Discussões sobre política, liberalismo e marxismo

Ontem, no post sobre Hobsbawm, travei um diálogo com o Luiz Lima no qual intervieram (entre outros) a Raquel e o Thiago M. Silva. Além de respeitoso (sem deixar de ser acalorado), foi rico. Talvez valha a pena disponibilizar para mais leitores. É a questão de fundo de muitas das discussões aqui do blog.

dom, 19/06/2011 – 12:24

Jotavê

Qual é a meu ver o grande dilema do marxista? Ele se condena a não ter como formular, enquanto marxista, uma estratégia política. Um olho fica posto na ruptura, outro na necessidade de dizer como é que vamos organizar a Copa de 2016. O olho posto na ruptura não tem como transformar sua percepção das contradições sociais numa estratégia de ação eleitoralmente sustentável. O que fazer diante do conflito no campo, por exemplo? Fazer uma reforma agrária. Muito bem. Mas fazer a reforma agrária PARA QUÊ? Para resolver as contradições sociais no campo? Se elas forem resolvidas dentro do capitalismo, ele perde. A aposta dele, então, é que essas contradições não irão se resolver coisíssima nenhuma. Aposta, vejam bem, que a reforma que ele propõe NÃO IRÁ DAR CERTO. O que ele espera é que o processo de luta por essa reforma CAPITALISTA (trata-se afinal de contas, de criar um exército de pequenos produtores) leve a um processo de organização dos trabalhadores do campo que aponte PARA ALÉM DELA MESMA. Que leve, enfim, à ruptura. Se a reforma agrária for bem sucedida, eu repito, o marxista PERDEU. Ele só ganha se ela NÃO PUDER JAMAIS ser bem sucedida, e a percepção das limitações internas do sistema capitalista ir se formando num grupo organizado politicamente e cada vez mais disposto à luta.

O marxista não consegue formular uma política porque, no fundo, seu grande lance só pode ser dado FORA da política partidária. Dentro dela, só é possível fazer o que Lula fez e Chávez está fazendo – uma administração do capitalismo enfeitada por uma retórica incendiária. Chávez é o caso mais trágico (e mais cômico também, em determinados momentos). Só consegue “socializar” a sociedade venezuelana às custas de reduzi-la a uma produtora de um único produto. Lula, que JAMAIS flertou com a ideia de “ruptura” (nasceu e cresceu politicamente INSERIDO no capitalismo internacionalizado do ABC paulista, ORGULHOSO desse inserção, que estabelecia uma diferença GRITANTE entre sua vida adulta e sua infância), fazia encenações de esquerda na política externa, enquanto levava a efeito uma política ultraconservadora na economia e políticas social-democratas muito bem planejadas no campo social. Não é à toa que o modelo, hoje, é ele, e não Chávez. Lula nunca foi marxista, e nunca pretendeu ser. Algo me diz que Chávez, mesmo sem conseguir, tenta todo santo dia.

dom, 19/06/2011 – 13:11

Luiz Lima

Você está cobrando o quê, exatamente? Um projeto marxista de gerência do Estado burguês? Essa é ótima. Conhece a do papagaio fanho?

dom, 19/06/2011 – 13:43

Jotavê

Eu não estou cobrando, Luiz. Estou dizendo que é impossível.

dom, 19/06/2011 – 14:24

Luiz Lima

Jotavê, já sabemos disso. Não dá pra ser marxista e preconizar a viabilidade do capitalismo. O que você quer derivar daí? Hobsbawm é, hoje, descrente da via revolucionária. Talvez por isso não ouse avançar em sua análise. Porém, o fato de ele não se sentir em condições de fazê-lo diz, apenas, de suas (dele) próprias limitações, auto-impostas ou não.

dom, 19/06/2011 – 14:43

Jotavê

Quero dizer o seguinte, Luiz. O marxismo não é capaz de nos dar uma política. As escolhas políticas que você fizer dentro do jogo democrático são indiferentes do ponto de vista do seu projeto de ruptura. Tanto faz votar no Maluf, no Lula, ou votar branco. Do ponto de vista da ruptura visada, eles se equivalem. (Lula está “mais perto” ou “mais distante” da sociedade sem classes? Alguém poderia dizer – “Melhor o Maluf, pois acirra as contradições de classe, e apressa o processo.” E outro poderia dizer: “Voto branco, pois tanto faz. Os atores sociais são todos coletivos, e o motor da história é a luta de classes. Votar neste ou naquele é tão indiferente quanto apostar num cavalo.”)

dom, 19/06/2011 – 15:56

Luiz Lima

Essa não, Jotavê. Lenin já esclareceu o papel da atuação política dos comunistas no Estado burguês há quase cem anos. Esta história de argumentar que defendemos o “quanto pior melhor” é de um primarismo lamentável. Nem os trotskistas entram mais nessa canoa furada.

Uma coisa é defender o fim e lutar pela superação do capitalismo. Outra muito diferente é a ideia mecanicista de que devemos fazer com que este se apresente em sua verdadeira grandeza, atingindo o seu ápice, para que o proletariado, em sua infinita sabedoria, se dê conta de que a exploração é insuportável e que, só então, trate de derrubá-lo. Ou aguardar, como tantos deterministas julgam ler na obra marxiana, que ele caia de podre. Isto quer dizer que devemos esperar que a classe dominante se mostre TREMENDAMENTE dominante – para que só então, numa espécie de catarse, massas esfomeadas se lancem de encontro às forças da burguesia e enfim a derrotem. Só falta, nessa visão, combinar com o adversário…

dom, 19/06/2011 – 16:20

Jotavê

Eu não acho que vocês lutem pelo pior. O que estou dizendo é que, lutem pelo que for, dentro do espaço da política não lutam ENQUANTO marxistas.

Por falar em leninismo, qual seria a “vanguarda do proletariado” no Brasil? O PT? E o que seria o “proletariado”? Essas categorias já não tinham aderência à realidade há quarenta anos atrás, Luiz. Olhe o tamanho da classe média. Veja como categorias salariais determinam hoje cisões mais profundas do que a oposição entre quem detém ou não os “meios de produção”. Considere a oposição entre um operário que ganha 4 mil reais por mês, outro que ganha 2 e um outro que ganha salário mínimo. Você imagina pessoas tão diferentes assim unindo-se em torno de um projeto revolucionário, simplesmente porque são “proletários”?

dom, 19/06/2011 – 17:12

Luiz Lima

Que mané PT, companheiro. Não era partido revolucionário nem quando nasceu. E passou longe do leninismo – aliás, negava-o. Leninismo que, a propósito, não se cinge à ideia de “vanguarda”. Isso é reducionismo. É coisa de quem leu resenha e não o autor.

Sabia que o seu argumento iria desembocar nesta história de “fim da ideologia”. Só puxei a corda. Demorou, mas chegamos lá. Você se agarra nesta história de operários que ganham 6 mil por mês para “demonstrar” que a classe operária tem contradições internas. Bastaria dizer que o proletariado brasileiro é uma classe em si. Nestas circunstâncias, é claro que um sujeito que ganha seis mil por mês como tapeceiro da Volks não se identifica com a boliviana que ganha 600 por mês num sobrado de São Paulo para costurar as calças que usa, ou com a escrava do “call-center” que o aporrinha todo santo mês com a cobrança do seu cartão atrasado.  Porém, todos estão sujeitos aos mesmos imperativos – não podem determinar o que ou quanto produzir, não têm nenhum poder sobre o destino final de sua produção – nem todos os trabalhadores da Volks juntos conseguiriam fazer com que apenas e tão-somente um dos carros que produzem chegasse às mãos da costureira – e podem compreender que, não importa o quanto ganhem, estarão entregando uma parte do seu trabalho ao capitalista que os emprega – mesmo que a sociedade possa e necessite utilizar este excedente de outras formas mais úteis. Além disso, qualquer um deles podem, de forma totalmente arbitrária e alheia às suas vontades, ver negado seu acesso aos meios de produção – e se verem impossibilitados de vender o único “bem” de que dispõem para garantir a sua sobrevivência – a força de trabalho. Em outras palavras, não é porque o proletariado não se vê como classe e não questiona a injustiça da exploração capitalista que esta deixa de existir.

dom, 19/06/2011 – 14:18

Thiago M Silva

O último parágrafo até vá lá…mas logo se vê que vc não conhece nada de movimentos sociais…

E Lula não avançou quase nada na Reforma Agrária. Ele fortaleceu a agricultura familiar, isso sim, mas não distribuiu muito mais terras. Estamos longe, muuuito longe de uma reforma agrária decente mesmo nos moldes do capitalismo, e se isso for conseguido, seria uma estrondosa vitória.

Acho que a seguinte frase diz muito sobre os grandes movimentos sociais no Brasil: “Seja realista, exija o impossível”.

dom, 19/06/2011 – 14:57

Jotavê

É isso, mesmo. O marxista, no final das contas, tem que apostar todas as suas fichas nos movimentos sociais, e esperar que eles se tornem, lá na frente, um veículo para a ruptura. Só que ninguém tem a menor ideia de como isto pode ser feito. Os camponeses vão pegar em armas e marchar sobre as cidades? Os movimentos urganos vão conscientizar os miseráveis de que eles têm direito à moradia, suscitando uma onda incontrolável de ocupações? Está bem. Suponham que isso aconteça. O que vem depois? No dia seguinte? Qual é o plano de vôo?

Como você vê, a única vantagem dessa aposta nos movimentos sociais, é que quem a faz não tem que responder a perguntinhas incômodas, do tipo – “o que fazer AGORA?” Sempre que um chato como eu fizer essa pergunta, você pode responder – “Agora, não me interessa. Na hora, lá na frente, a gente vê.”

Marxismo, hoje, não é o nome de um plano. É o nome de um desejo. Um desejo que o desobriga de pensar a respeito das difíceis questões cotidianas.

Escapismo, enfim.

dom, 19/06/2011 – 15:20

raquel_

Ou é o desejo ou a morte.

Pq vamos combinar que o atual cenário tbm não acena para um futuro formidável.

dom, 19/06/2011 – 16:03

Jotavê

O desejo, todos nós temos, Raquel. A questão é o que podemos ter ALÉM disso.

dom, 19/06/2011 – 17:22

 

Luiz Lima

No agora – já que você insiste tanto nisso – existe a luta pelo direito à terra, por direitos econômicos, sociais e civis, civis, contra o racismo, contra a homofobisa, contra o sexismo, contra a violência etc. É um engano lamentável de sua parte achar que tudo isso nada tem a ver com a luta pelo socialismo – até porque enquanto o capitalismo subsistir estas conquistas serão sempre limitadas e reversíveis. Trata-se, no aqui e agora,  de impor limites ao poder da classe dominante – e isto é tão indispensável hoje como destituí-la desse poder o será, amanhã. Só você vê contradições entre uma coisa e a outra.

dom, 19/06/2011 – 17:35

 

Jotavê

Ser marxista não é condição para lutar agora por nenhuma dessas coisas. O que estou dizendo é que ser marxista não é condição suficiente para lutar agora por nenhuma OUTRA coisa. Aliás, também não é condição suficiente para lutar por essas que você citou. Você luta. Não significa que alguém pelo simples fato de ser marxista, deva lutar.

Não existe uma “política marxista”. Esse é todo o meu ponto. Ser marxista, do ponto de vista da política, é tão indiferente quanto ser espírita, ou ser canhoto.

 

dom, 19/06/2011 – 18:32

 

Luiz Lima

“Não existe ‘política marxista'”.

Nem espírita, Jotavê. Isto é uma tautologia. Estamos perdendo tempo, assim.

 

dom, 19/06/2011 – 18:38

 

Jotavê

Isso. Espiritismo e marxismo não determinam opções políticas. Liberalismo e social-democracia determinam. Há políticas distintamente liberais e social-democráticas. Não existe nenhuma política distintamente marxista. É todo meu ponto, desde o início.

dom, 19/06/2011 – 19:36

 

Luiz Lima

Como é?!

Morra de uma vez, Aristóteles. O filósofo político Jotavê acabou de te cravar a estaca final!!

 

dom, 19/06/2011 – 19:43

 

Jotavê

Seja explícito, e aí a conversa pode prosseguir. O que você está querendo dizer?

dom, 19/06/2011 – 21:02

 

Luiz Lima

Jotavê, só faz sentido “descategorizar” a política se nos remetemos ao seu conceito artistotélico. Você não pode criar ou suprimir categorias porque você as julga, arbitrariamente, “definidoras” em contraposição às que – friso, em sua opinião – não o são. Não existe uma Política social-democrata ou uma Política liberal, assim como não existe uma “Política marxista”. Existe a Política – e os homens que a fazem, estes sim, esposam ideologias. O que define um liberal, um social-democrata ou um revolucionário é a cosmovisão de cada um. Esta, por sua vez, determina a teleologia e os limites da ação política, individual ou coletiva: não posso ser “mais” político por ser liberal, nem “menos” político por ser comunista, ou vice-versa. Isso não tem nada a ver com “projeto político”, “estratégia” e conceitos que tais.

De mais a mais, não reivindique para o liberalismo uma herança que ele absolutamente não possui. O liberalismo como doutrina significa, simplesmente, a defesa da liberdade econòmica (isto compreendido como a liberdade de ser proprietário e o direito á perpetuação desta propriedade no tempo). Pode-se ser monarquista e liberal, republicano e liberal, até mesmo fascista e liberal, como George W. Bush. Quanto à social-democracia, é, na origem, um abastardamento do marxismo, e que recentemente desistiu até mesmo de ser reformista: Blairs e Zapateros da vida podem se reivindicar social-democratas como Palme e Brandt o foram? De jeito nenhum.

 

E por favor, se quiser ser levado a sério, pare de provocações. O liberalismo é uma seita? O marxismo também não. Essa palhaçada me escapou antes, mas agora basta.

Luis Nassif

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