note-se que as atividades mineradora e industrial empregam a maior parte da população municipal.

No campo da agricultura, o município não se destaca tanto, dado estar situado em plena caatinga baiana. Há alguma pecuária, mas principalmente a cultura do umbu pode oferecer algum potencial de crescimento, com base em um projeto consistente de irrigação usando as águas do rio Brumado, já contidas por uma represa na cidade; e de diversas nascentes locais, em virtude de estar situada no extremo Sul da Chapada Diamantina. 

Qualquer andarilho mais atento pelo interior do nosso país irá constatar a expansão do ensino superior nos mais afastados rincões desse país. Em Brumado, não é diferente: além de contar com um campus da Universidade Estadual da Bahia, a cidade hospeda nada menos que 6 faculdades particulares e 4 escolas técnicas, uma delas voltada para a mineração, cujos egressos são demandados pelas empresas de mineração do município. Para uma cidade de menos de 70 mil habitantes, portanto, é de se tirar o chapéu!  

Como era de se esperar, as faculdades particulares concentram sua oferta em cursos nas áreas de ciências humanas e sociais aplicadas (incl. econômicas e de Administração), não se aventurando no ensino de engenharia e de medicina. De qualquer forma, trata-se de uma “fábrica” capital intelectual que pode ser melhor integrada à estratégia de crescimento que discutimos adiante.

Como referido, a cidade se situa na vizinhança da Chapada de Diamantina, o que lhe rende um potencial turístico ainda por explorar mais intensamente.

Por fim, Brumado já é cortado pela ferrovia da FCA, mas também será tangida pela Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), já em construção. Assim sendo, poderá explorar futuramente seu potencial de importante nó ferroviário nacional a partir da construção de uma plataforma logística, articulando os fluxos de mercadoria entre os portos da Bahia e de outras metrópoles do Nordeste; e o interior da Bahia, Tocantins e Mato Grosso. 

 

Aplicando os princípios do programa territorial

Apresentei na última contribuição o conceito de  programa territorial, que reúne a) projetos-âncora do setor produtivo, b) projetos produtivos complementares (preferencialmente ao longo das respectivas cadeias produtivas),c)  investimentos em infra-estrutura e d) ações integrativas (capacitação, apoio ao empreendedorismo etc.). 

Há várias maneiras de combinar essas categorias de projetos, dependendo do objeto central (É um projeto de infra-estrutura? É o fortalecimento geral da economia regional?) e das condições geográficas, econômicas, sociais e políticas locais. 

Para uma situação como encontramos em Brumado, onde se objetiva reforçar a economia local, desenvolvemos ao longo dos nossos estudos a noção de Parque do Futuro, uma evolução dos conceitos já correntes de polo de crescimento ou de intercâmbio, das aglomerações produtivas locais e dos pólos tecnológicos ou de excelência. 

Visa o conceito de Parque do Futuro desenvolver a economia local a partir do potenciais locais à luz da oportunidades que derivam de um estudo mais abrangente sobre as grandes necessidades e prioridades da sociedade (em nível local/regional, nacional e mesmo mundial). Especialmente os estudos do futuro (daí a denominação) devem nos informar quais grandes e originais janelas de oportunidade se abrem para o território sob análise. E o nome parque dá uma conotação de adequação ambiental e social do programa. A segunda figura abaixo esquematiza os elementos básicos de um parque do futuro.

No caso de Brumadinho, essas caixas seriam preenchidas com os seguintes projetos-chave:

Projetos de apoio  e complementação à indústria mineral: visam eles reforçar o papel dessa indústria na economia local, o que não implica necessariamente a ampliação da extração, nem a uma forçada “verticalização” via beneficiamento dos produtos in natura. As mineradoras pertencem via de regra a grupos internacionais com sua rede de beneficiamento e comercialização estabelecida, sem que os atores locais tenham muito espaço de interferência. 

Isso é particularmente verdadeiro no caso da Magnesita, e o grupo dominante (Magnesita S.A) já possui toda uma estrutura montada de indústria de refratários (principal uso desse mineral) na Região Metropolitana de Belo Horizonte e alhures. Outra empresa de peso presente na cidade. 

Outra empresa de peso que irá se instalar até 2015 é a Cabral Mineração, subsidiária da empresa australiana Cabral Resources. Com investimentos estimados em 2,2 bilhões de dólares (3,7 bilhões de reais), é a primeira investida dessa empresa fora da Austrália. Faz parte desse pacote a construção de uma unidade no município de Livramento de Nossa Senhora para fabricar concentrado de ferro com capacidade de produção de 15 milhões de toneladas/ano. 

Já o talco, o segundo produto da atividade mineradora local (igualmente explorada pela Magnesita S.A) , tem um uso mais polivalente, nomeadamente

– na indústria de cerâmica (já presente em Brumado); 

– como material corretivo para lonas, pastilhas, sapatas de freio e outros  dispositivos de fricção para as indústrias de máquinas e veículos;  

– pigmentos para coloração de papel; 

– lubrificantes de moldes; 

– insumo corretivo para a fabricação de papel, borracha, tintas e vernizes, impermeabilizantes, explosivos, defensivos agrícolas, fármacos, perfumaria, sabões, velas, matérias-plasticas, têxteis, produtos alimentares, refratários, e polímeros. 

Portanto, as opções de complementações ao longo de respectivas cadeias produtivas podem ser vislumbradas, evidentemente em função dos interesses e das estratégias das indústrias instaladas.

Entretanto, vários serviços de apoio às podem ser vislumbrados, levantadas as diversas necessidades logísticas das indústrias instaladas. Em função das condições já presentes em Brumado, a principal oportunidade de projeto complementar seria o 

 

Desenvolvimento dos serviços de formação, capacitação e P&D

Como avançado acima, Brumado já dispõe de um parque de instituições de ensino médio especializado e superior. Ou seja, a cidade pode desenvolver ainda mais sua função já existente de centro educacional regional. Evidentemente, as ofertas correntes são ainda genéricas, e uma possibilidade de adequá-las a uma estratégia de crescimento seria seu estreitamento com as necessidades das indústrias. Especialmente a tecnologia mineral, mas também diversos ramos de Engenharia poderiam ser adicionados à oferta.

Em função dos gastos específicos desses cursos, poderá ser incentivada uma cooperação das instituições já presentes com a indústria. Dependendo das condições, as instituições de ensino superior (mas também as escolas técnicas) podem desdobrar suas atividades em programas de pesquisa contratada. Para as faculdades particulares, essa seria uma oportunidade para viabilizar financeiramente sua ascensão de categoria acadêmica, contratando profissionais com Doutorado sob a condição de angariarem contratos de pesquisa. 

Abrindo parênteses: nesse contexto, o Governo Federal poderia ampliar seu apoio ao ensino superior privado, instituindo um programa que combine as ações do PROUNI com o apoio à inovação industrial, especialmente se a proposta se encaixar em um programa territorial. 

Voltando à Magnesita S.A, essa já dispõe de centro de pesquisa em outros centros, mas poderia criar um condomínio local para pesquisas estratégicas, atraindo profissionais de nível superior em função da qualidade de vida em uma cidade menos congestionada.A cidade apresenta um IDH em franca ascenção, e um IDEB bem acima da média nacional.

 

Promoção da Cultura do Umbú 

A modernização e diversificação do agronegócio baiano é conhecidamente um dos motores mais importantes do crescimento econômico desse estado. Situado na Caatinga, o entorno de Brumado não permite, a rigor, uma participação mais generosa desse processo. No entanto, algumas culturas de frutas locais, adaptadas portanto a esse ambiente seco, merecem maior atenção.

Entre essas, destacamos o umbu, planta da qual se aproveita fruto, raiz (na verdade, um tubérculo como a batata), folha, casca e madeira. O fruto agridoce, de polpa quase líquida, é muito popular em todo o Nordeste, e pode render doces, geleias s sucos. Igualmente comestível é a “batata”, cuja água interna serve como vermífugo e remédio anti-diarréico. Já a folha pode render salada, mas também é utilizado como alimento animal. A casca, por sua vez, tem funções medicinais, enquanto a madeira, leve e mole, é fácil de trabalhar. Em termos nutritivos, a fruta é rica de vitaminas A e C, e de cálcio.

O umbu pode ser plantado pela semente e pelo enxerto, sendo que essa última via é mais econômica, enquanto que as sementes podem ser utilizadas para a fabricação de mudas-mães. A EMBRAPA vem desenvolvendo tecnicamente a cultura, que é plenamente adequada à agricultura familiar cooperativada. Na região, tanto a produção como o seu beneficiamento por minifábricas tem provido a um contingente populacional uma fonte de renda razoável. 

Assim sendo, a intensificação e modernização da cultura e de seu beneficiamento, com vistas à exportação no mercado nacional e internacional, podem constituir um motor importante de crescimento econômico da  região, desde comandadas por organizações sob controle da população local. Tal intensificação é possibilitada pela existência de barragem no município, que pode ser também utilizada para fins de turismo e recreação. 

Outra cultura possível, é o umbu-cajá, que se presta a fabricação de polpa, sucos e sorvetes.

O respectivo projeto de um polo produtor-exportador e industrial do umbu e umbu-cajá, construído pelo apoio à cooperação de pequenos agricultores e empresários, constituiria, assim, um dos projetos-chave para o crescimento regional.

 

Parque Eólico do Brumado

O sertão baiano está sendo considerado como sítio propício para a produção de energia eólica. Nesse contexto  as cidades de Caetité, Guanambi e Igaporã já estão sendo contempladas para abrigar um dos maiores parques eólicos do país, com investimentos superiores a R$ 1 bilhão. Brumado, apesar de já contar com uma usina hidroelétrica de menor porte, pode também se beneficiar dessa onda de investimentos, especialmente em virtude do aumento das necessidades de energia provocado pela expansão da atividade mineradora e industrial. Estudos prospectivos estão já sendo realizados. Assim sendo, a construção desse parque seria mais um projeto propulsor do crescimento local.

 

Rótula logística

Em Brumado, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL)  cruzará a Ferrovia que liga o Sudeste ao Nordeste. Portanto, a construção de um entreposto logístico pode constituir um elemento da estratégia de crescimento regional. Sobretudo quando a nova ferrovia se estender ao Oeste e se conectar à ferrovia Norte-Sul e em mais uma etapa alcançar o Norte do estado de Mato Grosso, diversos fluxos   entre a área central do País, o Nordeste e Sudeste podem se encontrar em Brumado, sendo que a diferença entre as bitolas das duas ferrovias implicará necessariamente em transferência de cargas. Tal operação mais ainda a instalação de uma estação de triagem podem dar origem a uma plataforma logística que atrairia a instalação de entrepostos e indústrias. 

 

Pólo de Turismo 

Brumado situa-se nos contrafortes Sul da Chapada Diamantina, pelo que pode sediar um polo de apoio ao turismo ecológico da região (hotéis, restaurantes, serviços, transporte), se contrapondo aos polos ao Norte (por exemplo, Lençóis). A proximidade de Vitória da Conquista, distante de 100 km e que possui um aeroporto servido de voos nacionais, lhe fornece uma vantagem logística com relação aos outros polos.

 

Fazendo a máquina de crescimento se movimentar

Brumado, uma cidade de porte relativamente pequeno, é apenas um exemplo dos enormes potenciais de crescimento que se encontram pelo vasto interior do País, e que precisam ser inseridos na política de crescimento. Para tal, é essencial que os formuladores dessa desçam dos andares da esplanada e tomem conhecimento desses e muito mais outros polos do interior. 

Em contato mais estreito com os atores locais, propostas concretas e de efeito relativamente rápido podem sair do papel e acelerar a retomada do crescimento econômico nacional. Ou seja, urge partir finalmente do “pode-pode” para o “vai-vai”.

Da sua parte, é essencial que os atores locais se congreguem  para formular estratégias coerentes de crescimento regional, buscando sinergias entre as iniciativas de diversos investidores. O que se observa, frequentemente, é que nos mais diversos polos com potenciais de crescimento a falta de articulação entre atores e projetos produz enormes custos de oportunidade.   

Um primeiro passo poderia ser o mapeamento dos atores econômicos e políticos. O parque industrial local já reúne um número considerável de gente de grande capacidade de  iniciativa e de associações empresariais. Na área política, vários protagonistas de projeção nacional que já atuaram ou ainda atuam na área (a título de exemplo, o ex-governador Paulo Souto, o próprio Ministro Walter Pinheiro, o deputado José Carlos Aleluia) poderiam, a despeito das diferenças partidárias, promover uma aliança em prol da adoção de um programa territorial fortemente apoiado pelo Governo Federal. 

Da mesma forma sugiro que o Nassif realize, com base na estrutura das Brasilianas, seminários com foco não em grandes temas transversais e sim em polos regionais e locais concretos, buscando dessa discussão indicações para novos rumos do crescimento nacional. Tal iniciativa inclusive poderia facilitar a identificação e articulação de atores relevantes.

Nas próximas contribuições, pretendo insistir nessa linha de trabalho, analisando os potenciais de mais outros polos. 

Por fim, gostaria de salientar que as informações e propostas dessa contribuição originaram de um exercício de classe da disciplina Transportes e Sociedade, do Programa de Pós-graduação em  Transportes da Universidade de Brasília. No tocante ao polo de Brumado, os colaboradores foram os alunos Marcelo Sampaio , Rodrigo Pereira, Andres Felipe, Luiza Helena, Adilson Fernandes, Leonel Teixeira, Fabricio Leitão, Fernando Pipicano, Azarias Machado e Mylka Socorro Simpson.

Redação

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