A Superação do Capitalismo

Respondo aqui ao post “Discussões sobre política, liberalismo e marxismo“, que teve participação principalmente de Jotavê e Luiz Lima, mas também de Aliança Liberal, Raquel, Carlos Saraiva, TiagoGS, entre outros.

As discussões giravam em torno de duas perguntas: 1) O que é marxismo? e 2) como superar o capitalismo?

Assim como o termo “socialismo”, provavelmente pouquíssimas pessoas tem uma concepção precisa do que é “marxismo”, inclusive as de esquerda. A obra de Marx está muito mais ligada à crítica ao capitalismo, do que a um sentido doutrinário, uma receita, para uma nova sociedade. Essa outra sociedade seria simplesmente a negação desta em que vivemos, de injustiça social. Mas ele não deixou de dar “pitacos” de como poderia ser a construção dessa sociedade “livre”, com presença vital do Estado. Parece que ele não levou em conta que a liberdade não é algo que pode ser imposto, mas conquistado!

É interessante notar como alguns marxistas se referem à superação do capitalismo por meio de um Estado “socialista”, num sentido libertador, quando de libertador não tem nada, pelo que sabemos das experiências do “socialismo real” da União Soviética, por exemplo. A respeito disso, como esclarece o pensador Noam Chomsky em seu livro O Que o Tio Sam Realmente Quer, “o golpe bolchevique, de outubro de 1917, colocou o poder de Estado nas mãos de Lenin e Trotsky, que se apressaram em desmantelar as incipientes instituições socialistas que haviam crescido durante a revolução popular nos meses anteriores – os conselhos de fábricas, os sovietes, na verdade qualquer órgão de controle popular – e converteram a força de trabalho naquilo que eles chamaram de ‘exército de trabalhadores’ sob o comando do líder”. Desmantelaram qualquer significado mais profundo de “socialismo”, mas continuaram usando esse termo, certamente explorando o prestigio moral do que seria uma sociedade mais justa. Isso virou um sistema de propaganda impressionante, onde qualquer divergência era punida.

Mas os resultados concretos do “socialismo” não seriam surpresa aos olhos do pensador anarquista Bakunin (1814-1876). Mais uma vez, como bem sintetiza Chomsky, “Bakunin tinha previsto que os integrantes da classe intelectual que estava surgindo seguiriam um dos dois caminhos apresentados: ou eles tentariam explorar as lutas populares para tomar o poder estatal, tornando-se uma brutal e opressiva burocracia vermelha, ou eles tornar-se-iam os dirigentes e os ideólogos de uma sociedade capitalista estatal, se a revolução falhasse”.

Por outro lado, o sistema de propaganda ocidental trabalhou na doutrinação inversa: difamou ideais socialmente libertários, associando essas ideias às masmorras dos regimes cubanos ou soviétivos, na tentativa de implodir qualquer crença popular de progresso em direção à uma socidade mais justa, preocupada com os direitos humanos e pelo controle popular das instituições.

Pode-se discordar de muita coisa sobre o que seja socialismo, mas, antes de tudo, ele significa simplesmente o controle da produção de bens pelos próprios trabalhadores e não por comandantes, sejam os dirigentes capitalistas ou Estados totalitários. É o auto-governo, a auto-gestão em movimento, superando o controle hierárquico que estamos inseridos, seja no ambiente de trabalho, seja no político-social.

Experiências coletivas desse tipo vem sendo conduzidas de maneira cada vez mais organizada com a denominação de “Economia Solidária“, das quais destaco a participação da ANTEAG – Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Auto-Gestão. Essas experiências são muito importantes pois fazem contraposição ao modelo de desenvolvimento econômico que prevalece hoje no mundo.

Os efeitos do neoliberalismo e sua suposta racionalidade, que apenas mascara a defesa da espoliação da sociedade, já vem sendo sentidos no mundo todo há tempos. No entanto, ainda há quem defenda essa ideologia, o que também revela preconceito de classe, pois acaba colocando a culpa da pobreza exclusivamente nos pobres(!), quando a desigualdade é inerente à esse sistema. Os efeitos na educação brasileira já são claros. A privatização da educação significa, na prática, a formação de “centros de excelência” para poucos, e escolas de baixa e péssima qualidade para muitos, reproduzindo as desigualdades sociais já existentes.  Já se discutiu aqui que as classes sociais não são somente uma questão de renda. Na Índia, chamariam isso de “sistema de castas”, onde a mobilidade social é inibida por uma simples questão de origem. E polícia para os de baixo! Educação e Saúde são os últimos alvos da lógica de acumulação capitalista, irracional do ponto de vista social. E no Estado de São Paulo, por exemplo, estamos de vento em popa!

Portanto, a superação do capitalismo está intrinsecamente ligada ao problema da democracia, não só da propriedade privada. Só uma democracia ampla (e não a representativa) poderá garantir uma sociedade mais justa. O Estado é uma arena de embate entre as corporações e os interesses coletivos, e as corporações é que tem dominado esse espaço. É preciso democratizá-lo, pulverizá-lo nas mãos dos cidadãos. A mera existência dos movimentos sociais é consequência dessa falta de espaço para decisão coletiva do próprio destino. E eles agem no interesse legítimo de maior distribuição de poder, não apenas renda e sobrevivência.  Eles exigem que essa porta se abra. O papel dos “marxistas” que tem oportunidade agir por dentro do Estado deveria ser o de ajudar a abrir essa porta de dentro pra fora, numa ação que não é individual, de cima para baixo, mas de construção coletiva, de baixo para cima, por isso a importância dos movimentos sociais. O orçamento participativo seria um exemplo disso, em relação ao Estado. Dentro das corporações, a decisão de superar o sistema hierárquico interno deve ser dos trabalhadores que nelas atuam e de mais ninguém. Assim, do meu ponto vista, a “ruptura” com o sistema capitalista significa muito mais uma evolução, seja na velocidade que for, mas sempre através da construção coletiva, como também pensa a maioria dos marxistas…mas talvez de maneiras bem diferentes.

Redação

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