A S&P e o estouro da boiada

O iG publicou hoje, 9.8.2011, uma interessante análise de dois professores do IMD, da Suíça, sobre o rebaixamento da nota dos EUA e o consequente trambolhão sofrido ontem pelas bolsas, que hoje já se recuperaram. Defendem que não há nada que avalize esse rebaixamento, o qual não afetou em nada a percepção do mercado sobre a dívida americana. As bolsas teriam desabado pelo pânico instalado entre os investidores do mercado de ações, estimulados, pra variar, pela histeria da mídia. Foi um “pânico fabricado”, sustentam. Um estouro da boiada, cujo mecanismo hoje mesmo o Nassif analisou.

 

Apertem os cintos, o piloto sumiu!


Porque o rebaixamento dos Estados Unidos é completamente irrelevante para os investidores

Arturo Bris e Salvatore Cantale, professores de finanças do IMD

O rebaixamento dos EUA pela Standard and Poors (S&P) lembrou uma cena do filme “Apertem os cintos, o piloto sumiu!”. A comissária de bordo informa os passageiros que o vôo saiu ligeiramente da rota em cerca de meio milhão de milhas, que um asteróide está prestes a colidir com a aeronave e que eles não podem mudar de curso porque estão voando sem um sistema de navegação. Os passageiros reagem com grande indiferença ao anúncio. No entanto, quando logo em seguida o atendente diz: “… e também estamos sem café”, o pânico se instala, um motim explode dentro do avião, e é um caos total.

A S&P reduziu o rating de crédito soberano dos EUA de AAA para AA+, com a justificativa de que a decisão é baseada em argumentos político e fiscal. A agência acredita que a luta política que vem ocorrendo nos últimos meses faz com que o governo norte-americano fique “menos estável, menos eficaz e menos previsível.” E que o plano fiscal fechado em 2 de agosto está aquém do tamanho e escopo.

Esta nova informação foi nova para alguém? Além do rebaixamento em si, o rebaixamento não é novidade! Todos os argumentos que são apresentados pela agência de classificação de risco já eram velhos conhecidos – ou estavam amplamente disponíveis – tanto de investidores individuais e institucionais, ou seja, o mercado. Ainda pior: o Tesouro alegou que o downgrade é baseado em dados falhos! A provocação política vem acontecendo há meses e tem sido bem acompanhada pela mídia e comentaristas. A solução das questões culminou com a Emenda de Controle do Orçamento de 2 de agosto, que já estava disponível aos participantes no mercado e provavelmente também já havia sido digerida pelo mercado. Entre 02 de agosto e 08 de agosto, o índice S&P500, de Nova York, perdeu cerca de 160 pontos, cerca de 13% do seu valor.

A única notícia, portanto, foi que a S&P finalmente decidiu agir e rebaixar os EUA. É isso aí. Mesmo que o evento seja por si só “histórico”, porque a reação foi histérica? E o que explica a reação surpreendentemente diferente de ações e mercados de títulos?

O preço da dívida dos EUA, a mesma dívida que a agência rebaixou, tem subido desde 5 de agosto! O rendimento dos títulos dos EUA diminuiu 22 pontos-base de 2 agosto a 8 agosto (e o mesmo aconteceu para os outros dez maiores emissores de dívida da OCDE, com exceção do Japão). O rebaixamento, que, em uma última análise é uma declaração sobre a possibilidade de inadimplência dos Estados Unidos, não mudou fundamentalmente a percepção dos investidores em relação à solvência da dívida americana (e com razão, já que uma classificação AA+ ainda denota uma probabilidade muito remota de inadimplência).

Irrelevante

Em nossa opinião, o rebaixamento dos EUA é completamente irrelevante do ponto de vista dos investidores. Há três razões para isso. Mais provável, alguns investidores institucionais reavaliaram a possibilidade de trocar a dívida dos EUA pela de outros países. Mas qual? Mesmo quando comparada com a da Alemanha ou França, a dívida dos EUA não parece muito arriscada, e com a zona do Euro (e o Euro) em apuros, vender dívida dos EUA para comprar a francesa ou alemã pode não ser uma idéia tão boa caso se leve em conta o risco cambial.

De fato, considerando que a maioria dos detentores de dívida dos EUA é formada por (i) outros governos, (ii) fundos de pensão e fundos mútuos, e (iii) empresas de seguros, e considerando que (com exceção dos fundos de investimento), esses investidores seguram os títulos até o vencimento , entendemos por que o mercado de títulos reagiu bem ao anúncio da S&P.

Segundo, o tamanho do mercado de dívida de governos com rating AAA pode não ser grande o suficiente para satisfazer o apetite de investidores de títulos com medo dos EUA. Atualmente, o tamanho da dívida da França, Alemanha e Reino Unido juntos, não é chega a 60% do tamanho da dívida americana. Ou seja, não há alternativa aos títulos dos EUA. É claro, os governos não são a única opção disponível para os gestores de títulos, mas ainda assim o nosso ponto é que o impacto econômico de se fazer um rebalanceamento de carteiras ficou muito caro.

Por último, especialmente para os investidores dos EUA, a idéia de troca de dívida dos EUA por alguns outros títulos de crédito governamentais (ou não) levanta o problema do risco cambial ea questão da deterioração dos rendimentos em função dos efeitos do câmbio.

Ainda assim, para ações, o relatório da agência de crédito teve um impacto muito negativo. O efeito foi devastador no mundo. Por que uma reação tão diferente? Como muitas vezes em questões complexas, muitas explicações estão em jogo, e dessa vez não é diferente.

Uma razão teórica para o ataque de pânico nos mercados de ações é a volatilidade e os erros de cálculo gerados pela falta de um ativo livre de risco nos mercados financeiros mundiais. “Se o governo dos EUA não está mais livre de riscos, o que é então?” É uma questão que alguns de nossos alunos têm feito. “Não é verdade que, se não houver segurança isenta de riscos na economia, a teoria de precificação de ativos não funciona?”, tem sido outra questão. Bem, a teoria de finanças é robusta, mesmo na ausência de uma referência livre de risco, pois há substitutos simples (uma posição totalmente protegida num mercado arriscado) para um título sem risco.

Analistas financeiros têm afirmado que, se o governo norte-americano encontrar um ambiente mais caro para se financiar, financiamento deve também se tornar mais caro para as empresas. No entanto, o rendimento dos títulos dos EUA diminuiu, não aumentou, e não há nenhum sinal proveniente do Federal Reserve sobre aumento iminente da taxa de juros.

Finalmente, a volatilidade do mercado é o resultado da crescente incerteza sobre o futuro. Verdade, mas como dizemos, o rebaixamento não aumentou nem diminuiu tal incerteza. A probabilidade de um duplo mergulho já era alta na semana passada, e ainda assim os mercados não entaram em pânico.

Qual é a nossa explicação para o que está acontecendo? Devemos primeiro perceber que a mídia teve uma reação exagerada ao rebaixamento da última sexta-feira e, com isso, o público também. Gurus famosos que previram vinte crises nos últimos 10 anos nos advertiram sobre “outra recessão”, “uma tempestade perfeita”, um “aprofundamento da crise global”, “Armageddon” e assim por diante. Estas são coisas que temos lido ou ouvido apenas nos últimos três dias. Esse pânico foi fabricado. É uma resposta irracional. Estamos em uma crise, mas a crise não é global: os EUA estão em apuros, como Grécia e Espanha e Itália em breve estarão. Mas países como Alemanha, Israel e Holanda estão crescendo a taxas estelares, a China deve crescer cerca de 9% em 2011, e empresas como a Intel ea Porsche têm reportado lucros recordes no segundo trimestre de 2011.

A desclassificação da dívida dos EUA tem sido um não-evento, ea venda maciça de ativos que a seguiu é apenas uma reação exagerada à notícia de que “estamos sem café”.

IMD Business School é uma escola global de finanças, localizada em Lausanne, na Suíça

http://economia.ig.com.br/mercados/apertem+os+cintos+o+piloto+sumiu/a1597126810893.html

Redação

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